De outra maneira!
Há momentos em que apetece fazer tudo de outra maneira! Quebrar as rotinas como quem arranca amarras. Ver o mundo pelo lado contrário, ouvir os mais pequenos e brincar com os mais frágeis. Gritar golo quando é a equipa que perde que marca; apoiar a opinião das minorias fragilizadas e argumentar a favor de quem é vencido na batalha.
Há momentos em que a vida parece demasiado igual, porque se perdeu o sentido do pormenor. A diferença nunca está nos grandes acontecimentos, que raramente têm lugar; não está nas emoções fortes, que acontecem de vez em quando; nem está nas vitórias, por vezes conseguidas ao fim de anos de trabalho. A diferença está sempre nos pormenores, nos detalhes de um dia, aparentemente igual aos outros. Porque hoje, ao contrário de sempre, o pequeno-almoço foi tomado na cama, alguém se lembrou que precisávamos de descansar um pouco mais. Hoje, ao invés de sempre, optamos por um caminho diferente no regresso a casa e, em vez de nos cruzarmos com as mesmas pessoas que à mesma hora caminham para os empregos, demos conta que há outros moradores na parte de cima da rua, que nunca subimos, e raramente cumprimentamos.
Há momentos na vida, que as palavras ditas ou lidas tantas vezes soam diferente, fazem eco e provocam emoções novas.
Afinal, todos os anos a Páscoa acontece e todos os anos se ouvem as leituras da Paixão, inclusive, em filmes e programas televisivos. O sofrimento de Cristo é retratado passo a passo. No monte das Oliveiras, os amigos entregam-se ao sono e esquecem a promessa de guarda; Pedro nega o seu mestre, por medo; Madalena, apesar de não ficar na história sagrada como a primeira apostola, anuncia a ressurreição. Mas, a história contada e recontada traz sempre um lado novo, desconhecido, uma emoção não sentida.
Afinal falar da paixão de Cristo, é mais do que relembrar um percurso de sofrimento, é relatar o modo como a vida só tem sentido quando é vivida de forma apaixonada, total; permeável a todas as emoções, a cada minuto, a cada nuance. Nada pode ser entendido como lógico, consequente, quando se vive de forma apaixonada e se procura atinar com o veio de minério que rasga a pedra. Tudo podem ser sinais, novas experiências, marcas da diferença.
Afinal, basta deixar-se apaixonar e cativar pela vida para descobrir as emoções, os cambiantes de uma cor que se julgava homogénea; encontrar as curvas de uma estrada que parecia recta. Podemos olhar muitas vezes na mesma direcção e não ver; ouvir muitas melodias e nunca escutar o toque de um instrumento. Rever, (re)escutar é descobrir a diferença, é mergulhar no pormenor e entender, porque a sabedoria é feita de calos que um dia foram bolhas de água; de leituras repetidas, sublinhadas e anotadas; não nasce do instantâneo, mas de novas formas de ver o que todos olham.
O ser humano tem necessidade de se organizar por isso cria rotinas para se disciplinar. Mas, quando se anula nas regras por si criadas ou esquece de sentir, na ânsia de repetir os mesmos hábitos, perde a graça de viver.
Páscoa é sinónimo de renovação. Mas renovar implica deitar fora o que não se usa, simplificar, libertar entraves que bloqueiam a comunicação, arejar o que está bolorento e cheira a bafio.
Renovar é descobrir que há sempre uma maneira diferente de fazer, de estar ou dizer, sem deixar de ser igual a si próprio.
(publicado no Açoriano Oriental a 24 de Março 2008)