Liberdade e responsabilidade
Portugal conhece e experimenta há trinta e cinco anos o gosto da liberdade, o poder da participação e a necessidade de desenvolvimento, durante demasiado tempo limitadas.
A liberdade cria espaço interior, solta as amarras do medo e revoga o princípio que associava a felicidade à ignorância. “Mais vale não saber”, “mais vale não conhecer. Assim sofre-se menos”.
Como podia um país crescer quando a escola não era para todos? Como podia o país enriquecer quando amealhar significava guardar as economias debaixo do colchão ou emigrar para outras terras, mesmo que isso significasse trabalho pouco qualificado?
Eram outros tempos, onde a desigualdade social era uma característica inerente à relação entre géneros, gerações e estratos sociais. Perante as dificuldades, caberia aqueles que tivessem mais estudos, mais dinheiro e mais poder, encontrar a solução, nem que esta fosse marcadamente injusta e exigisse um esforço acrescido dos mais fragilizados.
Os tempos que correm são marcadamente difíceis para muitos. No entanto, longe vão os tempos em que dependeria das decisões de um qualquer messias político a solução para os actuais problemas das famílias e das empresas. Hoje essa responsabilidade é de todos. A liberdade que ganhamos com a democracia exige de todos um sentido de responsabilidade, a começar na forma como lidamos com as situações de dificuldade quotidianas.
Esperar que a crise se dissolva como um nó nas mãos de um experiente economista ou decisor, sem aproveitar para rever o caminho que percorremos é recusar admitir que erramos sempre que não apostamos na escolarização dos nossos filhos; é não querer assumir falta de visão quando não se investe na formação e qualificação profissional; e não reconhecer como errada e votada ao insucesso a estratégia que prefere a quantidade à qualidade.
Vivemos em democracia há 35 anos, no entanto, por vezes parece que não mudamos traços do passado, que nos fizeram subservientes e acomodados a vidas remediadas e simplórias, num país onde o analfabetismo não chocava, o ensino profissional era uma miragem e a qualidade um atributo raro.
Hoje, dificilmente aceitamos esse quadro que nos impediu de crescer. Mas, ao que parece, alguns ainda não compreenderam que a liberdade ou as liberdades que o regime democrático trouxe a este país são exigências de responsabilidade, são imperativos de cidadania que envolvem todos e cada um. Não depende apenas do poder instituído a resolução das nossas maiores dificuldades, não depende do carácter obrigatório, a escolarização dos nossos filhos, nem pode ser apenas um cumprir de calendário a formação que se exige de cada pessoa, para que se possa apostar na melhoria da qualidade do serviço que presta.
Infelizmente, ainda agora se ouvem vozes, entre as quais a de jovens que nasceram no pós 74, que recuperam a figura de um qualquer Salazar como salvador da crise, como terá questionado um jovem açoriano na sessão do Parlamento Jovem que decorreu na Assembleia da República.
Por ventura incapaz de reconhecer a sua própria responsabilidade, quem apela ao regresso de um ditador só pode ser alguém que não foi ensinado ou não aprendeu a ser responsável, a ser autónomo e a saber lutar pelos seus direitos, mas sobretudo, pela sua quota parte de participação activa na construção do futuro de todos.
(publicado no Açoriano Oriental de 27 Abril 2009)