Olhar azul
Se pudéssemos fotografar a vida de uma pessoa, talvez a imagem fosse semelhante ao traço de luz de uma foto noturna tirada quando dezenas de veículos circulam a grande velocidade. Entre os muitos traços de luz, cada vida é apenas um, mais ou menos intenso, que a certa altura se apaga, enquanto outros avançam.
É efémera a luz de uma vida, mas quem dela beneficia sabe o quanto significa em termos de força, presença, orientação.
Quando esse traço de luz se apaga, fica um sabor amargo de ter de continuar a viagem sem poder partilhar essa força anímica, mas com a plena certeza de a trazer gravada no coração, na mente, em memórias que não se apagam, num sorriso que não se esquece e num olhar tranquilo, um olhar azul.
Nos teus olhos, aprendi o que era amar,
E a ter força para caminhar.
No teu olhar, descobri a firmeza e a doçura,
De que precisava para viver e lidar com a dificuldade em avançar.
Há poucos olhos como os teus,
Onde a força se mistura com a ternura,
Onde a certeza se transforma em apoio,
E a repreensão é sempre ajuda.
Há poucos olhares como os teus,
Onde não há violência, mas chamadas de atenção,
Onde não há agressão, mas compreensão.
Nos teus olhos, aprendi a ser filha e a ser mulher,
A ser mãe e amiga,
Porque nunca me recusaste uma bênção ou uma palavra,
Estavas ali, sempre, para me ouvir com esses olhos,
Atentos ao que te dizia, seguindo o meu pensamento como guia.
No teu olhar azul, deixaste-me mergulhar,
Todas as vezes que me senti sozinha e perdida,
Foste o meu horizonte, a minha meta, o meu porto refúgio.
No teu olhar, aprendi a nadar,
Primeiro a medo, depois segura que nunca me deixarias afogar,
Mesmo que por vezes me largasses,
E me deixasses afundar,
E sentisse que, estando tu ali, eu me podia abandonar.
No teu olhar azul,
Aprendi a ser, a crescer e a dar,
Porque nunca fechaste essa porta, esse teu mar.
Nunca me disseste, não podes, mas me fizeste pensar.
Como eu gostava que nunca se apagasse esse olhar,
Que me enche a alma de ternura e força,
E me faz avançar.
Obrigada, olhar azul.
(Em memória do meu pai de olhar azul, José Manuel Lalanda Gonçalves)
(publicado no Açoriano Oriental de 30 Janeiro 2012)