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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Votar, é preciso!

Votar não é apenas um dever e um direito, é uma necessidade. É preciso ir votar no próximo domingo.

É necessário votar, para que a democracia aconteça; não há “governo do povo” sem o povo ser ouvido, na escolha dos seus representantes e, sobretudo, na decisão sobre o projeto político que quer ver concretizado. 

Nas últimas eleições regionais (2020), mais de metade dos eleitores (54,6%) não votou. Nesse ano, eram 228.572 os eleitores, o que significa que 124.800 não manifestaram a sua orientação de voto. Em 2024, os cadernos eleitorais regionais registam mais 1349 eleitores, totalizando 229.921. A quem interessa a abstenção? Quem ganha com a não participação dos cidadãos?

Votar é necessário, porque é um ato de liberdade. Há cinquenta anos atrás, votar não era uma escolha, mas apenas a validação pública de quem detinha o poder. Ninguém julgaria possível, mas, em Portugal, já houve eleições onde, quem escolhesse votar na oposição teria de colocar na urna um voto de cor diferente.

Votar é necessário, porque é um ato de cidadania, um poder que só os cidadãos de maior idade possuem, por ser uma decisão responsável, adulta, da qual depende o futuro da região, do país e até da Europa.

Votar é necessário, porque é a forma democrática de os cidadãos, devidamente informados, escolherem um determinado projeto político. Só a informação dá poder para discernir propostas realizáveis, de promessas demagógicas e inconsequentes.

Votar é necessário e fundamental, para que possamos todos contribuir para a construção do projeto de sociedade que queremos. Pessoalmente, acredito que podemos ambicionar mais justiça social e menos desigualdades, mais direitos de participação e menos abusos de poder. Vamos festejar 50 anos de democracia e, se não queremos apagar a memória, é bom lembrar que no país, antes de 1974, mais de 30% da população era analfabeta, uma condição que servia a ditadura, que se impunha sem contestação. Foi com a democracia que o país viu nascer o sistema de saúde, em 1979. Mesmo criticável, todo o cidadão em Portugal pode receber cuidados de saúde, sem ter, como em outros países, de pagar, obrigatoriamente, um seguro. Pensemos ainda no quanto beneficiamos com a segurança social, mesmo que imperfeita; contamos com os apoios sociais na doença ou quando nasce uma criança, na velhice ou na falta de rendimentos suficientes para sobreviver.  O país ou a região sem apoios sociais, teria mais do dobro da atual taxa de risco de pobreza.

Votar é necessário, porque nos obriga a pensar no que queremos para a nossa região ou país. Olhemos para as traves mestras da “casa comum” onde vivemos, a nossa região Açores. Se aí virmos a democracia, a liberdade, a solidariedade, o respeito pela dignidade humana e a defesa da igualdade de oportunidades, então não podemos entregar o governo dessa casa a qualquer um. Só quem defender esses valores, não irá por em risco a autonomia regional.

Votar é necessário, porque é um direito de cada um de nós. Ninguém o pode exercer em meu nome, nem decidir o que quero para a minha região. Mais do que nunca, tenho a certeza que quero viver numa região com menos pobreza e mais desenvolvimento; ambiciono uma região com mais riqueza, mas melhor distribuída; desejo viver e respirar em paz e viver em segurança.

Votar é necessário, não se esqueça. Vá votar no dia 4 de fevereiro; não permita que outros decidam sem o terem ouvido.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 30 janeiro 2024)

A importância de um jornal

Temos vindo a ser confrontados com a situação difícil do grupo económico (Global Media) que detém um conjunto de marcas na comunicação social, como é o caso deste jornal, o Açoriano Oriental, com quem colaboro há já vários anos.

E, é sobretudo por esse facto que gostaria de manifestar a minha solidariedade com os trabalhadores que fazem este jornal e, simultaneamente, a minha profunda tristeza pela forma como “o jornal mais antigo do país” é tratado como, apenas, mais um “produto” económico que pode ser descartado, se não houver financiamento e interesse de negócio.

Um jornal, este ou outro, é muito mais do que um espaço para divulgação do trabalho dos jornalistas. É um meio de aproximação das populações, que reforça as suas identidades. É uma voz escrita, que permite aos cidadãos manifestarem opiniões. A par dos colaboradores, não jornalistas, que ajudam a construir o jornal, há sempre um “diga leitor”, coluna aberta ao cidadão comum, onde a opinião publicada transforma-se em voz ativa.

Precisamos deste espaço, inclusive, precisamos do papel, desse contacto com as notícias escritas, organizadas em dossiers temáticos, em artigos e colunas de opinião. Mesmo quando os jornais são divulgados em suporte digital, é no formato original que surgem no computador ou no telemóvel e isso revela a importância da marca, do ADN, que faz da imprensa uma fonte necessária à partilha informativa.

Ter a oportunidade de colaborar com o Açoriano Oriental é, sem dúvida, um privilégio, uma oportunidade de fazer ouvir a minha voz e, que, por vezes, revela ser também a voz de outras pessoas que se reconhecem e identificam com determinados conteúdos.

Na medida em que um jornal acolhe colaboradores com sensibilidades diferentes, é uma mais valia para a democracia do país ou de uma região. Longe vão os tempos do lápis azul que riscava conteúdos e selecionava opiniões.

Hoje, é também pela e na imprensa escrita, que a liberdade se afirma, o pluralismo ganha corpo e por via desta diversidade de pensamentos, se fomenta o debate, a reflexão e até a intervenção cívica.

O jornal é um bem coletivo, onde se conjuga, numa mesma folha de papel, factos tão diversos, como a necrologia e os prémios, os eventos políticos e as festividades locais. Por isso, é possível fazer história, a partir dos jornais em arquivo.

A imprensa escrita depende de uma profissão com ética, o jornalismo, cujo trabalho exige pesquisa, investigação e contacto com informadores credíveis. Longe deste quadro de referência, muita da informação que circula, de forma acelerada, nas redes sociais, está longe de falar a verdade. Mas, ao contrário da imprensa, dificilmente um leitor do digital consegue se defender ou contradizer uma notícia falsa.

É fundamental que a comunidade açoriana, particularmente a micaelense, se chegue à frente para garantir a continuidade do jornal Açoriano Oriental. No Norte, parecem existir empresários que não querem ver os jornais que falam das suas gentes serem engolidos por um fundo de investimento, pouco interessado em órgãos de comunicação social. E nos Açores? Em São Miguel? Onde ficamos?

Vamos deixar que o Açoriano Oriental fique apenas na história como o jornal que foi impresso mais anos e, assim, se torne num objeto de museu?!

A comunidade local precisa de ter acesso à pluralidade de pensamento, a espaços de cidadania impressa, que permitam a opinião diversa e o debate de ideias.  

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 16 de janeiro 2024)

O Natal vai passar por aí

Por entre os vidros das janelas veem-se luzinhas que brilham numa árvore colocada ali, de propósito, para que se veja da rua. Mais à frente, um pai natal surge pendurado, do lado de fora de uma casa, espreitando para dentro, trazendo nas costas a saca dos desejos, de crianças e adultos. Todos esperam receber um bem, uma notícia ou algo de bom, venha de onde vier, do Pai Natal ou do Menino Jesus. 

No Natal as casas abrem-se ao mundo, renovadas e brilhantes.

Fizeram-se as limpezas da festa; cheira a óleo de cedro e a cera; as cortinas foram mudadas e as paredes lavadas. Está tudo pronto, mesmo quando não se espera que alguém apareça.  

Na mesa, há figos ou chocolates e um licor caseiro. A tradição dita que, nestes dias, o “Menino mija” em cálices de vidro que transbordam de licor de tangerina ou de vinho abafado.

No Natal as casas cheiram a cedro e a velas acesas; sente-se o calor da lareira ou das mantas que cobrem as pernas, mesmo que não faça frio. Apetece uma caneca de chá com biscoitos ou uma fatia de bolo rei e, sabe tão bem ficar a ver um desses filmes românticos, que passa na televisão, onde se descobre o “happy end”, antes mesmo de acontecer.

No Natal, ficamos todos mais sensíveis. Fazem falta os abraços e os risos das crianças e é difícil não ficar emocionado, quando se levantam os copos, para recordar quem partiu ou não pôde vir à festa e, por isso, sobram lugares na mesa.

O aconchego é bom! Mas! este é um tempo de passagem!

Um tempo para deixarmos que o amor passe por nós e nos toque com a força da solidariedade e olhemos à volta, para quem vive com muito mais dificuldades.

É certo que devíamos concretizar essa frase tão batida, de que o Natal é quando um homem quiser, mas, infelizmente, essa vontade de ajudar só nos “bate” em Dezembro. Não faz mal. O importante é mesmo abrir o coração e sentir o efeito benéfico da brisa que entra e nos obriga a olhar para fora de nós. E, ao contrário dos convites ao consumo desenfreado, que nos alienam, as dificuldades dos outros fazem-nos sentir frágeis, vulneráveis e mais sensíveis.

Podemos criticar as iniciativas, privadas e públicas, que oferecem cabazes de bens essenciais, porque são gotas num oceano de dificuldades. Mas, talvez possamos pensar no bem que isso pode representar para algumas famílias, para quem essa dádiva abre um parêntesis de conforto, numa narrativa dramática que, infelizmente, irá regressar depois das festas, se mais nada acontecer e outras respostas não forem dadas.

Natal é tempo de “portas abertas”, de sorrisos e votos de “Boas festas”.

Deixar que passe por cada um essa “boa onda” que aproxima, esse sentimento de comunidade que reúne e transforma os conflitos em paz, os egoísmos em solidariedade.

Natal é tempo de convites: passa lá por casa! Vem ver o meu Menino Jesus! A porta está sempre aberta!

O mundo seria bem diferente, se pudéssemos e quiséssemos manter as portas abertas. Ao invés, desconfiamos, temos medo, pomos ferrolhos e alarmes, grades nas janelas e trancas nas portas, das casas e dos corações.

A Paz só acontece quando abrimos a porta do coração para escutar os outros. E como faz falta a Paz neste tempo de guerras, onde morrem tantas crianças.

A Paz não é silêncio, nem mesmo “pausa humanitária”, mas entendimento e diálogo.

A Paz só acontece no Natal, quando as casas e os corações, tal como no estábulo de Belém, são lugares de passagem que acolhem o milagre do Amor.

 (texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 19 dezembro 2023)

Os duros números da pobreza

“Torturem os números que eles confessam” (2014) é o título da obra do economista Pedro Ramos. Para falarmos da pobreza nos Açores, não é preciso torturar os números, porque eles estalam no meio do “verniz político”.

Reduzir a pobreza é um desafio estrutural, que se agrava com as crises, mas também com as políticas de “maquilhagem”, que não trabalham causas, mas alimentam aparências. 

Os números não mentem, sobretudo, quando olhamos às tendências dos últimos anos. Na Região Autónoma dos Açores, em 2018, a taxa de risco de pobreza, após as transferências sociais, era de 31,6% e desceu para 21,8% em 2021, um valor surpreendente, quando em todas as outras regiões a pobreza aumentou com a pandemia. Teria sido um bom indicador, não fora o retrocesso verificado em 2022 (25,1%), agravado em 2023 e que coloca a região na taxa de risco de pobreza mais elevada do país (26,1%).

Em matéria de combate à pobreza, estamos a perder terreno.

Os Açores são a região, do país, mais desigual em matéria de distribuição dos rendimentos.

Podemos tentar torcer estes números, mas a realidade não os desmente, antes nos faz questionar.  Como pode o número de beneficiários do RSI ter diminuído 42,8% em três anos (menos 6200), entre out. 2020 (14494) e out. 2023 (8294) e, ao mesmo tempo, existirem mais 13 mil pessoas, a viver com rendimentos abaixo do limiar da pobreza?

Se as famílias conseguiram obter rendimento do trabalho, como alegam os governantes, “torcendo” os números do emprego para explicar a baixa dos beneficiários do RSI, porque motivo há mais 800 famílias a serem apoiadas pelo Banco Alimentar (+33%) e mais 758 beneficiários do Fundo Europeu de Auxílio Alimentar (FEAC)?

A pobreza não significa apenas baixos rendimentos monetários, envolve outras desigualdades, nomeadamente, no acesso à habitação, na saúde e, sobretudo, no grau de escolaridade atingido.

Quanto à habitação, as respostas não passam, forçosamente, pela construção, mas deveriam apostar na reabilitação do edificado e no apoio às rendas. Não podemos esquecer que os Açores têm menos 10 mil habitantes (Censos 2011 e 2021) e há freguesias a perder população residente.

Em termos educacionais, regista-se um agravamento dos números nos Açores, nomeadamente, baixou a taxa de escolarização em alguns grupos etários e aumentou a taxa de abandono escolar precoce, que avalia o número de jovens entre os 18 e os 24 anos que não completou a escolaridade obrigatória (de 23,2% em 2021 para 26,5% em 2022). Ao invés do país (6%) que ultrapassou a média europeia (9,4%), os Açores têm o número mais elevado de jovens não qualificados, o que agrava a procura de emprego e as desigualdades em geral, particularmente ao nível da saúde.

Não vale a pena envernizar os números, para aparentar melhorias.

O combate à pobreza implica um desenvolvimento sustentado e sustentável, que não se compadece de acordos políticos, onde se promete baixar o número de beneficiários do RSI, retirando os pobres da estatística, mesmo que aumentem a miséria, a fome, o analfabetismo ou o insucesso escolar.

Que Região queremos ser? O que fizemos das relações de “fraternidade” do Espírito Santo ou das romarias? Contra a dureza dos números só a humanização da política e um verdadeiro Estado Social podem enfrentar o desafio da pobreza.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 5 dezembro 2023)

Ninguém vai mudar o mundo

Ninguém vai mudar o mundo, mas pode fazer a diferença na rua onde mora, na empresa onde trabalha, na escola onde leciona ou na família a que pertence.

E fazer a diferença não é mais do que criar laços, “fazer crochet” entre as pessoas, evitar o abandono e o esquecimento, não permitir que alguém fique isolado ou seja discriminado; integrar e incluir; em suma, ser comunidade.

O mundo das sociedades, ditas desenvolvidas, parece tocado pelo vírus do individualismo, valoriza a ambição desmedida e exalta pessoas de sucesso, que dizem banalidades. Pouco importa se uma grande maioria não consegue sair da pobreza ou da marginalidade. Problema deles! Não merecem, não souberam ou não quiseram aproveitar a esmola; é gente que não tem, não pode, entre muitos outros “nãos”. Por isso vão sendo empurrados para um canto, retirados de medidas de apoio da segurança social, porque não cumpriram, pouco importa se ficam na miséria.

Onde está a comunidade que inclui, a sociedade inclusiva onde todos têm um lugar?

Não há inclusão sem abertura. Esta é a chave que combate as desigualdades estruturais que afetam o nosso mundo, não apenas o global, que se desmantela em guerras, envenenado pelo ódio humano, pela destruição de irmãos que viraram “inimigos”, em nome de um Deus de olhos inflamados.

A chave do problema está na abertura ao outro, na partilha e na comunicação. Não faltam testemunhos de israelitas judeus que falam de como viviam em comunidade com cristãos e muçulmanos, antes do conflito. Não falta quem tenha na família pessoas israelitas e palestinas e todos falam a mesma língua.

A chave que abre os guetos, altera as periferias e constrói comunidades de paz, está na abertura, no contacto.

Veja-se o exemplo dos bairros sociais, que se transformaram em zonas habitacionais onde ninguém entra, se não for residente. Onde estão os transportes públicos a servir essas comunidades? Onde estão os espaços comerciais, as feiras ou mercados? As festas e os arraiais? A igreja ou a escola? Os jardins e os parques infantis? A vida em comunidade?

Engavetaram-se famílias em habitações, porque precisavam de um teto, mas esqueceu-se tudo o resto. E o resto é muito. Aliás, na vida em sociedade, na economia ou na estatística, o resto sempre foi uma categoria cheia de sentido. Afinal, no resto juntam-se os outros, os “diferentes”, aqueles que não conseguimos “encaixar” nas categorias/padrão, maioritárias.

Mudar o mundo é, antes de mais, olhar de perto a diferença e criar formas de vida comum. Nem é preciso inventar, as pessoas sabem como; as crianças ensinam como se pode brincar quando há meninos de cor de pele diferente ou quando uma delas é portadora de deficiência. Mas, dirão alguns, as crianças por vezes são más!

Mas aprenderam com quem a sê-lo? Quem lhes ensinou a não brincar com o filho de alguém ou a evitar os que moram no bairro?

Podemos mudar o mundo derrubando barreiras, desigualdades estruturais que estamos a construir na sombra, por exemplo, entre turistas que pagam e residentes que dizem ser caro demais; entre pedintes que ocupam o passeio e esplanadas onde se vende comida ao dobro do preço justo.

Podemos mudar o mundo, sim! Mas, não basta denunciar e apontar os erros dos outros. É preciso agir! E para isso, importa pensar no que cada um de nós pode fazer de diferente, novo e melhor.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 21 de novembro 2023)

 

Envelhecer é viver

Envelhecer não é doença, é vida.

Talvez o verbo envelhecer assuste e crie alguma repulsa ou recusa, porque nele se esconde a palavra velhice.

Cada vez mais, a velhice acontece mais tarde e a forma como é vivida depende, acima de tudo, da forma como se envelhece. Diz-me como vives e envelheces e te direi como será a tua velhice.

Viver é sempre um ganho, porque significa amadurecer, aprender e saber. Quando não fazemos da vida uma contínua aprendizagem, estagnamos, congelamos, perdemos o sentido e as razões de viver.

Envelhecer é prosseguir, caminhar, enfrentando dificuldades, mas também, juntando essas pedras do caminho para com elas fazer um castelo.

O encontro nacional da Pastoral Social, que decorreu entre 16 e 18 de outubro em Fátima, teve por tema central – o Envelhecer, e procurou alertar, mais uma vez, para a necessidade de estarmos atentos às necessidades daqueles que caminham à nossa frente, mais velhos, mas também mais dependentes da ajuda de outros.

Mas, a dependência que os mais velhos sentem, não é doença, faz parte da condição humana. Ouve-se menos bem e fica-se dependente de um aparelho auditivo; anda-se com menos segurança e são necessárias bengalas ou andarilhos, eventualmente uma cadeira de rodas; perde-se força e capacidade motora e, em situações da vida diária, podemos ter necessidade de ajuda, nem que sejam umas barras para apoio no chuveiro ou um corrimão no corredor. Depender destes apoios não é doença, é inerente à etapa da vida em que o corpo se torna mais frágil. Mas será que somos apenas isso? Um corpo que envelhece, ganha cabelos brancos, rugas e fragilidades?

Envelhecer não é apenas um processo biológico. Na medida em que é sinónimo de viver, é a mesma pessoa quem envelhece, desde o nascimento até à morte. Somos únicos, cada um traçando a sua história de vida, da qual dependem muitos outros, os filhos, os netos, os vizinhos, quem ajudamos ou com quem partilhamos dificuldades e alegrias. E, nada dessa história se apaga, quando se atinge as idades maiores. A pessoa é a mesma e a dignidade também. A história continua a fazer-se, mesmo quando há necessidade de apoios, internamento hospitalar ou cuidados institucionais.

Infelizmente, há histórias de vida que perderam sentido porque os laços, que as prendiam aos outros, foram sendo cortados: um pai fica entregue ao hospital, porque não há condições para dele cuidar; uma avó, que toda a vida cuidou dos netos, agora autónomos, raramente recebe visitas ou contactos; uma tia. que não teve filhos e que sempre acolheu os sobrinhos, agora institucionalizada, é recordada, apenas, porque irá deixar-lhes a sua casa por herança.

Envelhecer é viver e hoje, felizmente, vive-se mais tempo, mas não nos esqueçamos que esse acréscimo de tempo, significa viver mais velhos. Vivem mais tempo as mulheres do que os homens, vivem menos tempo os açorianos do que a média dos portugueses. Porquê? Não será certamente por razões genéticas, mas porque, infelizmente, pagamos na velhice a fatura de uma vida, onde se desvalorizou a saúde, se correram riscos desnecessários e se adquiram doenças evitáveis.

Envelhecer é viver! Não é difícil se, todos os dias, ao acordar, tivermos um propósito, quando abrimos a janela e vemos o sol nascer no horizonte. Hoje, é mais um dia para eu envelhecer/viver com sentido.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 23 de outubro 2023)

Nobel da Paz 2023

Narges Mohammadi é a 19ª mulher a receber o Prémio Nobel da Paz, uma distinção iniciada em 1901 e que já distinguiu 111 pessoas e 30 organizações.

Em 122 anos, apenas em 17,1% dos casos este prémio foi atribuído a uma mulher e, em duas dessas situações, as laureadas encontravam-se detidas: Aung San Suu Kyi na Birmânia, em 1991, estava presa e só veio a receber o prémio, presencialmente, em 2012.  Neste ano de 2023, Narges Mohammadi encontra-se presa na cadeia de Evin, no Irão, condenada a uma pena de 31 anos e 154 chicotadas, impedida de receber a distinção da Academia sueca.

Há 20 anos atrás, em 2003, Shirin Ebadi, também ela iraniana, recebeu o mesmo galardão pela mesma causa: defesa dos direitos humanos, com especial ênfase para a situação das mulheres e das crianças no Irão, um país onde a religião está ao serviço do poder e justifica as decisões políticas.

Como refere o texto bíblico, “Não se acende uma candeia para colocá-la debaixo de um cesto” (Mt,5,15). Também não será por tentarem calar a voz de Narges Mohammadi e o movimento do qual é vice-presidente, nascido com Shirin Ebadi, que o regime iraniano conseguirá abafar a voz de quem se manifesta a favor dos direitos das mulheres iranianas.

Movimentos de defesa dos direitos humanos, em particular aqueles que lutam pela igualdade entre homens e mulheres, não se param com o aprisionamento de quem denuncia os abusos de poder, participa em manifestações pacíficas ou toma a palavra para defender uma sociedade mais justa. Querer conter um movimento cívico é como por a mão à frente de um dique para conter a água que jorra entre as pedras. Pode levar mais ou menos tempo, mas a dignidade far-se-á ouvir e terá lugar de honra à mesa das decisões.

Como referiu Narges Mohammadi, a sua luta é a de muitas mães corajosas do Irão, que defendem o fim da discriminação, tirania e opressão com base no género, exercida pelo regime religioso do Irão. Nem que passe a vida inteira na prisão, Mohammadi não desistirá de lutar pela libertação das mulheres. (cit. Público, 9 out.23).

É difícil imaginar o que é viver num país sem liberdade, onde se limitam direitos, se calam diferenças e se condena a pena de prisão, quem participa numa manifestação pública.

A Paz não é uma bandeira branca que se levanta, enquanto se esconde o povo de boca amordaçada.  

A Paz não existe, quando se alimenta da ignorância e da repressão dos sinais de contestação e oposição. Nunca haverá Paz num país, que varre para dentro das prisões quem defende a justiça, a democracia ou a igualdade de género, e tenta calar, com violência, as vozes que se opõem ou denunciam.

A Paz só existe quando a dignidade humana é respeitada.

A Paz não é um pressuposto prévio, mas sim o resultado de uma equação, onde se multiplica a justiça e a democracia, se potencia a liberdade e o respeito pela diferença e a dignidade humana. Basta retirar uma ou mais dimensões desta equação, e nunca a Paz será resultado. 

A Paz exige que se reconheça e se acabe com as injustiças e se abandone a violência como linguagem de poder. Mohammadi “está há 18 meses impedida de falar diretamente com o marido e com os filhos, por ter denunciado os abusos sexuais praticados contra as mulheres detidas.” (cit. Jornal Público, 8 out.23).

Esta não é apenas uma voz que atravessa os muros da prisão e incomoda o governo do Irão. É uma mulher que faz a diferença.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 9 de outubro 2023)

Na retaguarda das famílias

O Estado precisa das IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) para assegurar a conciliação entre trabalho e vida familiar. Estas são entidades parceiras, que não podem ser esquecidas quando se definem instrumentos de planeamento do futuro da Região, sejam Planos ou Acordos Estratégicos.

As IPSS asseguram respostas sociais, na infância, na velhice ou junto de populações com necessidades especiais e, por isso, são parceiras do setor social. Não são empresas lucrativas, nem indústrias de tecnologia de ponta, mas, sem estas respostas, que muito devem ao espírito altruísta de quem nelas trabalha, a vida das famílias seria muito mais difícil.

Longe vão os tempos das mães domésticas (apenas 6,8% das mulheres estavam empregadas em 1960), que asseguravam a guarda e o cuidado das crianças pequenas, ou mesmo das avós, em casa de quem os netos ficavam até iniciarem a escola e, mesmo nessa altura, aí regressavam enquanto os pais não saíam dos empregos. Em 2021, 48% das mulheres nos Açores estavam empregadas e 6,8% procuravam emprego, ou seja, mais de metade das mulheres não se considerava doméstica, no último recenseamento.

Esta nova realidade tem vindo a exigir uma maior resposta no setor social, ao nível de lugares em creches, jardins-de-infância e ateliers de tempos livres, uma missão que o Estado confiou a muitas IPSS, sobretudo, desde a década de 90 do século XX. Centros sociais e paroquiais, Misericórdias e outras entidades privadas do terceiro setor estão junto das populações e dão corpo ao que se designa por Estado Social. Os acordos de cooperação financeira, que garantem a sua sobrevivência, materializam o reconhecimento do Estado do papel destas instituições. 

Se a missão é tão importante, onde fica a parceria com os governos?

Veja-se o que recentemente ocorreu com a saída, quase em massa, dos educadores de infância das IPSS nos Açores, técnicos exigidos por lei para o bom funcionamento das creches e jardins de infância do setor privado solidário? Ninguém questiona as reivindicações desta categoria profissional, mas será que, como parceiro, o governo regional não devia ter acautelado a resposta necessária no âmbito dos acordos que tem com o terceiro setor, uma vez que no texto da Convenção Coletiva de Trabalho (nº 45/2023 de 9 de junho, nº4 da cláusula 19º), que se aplica às IPSS: “O período normal de trabalho dos Educadores de Infância é de trinta e seis horas por semana, sendo trinta horas destinadas a trabalho direto com as crianças e as restantes a outras atividades, incluindo as reuniões de atendimento das famílias”, enquanto o Decreto Legislativo Regional n.º 23/2023/A de 26 de junho de 202), publicado alguns dias mais tarde, prevê no setor público que “o número de aulas semanais a atribuir ao docente não pode ser superior ao número de horas que constitui a componente letiva semanal a que está obrigado (artigo 112º nº2)”. Sendo que, a componente letiva do pessoal docente corresponde a 22 horas semanais, contabilizadas em tempos de 45 minutos (artigo 111º -nº2)?

As IPSS conhecem as necessidades das famílias/comunidades, as angústias de quem, recentemente, foi mãe/pai ou tem pais dependentes de cuidados e não tem rede de suporte, que lhes garanta segurança e estabilidade.

As IPSS estão na retaguarda dessas famílias, por isso, não podem ser esquecidas, sob pena de ficar comprometido o desenvolvimento social da Região.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 26 setembro 23)

Autenticidade

Ser autêntico tornou-se um ideal mobilizador na sociedade contemporânea.

Gilles Lipovetsky, sociólogo francês, publicou recentemente um livro intitulado, “A Sagração da Autenticidade”. Em entrevista ao jornal Expresso (revista 8 setembro 23), o autor explica como esta “autenticidade”, que se expressa no “sê tu mesmo” é, ao mesmo tempo, um princípio estruturante e um caminho com muitos riscos. Riscos que se insinuam e que, aos poucos, vão minando as nossas relações e alterando a forma como vivemos em sociedade. Assistimos a um crescimento do hiperindividualismo, à destruição lenta do sentido do altruísmo, ao desinteresse por tudo o que representa esforço e treino como estratégia de aprendizagem, e até, ao aumento do receio de quem é diferente, quem interpela e questiona.

A autenticidade, contida no convite a “ser eu mesma”, tem de ser construída na relação com os outros. E, como refere Lipovetsky, tudo começa na educação. Hoje, mais do que nunca, reconhecemos que educar não é apenas “disciplinar” e “impor” contra vontade do educando. Mas, “educar não é ouvir a criança e fazer tudo o que ela quer, educar é contrariar, constranger”. Enquanto processo de transmissão da Cultura e integração na Sociedade, educar é extrair a criança do que é, ou seja, ajudar a que ela desenvolva o seu potencial máximo.  É importante ensinar a cantar a quem tem potencial, mas também a fazer coro com os outros. Mas, isso não se faz sem aprendizagem, sem treino e disciplina, num equilíbrio entre liberdade e firmeza, entre individualidade e coletivo.

Para isso, como nos recorda Gilles Lipovetsky, continuamos a precisar de regras, as crianças continuam a ter de as cumprir, mesmo quando não querem, porque os adultos têm mais conhecimento do mundo onde elas se inserem e, por isso, continua a ser dever do educador, enquadrar o comportamento da criança no modo como esse mundo funciona. Isso não significa preparar as crianças para serem meros consumidores desse mundo, mas ensiná-las a, com os outros, assumir um papel ativo, por ventura, transformador.

A autenticidade só é possível quando defendemos a liberdade individual. E as duas, são traves mestras da sociedade. Logo, educar uma criança, para viver livre e ser autêntica, não anula o processo de aprendizagem de regras.

Sem essa aprendizagem, estamos a criar ditadorezinhos de fralda, que são colocados no centro das famílias, onde controlam um mundo que não conhecem e manipulam aqueles que, era suposto, lhes ajudarem a descobrir como “serem elas próprias” entre, e com todos, os outros.

A importância que hoje se atribui ao valor da autenticidade recorda a relevância do saber escutar. Ouvir o outro, entender a sua diversidade e a sua circunstância é fundamental, para ajustar as palavras, orientações e até as medidas de política.

Quando os políticos não ouvem a sociedade civil, deixam o campo aberto aos populistas, que dizem o que as pessoas querem ouvir, prometem respostas “à medida de cada um”, até terem o poder para destruir essas “diferenças”, “uniformizar” modelos e calar discordâncias.

A autenticidade não é negativa em si, mas, descontextualizada, desenraizada da vida em comunidade, pode levar à “autossuficiência”, onde o “sê tu mesmo” é sinónimo de “não preciso dos outros”. 

(texto publicado no Jornal A. Oriental de 12 set.23)

 

Abuso

O que o mundo viu, na cerimónia oficial de comemoração da vitória no Mundial, da seleção feminina de futebol da Espanha, foi o Presidente da Federação Luis Rubiales a beijar na boca uma das jogadoras, Jennifer Hermoso Fuentes.

Esse gesto abusivo levantou o véu dos comportamentos de assédio que existem no desporto. Mas, segundo o comunicado da federação espanhola de futebol, foi “um gesto natural de afeto e gratidão”, “um beijo entre amigos”, como referiu o próprio Presidente Rubiales.

Enquanto do lado da equipa técnica, onze elementos se demitiram da seleção, e um grupo significativo de jogadoras recusa-se a ficar na seleção, o responsável máximo da Federação Espanhola de Futebol foi apenas suspenso, pela FIFA, com 90 dias de punição. 

Um “simples” beijo, não consentido, é um revelador da “facilidade” com que se abusa do poder, nas relações de género. O padrão de referência, interiorizado, inferioriza a vontade da mulher, naturaliza os comportamentos de abuso de poder (expressões de virilidade, dominação e controlo) e reforça a condição da mulher/objeto de “gratificação”.

Logo a seguir a este acontecimento, não faltaram vozes a justificar o comportamento de Rubiales, alegando o clima de grande euforia, como se isso pudesse justificar que o Presidente da Federação ultrapassasse as linhas do respeito pela integridade e ignorasse estar perante uma equipa de jogadoras, que mostraram não haver fronteiras de género, quando existe profissionalismo e empenho. Recorde-se, a propósito, a atitude de Olga Carmona, jogadora que marcou o golo da vitória, e que apenas soube da morte do seu pai, após o apito final, uma decisão da família que assim lhe deu a oportunidade de se empenhar totalmente no jogo. Mas, como a própria jogadora referiu à impressa, não deixou de participar nos festejos da seleção porque, como disse, “era aí que o meu pai gostaria de me ver, a desfrutar um momento histórico”. 

Esse é um exemplo da fibra das mulheres que procuram afirmar a dignidade humana, essência do que se entende por igualdade de direitos, em domínios onde, por razões várias e históricas, têm tido dificuldade de acesso.

Mais do que falar de feminismo, a igualdade de género é a expressão máxima da igualdade de direitos humanos; sinónimo de co-dependência e condição base para a diversidade que está na base na unicidade humana; valor que explica uma relação consentida de cooperação e afeto, onde é possível entreajuda e complementaridade.

Consentimento é palavra chave, que muitos têm referido a propósito desse beijo forçado de Rubiales. Consentir é um verbo denso de significado, que implica consciência, aceitação mútua, verbalização ou expressão evidente de aprovação.

Esta é também a dimensão das relações de intimidade que mais “tinta” tem feito correr em acórdãos dos tribunais, porque é um valor chave para dirimir o que são os crimes de violência de género. Infelizmente, ainda abundam os argumentos de que a mulher agredida se, na hora, não gritar ou se defender e pedir ajuda, então está consentindo, mesmo em situações em que foi vítima de violação.

Jennifer Hermoso referiu a propósito desse “beijo” - foi um comportamento “abusivo, feio e não consentido”. Três palavras que, infelizmente, dificultam a afirmação de uma sociedade paritária, onde não haja abuso de poder, sentimentos de “nojo” ou ausência de consentimento.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 29 agosto 2023)

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