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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

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Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Como uma orquestra

Por vezes, no discurso verbal, recorre-se a imagens que acabam por significar o inverso do que se pretende dizer mas, ao mesmo tempo, são um espelho do que realmente se pensa.

Recentemente, a líder do PSD referiu-se à sua relação com o partido, como sendo uma orquestra e disse, “cada um tem a sua pauta, mas há uma batuta única”. Certamente que nunca participou numa orquestra nem teve a experiência de cantar num coro, ou então o que realmente queria dizer é que, no seu partido, e debaixo da sua batuta, o mesmo é dizer sob o seu comando, não há lugar para diferenças, se atendermos ao facto que, numa orquestra, as pautas têm forçosamente de ser todas iguais, se pretende a interpretação de uma mesma peça musical.

A imagem da orquestra é no entanto interessante e até rica de conteúdo, mas não referenciada deste modo. Quem alguma vez cantou num coro ou tocou numa orquestra, certamente que aprendeu e descobriu como cada um pode ser importante no todo. No entanto, quando se toca ou se canta num conjunto musical, não se pode querer ou pretender sobressair.

Por mais rica que seja a voz ou virtuoso o desempenho do músico, numa orquestra o que conta é o som final que emana da interpretação de todos. Sem se anular, o músico ou o cantor enriquece o conjunto com a sua qualidade interpretativa, na medida em que funde o seu contributo no resultado final, como se a orquestra fosse um único instrumento ou o coro uma única voz. Poderão acontecer momentos a solo, evidências de uma sonoridade numa frase musical onde se faz ouvir o timbre próprio de um instrumento ou a voz de um solista, mas até esses momentos são acompanhados pelo conjunto.

Numa orquestra como num coro, é fundamental dar importância à diversidade dos instrumentos e à qualidade das execuções musicais de cada um dos membros.

A riqueza do conjunto depende do espaço que cada um tem para se expressar e, ao mesmo tempo, do prazer que sente em encaixar essa experiência numa dimensão colectiva, contribuindo para a construção de um conjunto harmonioso.

Se a riqueza de uma orquestra está na diversidade dos instrumentos e das execuções, que importância pode ter o maestro? Desde logo, importa que todos entendam a peça que terão de executar e façam uma leitura da pauta de forma coordenada e simultânea, de modo a que se enquadrem de forma atempada, sem atropelos e, sobretudo, interligada.

O maestro, não é quem determina os tempos, mas quem, seguindo a pauta comum procura ligar a execução de todos os elementos da orquestra num respirar comum, numa emoção que cresce com a execução de cada um e de todos.

O maestro é um mediador, que deverá saber sentir como cada um dos membros da orquestra está a contribuir, ou não, para a qualidade final da execução.

Num partido político, como em qualquer outra organização, onde existe um projecto a defender, o sentimento de liberdade não depende da pauta que cada um possui, nem da força com que a batuta do maestro se agita. Mas antes, do modo como cada um, em interligação com os outros, contribui para a execução de um projecto comum.

(publicado no Açoriano Oriental de 26 de Janeiro 2009)

O contrário da exclusão

O contrário da exclusão não é, apenas, a inclusão!

Quando pensamos em inclusão, imaginamos um processo que favorece a aceitação e o acolhimento de quem vive à margem, proporciona emprego a quem não tem recursos próprios, abrigo a quem vive na rua ou numa casa degradada.

No entanto, o contrário da exclusão é mais do que inclusão, tantas vezes entendida e operacionalizada como padronização do comportamento e das vidas dos que são diferentes, sejam minorias sociais ou culturais que vivem em ambientes marginais.

O contrário da exclusão significa abertura, porque as situações ou contextos de exclusão social são, simultaneamente, condições de isolamento, fechamento em espaços residenciais, segregação de deficientes ou de meninos oriundos de meios sociais desfavorecidos.

Exclusão significa viver à margem dos direitos de cidadania, numa relação dependente e sujeita, condicionado pela falta de ambição da família e da comunidade envolvente, sem vontade própria para lutar por um projecto de vida pessoal diferente.

Os meios excluídos aprisionam os indivíduos e as famílias em comunidades sem horizontes, que não se estimulam entre si e reproduzem modelos e hábitos de vida. Alterar esse quadro de referência implica, obrigatoriamente, abrir essa comunidade ou alargar o horizonte desse indivíduo, criando incentivos e estimulando aspirações. Essa abertura fomenta o contacto entre pessoas ou comunidades; envolve os actores sociais numa competitividade saudável, entre famílias, entre jovens; apoia os melhores, premeia o mérito e desenvolve estratégias, ao nível da educação, da formação profissional, da prática desportiva e da criação de riqueza, a partir das competências evidenciadas, das características identitárias que definem cada indivíduo ou comunidade.

A inclusão social não pode ser sinónimo de segregação. Não basta arrumar as pessoas em bairros ou em casas. É fundamental abrir esses bairros por via das actividades, dos transportes públicos, dos espaços que favorecem práticas culturais, religiosas ou desportivas. Sem essa abertura, as comunidades ou as pessoas mais desfavorecidas acabam por se refugiar no assistencialismo. Apropriam-se das ajudas não para se libertarem da condição social em que vivem, mas antes para permanecerem condicionadas a um modo de vida fechado sobre si mesmo.

As políticas de inclusão social, nomeadamente a habitacional, não podem anular a diversidade cultural, nem contribuir para esvaziar as freguesias rurais, construindo periferias urbanas descaracterizadas, onde se engavetam casais ou famílias em apartamentos de uma ou duas assoalhadas.

As políticas de inclusão social não podem fechar os deficientes em mundos de silêncio, nem arrumar em instituições os problemas que não queremos enfrentar, sejam os idosos acamados ou as crianças abandonadas; as vítimas de violência ou os jovens delinquentes.

A inclusão não pode conduzir ao fechamento ou isolamento, mas tem de significar libertação das dependências e reforço da autonomia, da capacidade de ser, cooperar e participar de forma activa.

A exclusão não se combate apenas com a inclusão, se incluir significar isolar num bairro, numa turma ou numa instituição quem, supostamente, se ajuda num processo de integração.

(publicado no Açoriano Oriental de 19 Janeiro 2009)

Um muro na cidade

Em tempos recuados, Ponta Delgada foi um povoado de pescadores, que encontraram nas suas enseadas um lugar abrigado.

Mais tarde, o terramoto que devastou Vila Franca no séc. XVI, acabaria por beneficiar o crescimento daquele povoado e favorecer a sua importância económica, estratégica e política.

Quem veja as fotos da velha cidade, repara num tecido urbano de costas voltado para o mar, definido por ruas estreitas, que concentrava a população em torno de três igrejas.

A construção do porto e a transformação urbanística que ocorreu na primeira metade do século XX alteraram profundamente esta configuração, renovando a frente marítima da cidade, desde logo com a criação da praça Gonçalo Velho onde se evidenciam as emblemáticas “portas da cidade”.

A avenida marginal mais do que uma via de trânsito passou a representar o lugar de lazer preferido dos habitantes da cidade, sobretudo no Verão. Os seus largos passeios facilitavam as caminhadas tranquilas, antecipando a prática recente do jogging.

Com a construção da marginal, nasceu um conjunto de edifícios bem integrados, como os que ladeiam a praça Gonçalo Velho, a Alfandega e os Correios, renovando a face da cidade. Passadas três décadas sobre essa importante intervenção, a marginal foi objecto de prolongamento, que implicou o aterro da Calheta Pêro de Teve, um espelho de água que lembrava a história de pescadores das primeiras comunidades residentes. Do outro lado nascia a marina, o clube naval e as piscinas municipais, fazendo esquecer os velhos tempos da piscina de S. Pedro.

Rapidamente, a nova marginal deu lugar à construção de novas unidades hoteleiras, que por mais integradas que possam estar na malha urbana, não deixaram de contribuir para esconder a velha cidade das ruas estreitas. Mais recentemente, um novo hotel, ainda em construção, emergiu que nem um muro gigantesco, ensombrando ainda mais a cidade e o casario que se esconde por detrás.

Em breve será inaugurado um novo prolongamento da marginal, que há muito deixou de ser uma avenida, para se transformar numa via, por vezes simples ciclovia, que corta a direito e transforma em betão, o que eram enseadas, rochas de lava e recortes naturais.

Em sessenta anos, os habitantes de Ponta Delgada, deixaram a centralidade dos templos e passaram a reconhecer a frente costeira como limite que encerra e liberta.

No passado, a cidade escondia-se por medo dos piratas e do mar que galgava a encosta. Agora se não cuidarmos do modo como intervimos na orla costeira, a cidade ficará escondida, desta feita por culpa dos muros de betão que ensombram o casario.

A orla costeira é um traço importante na construção da dimensão insular da cidade de Ponta Delgada, que importa aproveitar, reabilitando recantos e valorizando pormenores que fazem parte da história do povo que desde há cinco séculos reside nesta cidade. Um povo que redescobriu a sua insularidade, olhando o mar nos passeios da avenida marginal.

(publicado no Açoriano Oriental de 12 Janeiro 2009)

Autonomia reforçada

A travessia porque passou o processo de aprovação e promulgação do Estatuto Político Administrativo dos Açores, mais pareceu uma luta de outros tempos, aquando dos primeiros autonomistas que abriram caminho para o reconhecimento da Autonomia, como princípio de descentralização do poder, perante uma visão centralizadora do Terreiro do Paço.

Habituados a que se fale dos Açores por causa das tempestades, dos sismos e de quase todas as intempéries ou desgraças, os açorianos foram confrontados com notícias diárias sobre um documento que, se muitos açorianos não conhecem, quase apostaria, até há bem pouco tempo a maioria dos continentais nem sabia que existia, o Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

Afinal, só agora se aperceberam que a Autonomia regional está consagrada na Constituição e num Estatuto, esse que o Presidente da República insistiu em vetar. Porquê? Há quem diga e escreva que os açorianos querem restringir os poderes do Presidente, por via de um diploma produzido na Assembleia Legislativa.

Mas afinal, há legislação diferente na Região Autónoma? Desconhecia, dirão os continentais menos habituados a ouvir falar das ilhas, a propósito dos seus órgãos de poder próprio.

Uma das primeiras manifestações de receio perante o texto do Estatuto proposto, que respeita a Constituição revista em 2004, prendeu-se com a expressão “povo açoriano” entendida como uma afronta ao sentido da Pátria. Afinal, o que querem esses ilhéus? Afrontar a identidade nacional? Desde quando?

No ano de 2008, supostamente dedicado ao multiculturalismo, em que se apelou à diversidade cultural e à integração das comunidades, os jornais e as televisões falaram de um país (continental) que parecia sentir-se ameaçado por um texto que afirmava a autonomia regional como um princípio, um quadro de referência política, cultural e social. Apesar desse sentimento difundido em comentários e artigos de opinião, a maioria dos que ouviram o Presidente da República falar por duas vezes ao país sobre o Estatuto Político Administrativo não entendeu o que enervou de forma tão notória o chefe do Estado e porque razão os deputados do PSD na República, não mantiveram a posição dos seus colegas na Região, recuando à última hora, revelando pouca segurança na defesa da Autonomia.

Afinal, eram ou não duas normas que colocavam dúvidas? Porquê votar contra o Estatuto na sua globalidade? Supostamente porque há pareceres jurídicos que dão razão ao Presidente, os deputados deixaram de ter posição própria? E desde quando alargar o dever de audição restringe o poder de alguém? Ainda para mais numa situação que nunca ocorreu e que dificilmente ocorrerá, como a dissolução da Assembleia Legislativa! E porque razão a Assembleia da República iria poder alterar um diploma que emana do direito de iniciativa legislativa regional?

Em toda esta polémica que ganhou contornos de guerra entre órgãos de poder nacionais, quem saiu vencedor foi o poder regional e sobretudo a Açorianidade. Mais forte, em parte mais conhecida, a autonomia da Região e a identidade dos Açorianos saíram reforçadas.

Terminada esta turbulenta travessia do Estatuto, apetece dizer com orgulho, que bom é ser açoriana.

(publicado no Açoriano Oriental de 5 Janeiro 2009)

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