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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

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Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Os filhos de adolescentes

Quando se aborda o problema da gravidez na adolescência, o mais frequente é falar-se de mães jovens que engravidam com menos de vinte anos. Gravidez de risco, aliás de alto risco, em meninas que abandonam a escola para cuidarem de bebés, quase como quem ainda brinca com bonecos.

Mas, há um outro responsável e actor nesta realidade, de quem nunca se fala ou se fala pouco: o pai.

Ao contrário das mães adolescentes, domésticas, estudantes ou desempregadas, os pais são jovens adultos, homens com mais de vinte anos, na sua grande maioria activos. Supostamente, são eles que irão manter a sobrevivência das crianças, ou pelo menos é nisso que as jovens mães acreditam.

Entendida como problema social, para muitas adolescentes, a gravidez é vivida como uma oportunidade de sair de casa ou de iniciar uma vida conjugal e muitas, até têm para isso o consentimento familiar. Esperar pelos dezasseis anos para casar ou manter uma vida em união de facto são soluções, socialmente aceites, que rapidamente enquadram o “acontecimento”.

Não foi planeado, dizem, mas na realidade, há jovens que sabendo do recurso aos métodos contraceptivos, optam por não os utilizar.

Foi uma forma de demonstrar que gostavam dele ou se calhar uma resposta consentida ao pedido insistente do namorado. Ceder ou melhor antecipar o início da vida sexual, foi para muitas das mães adolescentes apenas e só uma prova de amor. Uma demonstração que altera por completo as suas vidas.

Enquanto os companheiros mantêm os mesmos hábitos de convívio social, os empregos, e alguns até esquecem as responsabilidades que decorrem da paternidade, as mães adolescentes, acabam por desistir dos estudos, afastam-se dos amigos e começam a pensar em arranjar trabalho para poderem ajudar a sustentar o filho.

Enquanto os jovens pais, adultos na idade, mantêm uma vida descomprometida, quase irresponsável, as mães adolescentes têm de enfrentar a família, aceitar a sua ajuda, para poderem fazer face às suas necessidades.

A gravidez na adolescência é um problema social importante, particularmente nos Açores, onde os números ultrapassam a média nacional.

Importa prevenir, educar as jovens desde cedo a conhecerem o seu corpo, a saberem o que querem da sua vida e a saberem fazer opções conscientes. Mas, importa também educar os rapazes no mesmo sentido. A descoberta do amor deve ser progressiva e, um filho nunca devia ser entendido, como uma demonstração, mas uma opção.

Prevenir a gravidez é uma necessidade, não só por razões de saúde, mas sobretudo porque as adolescentes que engravidam abandonam os seus sonhos de ser, para assumir uma responsabilidade, para a qual não estão preparadas; desistem ou adiam os seus projectos de qualificação e dificilmente os retomam.

Importa informar e acompanhar os jovens nas suas dúvidas e preocupações, e sobretudo, educar no sentido da responsabilidade, que cada um deve assumir quando faz opções; uma responsabilidade que é sempre relacional, porque as acções que praticamos têm sempre impacto nos outros. Ninguém é feliz sozinho e a infelicidade de um é sempre a infelicidade de mais alguém.

A gravidez na adolescência não é apenas um problema de raparigas pouco informadas ou levianas, porque ninguém faz um filho sozinho. São precisos dois, e é preciso que cada um possa ser livre na relação, possa construir o seu futuro, sem ficar preso a uma demonstração, quando afinal nem havia amor.

(publicado no Açoriano Oriental de 21 de Abril 2008)

 

Dá-me licença?

Esta é uma das expressões que cedo se aprendem. Faz parte das regras da chamada “boa educação”, associada ao bater na porta antes de entrar, ao “desculpe” se por alguma razão se incomodou ou se receia incomodar.

Pedir licença é sem dúvida um gesto de educação e mais do que isso é um acto de civismo. O mesmo se pode dizer de quem concede essa licença, respondendo, como é habitual, “faça favor”.

Vem esta introdução a propósito de uma situação recorrente no trânsito. Não sendo verbal, o condutor pede licença para entrar na fila. Olha fixamente os condutores que passam na via com prioridade, faz sinal com o pisca-pisca, mas o mais certo é ficar à espera. Passam um, dois, dez carros até que alguém, que só pode ser uma pessoa simpática, abranda para que passe.

Aquela espera estraga-lhe a manhã. Saiu atrasado de casa e bastaram uns minutos para levar o triplo do tempo até chegar ao emprego. Quando se senta à secretária ou surge diante do cliente ao balcão, já vai enervado por ter enfrentado uma série de condutores, de olhos vidrados no vidro, indiferentes aos seus “pedidos de licença” para entrar. Dar a vez? O quê! Eu? Eu tenho prioridade. Espera se quiseres! Parecem murmurar agarrados ao volante.

Custava muito alternar a entrada dos carros? Uma vez de um lado, outra vez do outro? Não, quem circula numa via com prioridade, parece que faz disso um pequenino poder.  

Faça favor! Passe à frente! São gestos de delicadeza que criam um espaço relacional e abrem o nosso mundo aos outros.

Ser capaz de ceder passagem quando nos cruzamos com outros condutores é um acto de cidadania, a expressão de quem, possuindo um direito, reconhece os direitos dos outros.

Ceder nunca foi perder, é sempre sinónimo de partilha, tolerância e sobretudo sentido da cooperação, valores fundamentais à vida em grupo, seja num casal, numa família, numa empresa ou na sociedade em geral.

Não há lugar ao diálogo se não houver cedência, até porque para ouvir, temos de parar de falar.

Sem cedência não há negociação, nem contrato que resista, porque um acordo é sempre a melhor forma de conjugar as diferenças, na busca do que é comum.

Faça favor ou como dizem os mais eruditos “faça o obséquio”, são bem a expressão da humildade, da generosidade que transforma os seres humanos em boas pessoas, consubstanciando gestos simples em “boas acções”; actos de civismo em alimento do espírito de cidadania; transformando o ser humano numa “boa pessoa”.

Voltando ao stress que a espera numa fila de trânsito pode representar, era bom que nas aulas de condução se ensinasse, para além do código da estrada, um conjunto de boas maneiras, entre as quais a cedência da prioridade é bem um exemplo. Temos todos pressa, queremos todos chegar, mas se soubermos dar oportunidade ao outro, estamos a contribuir para a humanização das relações e, quem sabe, ajudar a reduzir o número de pequenos acidentes, choques ligeiros, que esse stress acaba por provocar.

Bom dia! Faça favor! Em que posso ser-lhe útil? Desculpe, dá-me licença? São expressões de boa educação que fazem toda a diferença no atendimento, na relação com o outro, que não conhecemos, mas com quem nos cruzamos na rua, no comércio ou no trânsito!

Dá-me licença!? Sempre ao dispor. Obrigada

 (publicado no Açoriano Oriental a 14 de Abril 2008)

Haja Saúde!

Assim se saudavam os antigos.

7 de Abril é o dia mundial da saúde. Um entre muitos que marcam o calendário e que, aparentemente servem, sobretudo, para desencadear eventos, sessões de esclarecimento, em geral dominadas pelo mote: não basta combater a doença, é preciso preveni-la.

Saúde! Bem tão desejado e tantas vezes posto em causa pela forma como comemos, pela ansiedade com que trabalhamos ou pelos riscos desnecessários que corremos.

Saúde! Bem escasso e frágil que exige de cada cidadão a busca do equilíbrio, no respeito por si, pelas suas limitações físicas, psíquicas e sociais e na interacção com o mundo que o rodeia. Como se pode ler nos compêndios de saúde, não basta dizer que não se é doente, para se ser um ser saudável. A saúde é um estado de bem-estar, e se o corpo não padece, mas a mente vive perturbada, esse equilíbrio é posto em causa.

A relação com os outros, o ambiente que nos rodeia, também são elementos que contribuem para o estado de saúde de cada pessoa. Se olharmos à evolução da esperança média de vida, podemos reconhecer que a ciência e o desenvolvimento sócio económico em muito contribuíram para que se viva mais tempo. No entanto, continua sendo válida a máxima de que, não basta acrescentar anos à vida, é preciso dar vida aos anos.

E, dar vida aos anos é apostar na prevenção, nomeadamente evitar doenças crónicas nos mais novos. Dar vida aos anos é reconhecer a importância da actividade física, da alimentação equilibrada, do combate à poluição e ao desperdício; é investir e apostar numa vigilância periódica, no despiste precoce e, sobretudo, implica cuidar do corpo e da mente, de forma a manter níveis adequados de saúde durante toda a vida.

A saúde é um bem supremo mas não é, como muitos no passado julgavam, uma simples dádiva, que em nada depende do ser humano. A doença nunca é um castigo ou uma punição divina, “que mal fiz eu a Deus!”. Em muitos casos, é um sinal, que nos deve fazer pensar: “que mal fiz eu a mim próprio!?”.

Na verdade, o dom da vida pode ser entendido como transcendente, mas a responsabilidade de a manter, de a preservar com qualidade, é sem dúvida uma competência e sobretudo um dever do ser humano.

Muitas das doenças do século XXI resultam do estilo de vida urbano, consumista, sedentário e por vezes ansioso, que marca o quotidiano das sociedades ditas desenvolvidas. A título de exemplo, e de acordo com a opinião de especialistas em endocrinologia, a diabetes do tipo dois, ou seja, a que resulta do estilo de vida das pessoas, começa a aparecer em crianças, apesar de ser uma patologia sobretudo de adultos. Este problema de saúde é em parte o lado perverso de um estilo alimentar incorrecto que contribui para um maior número de casos de obesidade infantil.

Somos todos responsáveis pela saúde que temos ou pela sua ausência. Não significa sermos culpados por estar doentes, mas a saúde é uma responsabilidade de cada indivíduo e da comunidade em geral. E, o modo como vivemos, nomeadamente a forma como organizamos o nosso quotidiano, desde a higiene pessoal, à higiene da casa, à comida, ao estilo de trabalho, à cadeira ou cadeirão onde nos enterramos para ver televisão, tudo contribui para a qualidade da saúde que temos.

No dia internacional da saúde, que tal pensarmos o que cada um de nós faz pela sua saúde!?

Em jeito de despedida, Haja saúde!

(artigo publicado no Açoriano Oriental a 7 Abril 2008)

Use o novo e deite fora o velho.

Numa sociedade do “use e deite fora”, há idosos tratados como peças avariadas, produtos de consumo que se abandonam nas urgências dos hospitais, em depósitos de velhinhos, supostamente classificados como “lares”. A doença, a fragilidade e as limitações motoras, próprias de quem muito viveu, foi e trabalhou, incomodam, dão trabalho e exigem uma atenção redobrada.

Os tempos são outros! É certo. Hoje, numa família onde o casal trabalha e escasseiam os recursos, cuidar de uma pessoa idosa não é tarefa fácil, sobretudo se está acamada. Mas, quando uma família recorre a uma instituição, procurando ajuda, seria de esperar que uma vez garantida essa assistência os familiares ficassem mais disponíveis para apoiar o idoso em termos afectivos. Institucionalizar um idoso num lar pode ser uma necessidade, mas não deve ser vivido como uma fatalidade, uma condenação.

O Sr. João levou uma vida de trabalho e quando morreu a companheira de anos com quem partilhou alegrias e dificuldades, o mundo desabou. De um dia para o outro a solidão tomou conta dos cantos da casa, grande demais; os tachos tornaram-se desnecessários, para quem come sobretudo sopa, chá e umas bolachas; a cama ficou alta e os degraus das escadas passaram a ser obstáculos difíceis de superar.

Em casa da filha a vida foi se complicando. Estão sempre todos muito ocupados, esquecem-se da medicação que ele tem de tomar a horas e, quando chega o fim-de-semana ninguém se presta para um passeio, uma saída da rotina, porque têm festas, convites de amigos e o velhote tem de ficar deitado antes deles saírem.

Só o neto mais novo, por sinal também João, todos os dias vem dar um beijo. Senta-se na cama e pede uma história dos tempos em que ele ia à pesca.

O lar de idosos não foi um desejo mas uma solução. A filha insistiu, não queria que o pai ficasse tanto tempo sozinho e assim, no lar, podia conviver com pessoas da sua idade, não lhe faltaria comida, conforto e medicamentos a hora.

Não foi fácil abandonar a sua cama, a cómoda com as fotografias de outros tempos e sobretudo, deixar de contar aquelas histórias ao neto mais novo, onde misturava verdade com muita fantasia, mas que sempre lhe permitiam transmitir alguma sabedoria da vida.

Foi melhor assim! A última coisa que desejava era dar trabalho à filha. Ela já se cansa imenso para cuidar das crianças, do marido, depois de vir do emprego. Ter o pai a viver no quartinho dos fundos era uma carga de trabalhos.

Já lá vai um mês. Foi difícil, no lar é tudo parecido com um hospital: as cores das paredes pintadas a tinta lavável, as luzes florescentes, a cama articulada, o chão sem tapetes, a comida sem graça e sobretudo as tardes passadas em cadeirões junto à janela, tornam os dias todos iguais, tristes e monótonos. O regulamento limita as visitas da família durante a semana em horas que eles estão a trabalhar. Ao fim de semana, se alguém aparecer, não pode entrar no quarto, partilhado com mais dois idosos. É proibido. Só podemos conversar no salão.

Já lá vai um mês e a filha ainda não veio visitar. Ao princípio telefonava, agora nem isso. Se não fosse o neto mais novo que lhe telefona todos os dias a pedir uma história, porque lhe custa adormecer, pensaria que a família se mudou para outro terra. Moram perto, a uns vinte minutos, mas nunca têm tempo para o visitar.

Viver é envelhecer a cada minuto que passa; amadurecer a alma que nunca morre; sentir, mesmo não podendo lá chegar; sorrir, mesmo não podendo ajudar.

Há quem deite fora os velhos, como carcaças de computador atiradas para um aterro, mas esquece-se de, antes, lhes retirar a alma, a memória e o disco rígido onde cada um guarda as suas experiências de vida.

(publicado no Açoriano Oriental a 31 Março 2008)

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