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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Palavras

São palavras o que constrói um texto, blocos que se alinham numa frase, carregando no interior ideias, cores e cheiros.

Palavras pequenas ou grandes que mal conseguem conter as emoções e os pensamentos que rodopiam como carroceis de feira, folhas que voam levadas pelo vento.

Um texto são apenas palavras, que se juntam para transmitir mensagens, opiniões e argumentos. Mais ou menos importantes, é sempre com palavras que os outros esperam que nos façamos entender, é sempre com discursos que os convencemos ou defendemos posições e reagimos a acusações.

Mas, quanto não está para além das palavras?

Quem de fora olha o rosto contraído, as sobrancelhas que se fecham, as rugas no meio dos olhos, percebe que há muito mais do que verbos ou substantivos na comunicação.

Emoções escorregam pelas frinchas de um rosto que teme em não concordar com a voz. As mãos que se apertam ou que se utilizam para pontuar uma frase, a voz que se eleva e parece atirar as palavras como pedras.

Ninguém pode ser reduzido apenas às palavras que diz. Porque a pessoa é sempre muito mais do que palavras, sons, verbalizações. Quantas e quantas vezes alguém sente que não é compreendido porque os outros apenas ouvem o que diz, e nem isso fazem bem, sem atenderem à mensagem que passa pelo corpo, que brilha nos olhos ou transparece no tom da voz.

São as mãos que se contorcem e se esfregam uma na outra. É o olhar que se poisa no chão, as pernas que se cruzam sem cessar ou os gestos de desconforto que acompanham as palavras, enquanto falam de serenidade. “Está tudo bem!”, diz o idoso sentado no cadeirão do lar, no dia em que a filha o visita. Mas logo de seguida fecha os olhos, evitando mais conversas.

“Estou cansado, sabes, não tenho dormido”, justifica-se, enquanto diz para consigo, “Mas o que querias que te dissesse deste mundo de velhos, onde as drogas cumprem a função das pessoas, e a comida parece ser a única atividade na agenda dos dias, sempre iguais, sempre monótonos.”

As palavras são tantas vezes traiçoeiras, verdadeiros disfarces que amortecem a dor que os olhos denunciam.

Quando a língua se faz com gestos, como acontece com os surdos, então as palavras faladas dão lugar a imagens, a emoções, a posturas corporais. Os olhos ganham brilho ou esmorecem, quais sinais de luzes, pontuando as mensagens que as mãos desenham no espaço. Nomes, lugares e objetos ganham posição num quadro que se desenha à volta do surdo, uma janela que se abre aos outros. Não é possível dizer bom dia, sem abrir os olhos e iluminar o rosto. De outro modo não será “bom”. Pena é, poucos são aqueles que sabem falar esta língua das emoções.

As palavras são pontes que nos ligam aos outros para construir encontros. Por isso, regressar às colunas de opinião deste jornal é reconfortante, é como um regresso a casa, às casas dos que leem este jornal.

A partir de hoje, quinzenalmente, estarei de novo aqui, partilhando olhares, pensamentos e emoções que nos tornam membros da mesma humanidade, que nos aproximam e nos unem, neste sentir a ilha, que define o lugar onde cada um de nós se constrói, uma ilha, num oceano de possibilidades.

Sentir a ilha é a chancela que me acompanha na escrita, o reduto onde guardo textos, pensamentos. No blog, na rádio ou aqui, sentir a ilha é um lugar de encontro, aonde vos convido a estar ou a visitar, sempre que vos apetecer.

(artigo publicado no Açoriano Oriental de 27 Janeiro 2015).

 

Desumanização

Desumanização é uma palavra improvável, um termo de conteúdo impossível, uma contradição absoluta. Como se desumaniza o que é humano? Como se retira a humanidade a um ser humano, sem o destruir por completo?

A humanidade é a própria essência da vida, que nos torna membros da espécie, da população, do mundo que pensa, sente, comunica e constrói.

Como se retira a humanidade sem destruir essas capacidades?

Como se pode ser um ser humano e não demonstrar humanização?

Parece improvável, mas os acontecimentos do início de 2015 que abalaram a França, são prova dessa contradição, que infelizmente acontece em muitos outros lugares do mundo, por ventura menos mediatizados.

Seres humanos que se desidentificaram, que perderam o sentido do respeito por si e pelo outro. Indivíduos cujas mentes e corações foram esvaziados de qualquer valor capaz de construir a felicidade e a paz. Formatados no ódio, encontraram sentido na violência, revelando ausência de respeito pela dignidade.

Desumanizado fica qualquer indivíduo que deixa de sentir , pensar ou escolher. Um ser desumanizado é alguém alucinado, que aceita matar em nome de uma suposta missão, vivendo a vida como um destino traçado por outros, sem revelar amor próprio. E, quem deixa de gostar de si, não consegue gostar dos outros. Quem não se respeita, dificilmente respeita alguém, seja a vida de uma criança ou de uma mulher, a fragilidade de um idoso ou o pavor estampado na cara de um inocente.

A desumanização é a perda do respeito próprio e a transformação da pessoa humana num indivíduo sem amor, incapaz de se sentir amado ou de amar.

Dois jovens mataram dez cartoonistas em nome de um Deus que não existe, porque não há divindade que não queira o bem do ser humano, que não seja fonte de amor, de paz e de esperança.

A Europa, o Ocidente, os países democráticos, têm construído o desenvolvimento à luz dos direitos humanos, na defesa dos valores da liberdade e da igualdade, promovendo a integração das diferenças, num mundo cada vez mais multicultural. E são essas condições que permitem que pessoas extremistas possam viver ao lado de gente de paz, que promove o diálogo e defende a liberdade.

Vozes radicais do pensamento político, querem acabar com essa convivência. Alegando combater os terroristas, recorrem às mesmas armas: a morte, a intolerância e a repressão, confundindo a diferença com o extremismo. Somos todos herdeiros de grandes lutas, a favor da não violência, contra os horrores do anti-semitismo ou os racismos do Apartheid ou da América.

E é essa força que de novo se deve erguer perante estes radicalismos que desumanizam. A França e o mundo juntam-se hoje para gritar a força da humanidade. Eu sou Charlie, quer dizer eu sou livre, sou digno. A vida de pessoas que ainda hoje nos inspiram, como Gandhi, Mandela, Lutter King, Anne Frank ou mais recentemente a jovem Malala, nada têm a ver com os discursos de quem quer por trancas à porta dos países, separando os bons dos maus, ou o trigo do joio.

O mundo é feito de diversidade, que se liga de forma complementar.

O ser humano não vive sem relações, sem afetos, sem respeito e reconhecimento. Por ventura, foi tudo isso que faltou a esses jovens, abandonados à sua sorte, perdidos num mundo que lhes roubou a ambição e o reconhecimento e os empurrou para comunidades extremistas que lhes prometeram poder e salvação.

O terrorismo é feito de gente mal amada, abandonada, numa sociedade que perdeu o sentido de comunidade.

Não podemos perder o sentido da humanidade, se queremos combater as causas que levam ao terrorismo. É no sentido de comunidade e no respeito pela dignidade que nos tornamos pessoas e aprendemos a ser sensíveis.

Junto a minha voz a tantos outros cidadãos no mundo que hoje clamam pela liberdade e o respeito pela dignidade humana. Não podemos permitir que gente mal amada nos faça retroceder ao medo, à ditadura, a regimes que dão poder a pessoas violentas, que usam a força para falar de Deus ou para fazer política.

A paz começa no interior de cada pessoa, na ligação que cada um é capaz de construir com os outros. A paz é filha do amor que cada um de nós tem por si e pelos outros. A consciência do bem comum está no centro de todas as ideologias que defendem o bem, é a razão de ser de todas as religiões que por natureza, visam ligar e não destruir os laços que unem os homens.

O mundo precisa de um grito de humanidade. Acordemos para o valor da liberdade e da paz. Mas para isso temos de ensinar, educar o respeito pelo outro e por si. Só assim faz sentido falar de humanização, como afirmação do que nos faz ser pessoa.

(texto lido na rubrica "Sentir a ilha" - no programa da Rádio Atlantida - Entre palavras com Graça Moniz - a 11 Janeiro 2015)

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