Aleluia
A natureza parece gritar a vida na primavera. Faça frio ou chuva, a natureza não precisa de alertas, mensagens ou avisos, para fazer rebentar as novas folhas nas árvores ou florir o jacinto que ficou na terra desde o ano passado.
A natureza conhece, sente os ritmos e sabe quando renascer.
De um tronco ressequido, que o vento desbastou, nasce uma folha! Até mesmo quando ninguém se lembrou da poda, na altura certa, como manda o "borda d'água"...
Mesmo assim, a primavera acontece.
Do chão empedernido, mal regado, num canteiro esquecido do quintal, brota uma flor singela.
Aleluia, é o grito que se ouve na primavera. O que parecia morto voltou à vida, as árvores que ninguém cuidou, apesar disso, deram flor e prometem frutos para o verão.
Aleluia, há sempre uma réstia de esperança quando todos julgavam perdida aquela terra, há sempre uma semente que rebenta no seu seio, ganhando força onde parecia haver, apenas, ervas daninhas.
Eis que brota um pessegueiro, no meio de silvas e mato. Terá sido um caroço atirado em fim de tarde, uma raiz antiga? não importa. Do meio do nada, a vida floresce de novo, resiliente, quando ninguém dela cuidou, resistente, aos ventos e tempestades.
Aleluia, a vida vence sempre a destruição. A força interior, que se esconde numa terra empedernida, é maior que a camada ressequida que a cobre.
Há sempre um tempo para renovar e mesmo que ninguém a convide, a primavera volta, com a certeza de que tudo pode recomeçar.
Regressa, mas não é a mesma de outros anos. Não! Esta é nova, uma nova primavera. Outras passaram, por ventura sem que nos dessemos conta. Mas agora, está de novo aí, rebentando as folhas nas árvores secas, florindo tocas esquecidas, enterradas, rasgando a terra que nunca mais foi regada, a não ser pela chuva. Ela está aí, gritando Aleluia.
Aleluia é um grito de vida, que rompe a morte e vence a terra seca.
Há sempre uma força contida que faz recuperar o sentido, retoma esse ciclo interminável, do viver e morrer, do nascer e florir, para dar fruto e renascer.
Aleluia é essa força que os cristãos celebram na Páscoa, mas que nem todos reconhecem como renascimento. Presos ao espírito de sexta-feira, preferem desistir, porque a terra secou e dali nada pode vir de novo.
Voltados para dentro, calcam a semente que começava a rebentar, impedindo que a luz e o orvalho façam o milagre do renascimento.
Aleluia, abre os olhos, a vida acontece mesmo quando julgamos que nada mais podemos sentir. Ela surpreende, quando menos esperamos, sentados num canto da casa, agarrados ao inverno que aconchegamos à pele.
A vida, qual semente esquecida num canteiro abandonado, é essa força interior que fala baixinho e te acorda do marasmo. Olha, abre a janela, vê o sol que nasce no horizonte, pisa o chão, descalço, e sente como a terra te acolhe. É isso, a vida não nos cobra por primaveras passadas, não contabiliza o que não lhe demos ou o que esquecemos.
Aleluia, esta é uma nova primavera, um convite para renascermos, retirando ervas, pedregulhos que dificultam esse rebento que acabou de florescer no meio do teu canteiro ressequido.
Vê, tens um jacinto amarelo no jardim que brotou daquela toca esquecida, esperança contida numa semente, que deixaste abandonada a um canto.
Aleluia, acorda, a primavera está aí e, se não lhe dermos atenção, ela volta a passar, mais uma vez, sem que floresçam as sementes que insistem em rebentar nos canteiros da vida.
Aleluia!
(texto publicado no Açoriano Oriental, 24 Março 2105)