Não há longe nem distância
Este é o título de um pequeno livro de Richard Bach, onde se conta a história de alguém preocupado em fazer uma longa viagem para poder estar na festa de aniversário de uma amiga, que está a crescer, e a quem quer entregar uma prenda.
Mas o que queres dizer com festa, aniversário, amiga que cresce ou prenda? perguntam as aves a quem o narrador pede ajuda para atravessar os quilómetros que o afastam dessa pessoa. Nenhuma percebe o propósito, a não ser a Gaivota que se presta a ajudar na viagem, que acaba por se transformar numa aprendizagem do sentido profundo da amizade e do amor.
Afinal porque insistimos em estar ao lado, presentes fisicamente, quando o mais importante é que sempre estivemos e estamos no coração de quem amamos?
Porque insistimos em transformar esse amor em objetos, quantas vezes mal escolhidos, comprados à pressa ou apenas para fazer vista!?
O mais importante nas relações não se pode quantificar ou transformar em presentes ou mesmo em presença física. Como diria a Gaivota, não precisas de prendas de metal ou de vidro para falares da verdade do que sentes. Não precisas de estar ao lado de alguém para o veres crescer, isso não depende de ti. Mas, o que não podes deixar é de partilhar a alegria de viver, essa sim, encurta a distância e faz-te presente.
Não há longe nem distância, quando o que nos une são afetos sinceros, amor, amizade, cumplicidade vivida que se recorda. Bastam alguns minutos, três palavras numa conversa, hoje mediada pelas novas tecnologias, e validamos essa presença, reconfirmamos a confiança que nos une, a cumplicidade com que olhamos a vida.
É urgente redescobrir o valor da amizade, sem precisar para isso de a transformar em prendas ou objetos; é fundamental perceber a intensidade do amor, o valor da confiança e da entreajuda, sem ter de tocar ou estar ao lado de quem se ama. Esta é uma aprendizagem que amadurece a vida emocional e espiritual.
Não é fácil e muito menos isento de sofrimento, mas crescer por dentro ou amadurecer traz tranquilidade e cria espaço para a felicidade interior.
A posse é muitas vezes contrária à felicidade. Quanto mais nos agarramos aos bens, às pessoas, fazendo depender o sentimento de felicidade dessa posse, mais infelizes nos tornamos, mais sozinhos ficamos. Afinal, ninguém é dono de ninguém e mesmo os objetos são transitórios, ficam fora de moda, perdem valor de mercado.
Se o mais importante os olhos não veem, é porque está dentro das pessoas, de cada um de nós. Só se vê de verdade com o coração e isso implica confiança "cega", abertura total e muita humildade para sentir a vida nos seus detalhes e pormenores.
Retomando a viagem da Gaivota, descobrimos que o mais importante não é estar nos aniversários, nem a ver crescer aqueles que amamos, porque onde estiver o nosso coração ai estaremos nós.
Não há longe nem distância quando se trata de amor ou amizade. Nem há prendas ou dádivas que possam mostrar, melhor do que nós mesmos, o que sentimos verdadeiramente pelos outros.
A confiança não é um atestado carimbado com selo de garantia e muito menos é o resultado do cumprimento de um protocolo de boas maneiras. Quem confia não precisa de etiquetas ou de maneirismos, sente. Quem confia não está sempre validando razões ou pedindo justificações, aceita, reconhece, porque antes mesmo do outro se explicar é capaz de o compreender.
Não há longe nem distância para quem estiver onde está o seu coração.
(artigo publicado no Açoriano Oriental, 20 Outubro 2015)