Ser pessoa, imperfeita
O mundo gira à nossa volta e bombardeia-nos com opiniões, escolhas possíveis e modelos de comportamento. Sentimos a pressão dos que nos educam, dos que são nossos chefes, do rumor das vizinhas que criticam ou os comentários que desdenham daquilo que nos torna diferentes.
No meio desta pressão diária, há quem deixe de valorizar o seu próprio pensamento, para ser uma caixa de ressonância da voz de outros. Vivem para ser a mulher que o marido deseja, o empregado que o patrão dá como exemplo, o filho exemplar que não dá problemas e, aparentemente, são cidadãos perfeitos.
Apetece gritar, comecem a pensar por si, pela vossa cabeça.
Viver no mundo não é uma fatalidade com destino único, é um desafio à criatividade.
Só descobrimos o que realmente é ser livre, quando aprendemos a fazer escolhas. Tão simples como comer muito ou o suficiente, cuidar de si ou desleixar, organizar o espaço ou acumular, recusar o que não se quer ou aceitar. É dessas escolhas que depende a nossa felicidade ou infelicidade.
É claro que não podemos viver no mundo, sem aceitar regras, sem estar em comunidade, mas viver é muito mais, exige pensar e reflectir o que nos dizem desse mundo.
Ser mulher ou ser homem não é vestir um fato, com se fosse um disfarce de carnaval, mas interpretar o ser pessoa de uma forma própria. Ouvir e ser capaz de pensar o que nos dizem; sentir e falar do que se sente; acreditar, ter opinião e não ter receio em mudar quando alguém nos faz descobrir uma outra face da realidade.
Não somos uma caixa de ressonância, mas um instrumento musical.
É no exercício dos direitos que defendemos, que afirmamos a cidadania, a musicalidade da nossa vida e assim, mudamos o mundo. Não basta vir para a rua gritar “basta”; de nada serve dizer que há injustiça, respeitem os nossos direitos” e depois esperar que alguém ouça a nossa voz. Se queremos mudanças, temos de alterar as nossas relações, aumentar o empenho e esforço que colocamos na vida diária. Ninguém pode ficar à espera que primeiro mudem os outros. Se o seu mundo não é perfeito, então avance, denuncie, faça o mundo acontecer de outro modo.
Não vai mudar! Respondem os cépticos. É possível, mas então a minha vida terá valido a pena, porque procurei não viver diluído nessa massa aglutinadora, imperfeita, que parece triturar os diferentes e bloquear os audazes. Precisamos do desafio que é vencer essa imperfeição, para não nos cansarmos de viver e nos motivarmos na procura da felicidade.
Não há vidas perfeitas. O que há são mais ou menos oportunidades, que se agarra ou se deixa fugir; pessoas que investem em si e acreditam no outro; que se esforçam e nunca desistem de aprender, que contrastam com aquelas que nunca se dispõem a mudar de vida e baixam os braços na adversidade.
Repenso o meu percurso, revejo vidas que se cruzaram com a minha e encontro homens e mulheres imperfeitos, mas que procuraram a melhor forma de ser feliz. E, hoje, são para mim referências do que é, verdadeiramente, ser pessoa.
(publicado no Açoriano Oriental de 7 de Março 2011)