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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

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Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Termos de Pesquisa (visualizações ontem - 15/11/2016)

  1. porque ocorre a desumanizacao 

A desumanização resulta das relações humanas que atomizam o outro e não o consideram como um todo, uma pessoa integrada. Acontece quando se trata alguém apenas  como um corpo ou até como um órgão doente; quando se julga alguém por causa de um comportamento isolado, e se rotula ou descrimina; e sempre que alguém é utilizado, instrumentalizado, em benefício de uma estratégia em que não é a sua, mas que beneficia terceiros.

A desumanização desintegra, isola, não dignifica o outro, mesmo que a relação seja altamente especializada e técnica. O outro deixa de ter nome, história, emoções ou motivos. A circunstância transforma-se em armadilha, e os condicionalismos passam a ser peias, justificadas por regras/limites indestrutíveis. O outro é aprisionado nessa situação, sem espaço para ser ele próprio e tratado como um caso tipo, classificado segundo critérios que o rotulam e categorizam mas que, em nenhum dos casos, abrem caminho à compreensão e ao respeito pela diferença. 

 

Um inimigo do povo

Foi com este título, "Um inimigo do povo" que subiu à cena, no Teatro Micaelense, uma peça da autoria de Henrik Ibsen, com direção artística de Tónan Quito.

A história começa numa estância balnear onde o médico responsável aguarda, com ansiedade, o resultado de umas análises à qualidade da água do empreendimento, cuja abertura estava a trazer um novo fôlego económico à comunidade local.

Perante o resultado desfavorável, entretanto conhecido, coloca-se o dilema e a decisão de encerrar, ou não, a estância balnear.

Esta é uma história, onde se confronta o saber dos técnicos com o poder dos políticos; o conhecimento e a informação, com a ignorância consentida; a força da objetividade e da verdade contra o poder da imagem, do interesse pessoal e da mentira intencional.

Na base deste confronto, uma atitude: o questionamento do técnico, o espírito crítico. De início até colhe apoios, todos consideram importante que se saiba mais. Mas logo, esses mesmos apoiantes mudam de posição quando confrontados com as consequências desse saber, da informação recolhida.

Ainda hoje se ouve dizer: "mais vale a ignorância, prefiro não saber".

E são essas posições de valorização do desconhecimento, que dão espaço aos demagogos e populistas, ao aproveitamento político e económico.

Perante o desinteresse de muitos, uns poucos decidem, como bem entendem, o que fazer da informação a que tem acesso. Se for incómoda, o melhor é não revelar. Se for por em causa decisões políticas erradas, então só há que desvalorizar ou guardar na gaveta, com carimbo "confidencial". Assim, protegem-se as pessoas do conhecimento da verdade e mantêm-se as aparências, pelo menos, enquanto for possível controlar os impactos negativos.

"O inimigo do povo" é uma peça que desinstala os espectadores. Sobretudo, quando a assembleia, que terá de se pronunciar, são os próprios espectadores na sala do Teatro. Voltados para a plateia, os atores interpelam o público sobre qual a posição mais adequada: a do médico, que insiste em revelar a informação e dessa forma defender a saúde pública, ou a do Intendente que, preocupado com o impacto económico que adviria do encerramento da estância termal, prefere esperar, deixar que todos fiquem na ignorância, contrapondo ao discurso do médico: "devia ter falado comigo antes". Porque, um assunto "tão sensível", nunca seria divulgado no estado "bruto", mas ardilosamente diluído numa mentira, capaz de enterrar o que não defende os interesses de quem decide.

Esta encenação toca um tema atual, que enche páginas de jornais a propósito da eleição do presidente dos Estados Unidos.

Podem os jornalistas contar quantas mentiras o candidato republicano proferiu por discurso. O certo é que o impacto, produzido nos auditórios, teve um efeito suficientemente duradoiro para que ganhasse as eleições. Apesar de, entre mentiras e muito show off, ser evidente o risco para a democracia e a liberdade nos Estados Unidos, aparentemente, alguns só o descobriram após o ato eleitoral.

A verdade dos factos desinstala e faz-nos olhar a realidade tal como ela é e não como é mais conveniente. Esta dualidade de posições, entre quem faz ciência e quem tem o poder político ou económico, não deveria ser contraditória, se o conhecimento fosse considerado a base das decisões, mesmo que difíceis e contrárias aos interesses instalados.

Atitudes como, "não se fala nisso", "mais tarde se verá" ou "não é oportuno por enquanto", comprometem a construção de uma sociedade democrática.

É certo que a mentira vende e até faz ganhar eleições, mas certamente que não constrói ou defende a humanidade.

(artigo publicado no Açoriano Oriental 15 Novembro 2016)

Marcas do Tempo

Quando me olho ao espelho, vejo rugas que me lembram que envelheci, olho os sinais que vão pintalgando a minha pele e reparo nos cabelos novos que já nascem brancos e que, aos poucos, vão tomando conta do que foi uma cabeleireira escura.

Há quem viva mal com estas alterações, sinais naturais do tempo que passa e transforma, do envelhecimento que amadurece mas também retira vigor.

Há quem nem goste de se ver ao espelho, para não perder a memória do que foi.

Mas não se olhar é não querer pensar ou recordar a vida que passou.

As marcas que ficam no rosto, no cabelo, não são as únicas marcas do tempo. A vida não é uma eterna tela branca onde todos os dias podemos recomeçar a pintura, deitando fora o que não deu certo ou que não agradou.

A vida é uma pintura inacabada. Todos os dias damos-lhe retoques, nem sempre os mais adequados, por vezes até borramos a pintura. Mas no fim, é sempre uma obra-prima, única e irrepetível, aquela que desenhamos, ora com traços fortes ora em pequenos pormenores.

As marcas da pele, as rugas, os cabelos brancos são apenas alguns dos sinais que o tempo vai deixando em nós. Ao mesmo tempo que constroem e dão sentido à imagem da tela, também desgastam e consomem energias. A pintura vai ganhando "patine" como dizem os peritos em arte.

 

Mas, sempre que olhamos a tela da vida, rugas, cabelos brancos, falta de visão ou de audição, não são as marcas do tempo mais importantes.

Há outras, essas sim fundamentais e que definem o colorido mais ou menos intenso da pintura. São experiências que não se esquecem, pessoas com quem aprendemos a viver e a ser. E por muitos anos que passem, há dias em que recordamos esses acontecimentos, esses laços que se romperam ou que tivemos de desatar.

A vida é feita dessas memórias, dessas datas.

Cada um de nós, tem um calendário próprio, onde não estão apenas os dias de aniversário, o Natal ou a Páscoa, mas muitos outros dias, que só a nós interessa recordar, porque tem significado e memória, de um outro tempo, de relações que já não temos.

Por isso, neste mês de Novembro, que a tradição religiosa cristã associa às almas, aos que já partiram, é importante olhar para essas marcas do tempo, esses dias que nas nossas vidas são especiais, e tomar consciência do quanto foram e são importantes para cada um de nós, para a pessoa que hoje somos.

Não significa isso que temos de chorar o que perdemos ou que deixou de fazer parte da nossa vida, mas antes olhar com orgulho, reconhecimento e assumir que, tal como a ruga, o cabelo branco, essas marcas fazem parte do nosso amadurecimento como pessoas.

Se não tivéssemos vivido esse tempo, se não tivéssemos podido amar essas pessoas que partiram ou de quem nos afastamos, seríamos hoje mais pobres, menos felizes.

Por isso, incorporar o tempo passado no presente é uma experiência que tranquiliza e cria espaço para sermos mais, melhores, por ventura diferentes.

Olhar a tela que pintamos e reconhecer a importância desses acontecimentos marcantes, pode ser um ato de renovação interior. Como quando arrumamos e limpamos gavetas, também é importante arrumar as nossas memórias. Limpar o que não interessa e guardar o essencial. Só assim conseguimos criar espaço interior para novas experiências.

De nada serve ficar preso ao passado e deixar de viver o presente.

As pessoas, os acontecimentos, as funções que já não temos, não devem ocupar o lugar das que agora, no dia que passa, nos impelem a dar, a ser e a construir.

As marcas do tempo são sinais de amadurecimento, são o pano de fundo da tela que todos os dias retocamos.

É bom ter esta consciência do tempo sem perder a criatividade do momento, esse toque requintado do pincel, capaz de fazer nuances nas cores, dar perspectiva aos objetos e introduzir luminosidade em recantos sombrios.

Só quem sabe olhar a tela da vida e reconhece as marcas do tempo, descobre a arte de viver.

(texto apresentado na rubrica "Sentir a ilha" integrado no programa de Graça Moniz "entre palavas" - Radio Atlantida - edição 13 Novembro).

Morte disfarçada

A noite que passou foi tomada de assalto por bruxas, esqueletos ambulantes e outros fantasmas. Ninguém sabe bem como nem quando, mas a tradição de festejar a véspera do dia de Todos os Santos foi muito rapidamente alterada.

Esqueceu-se o peditório do Pão-por-Deus, onde se recolhiam as "escaldadas", um pão especialmente feito para esse dia, dado em memória dos familiares falecidos.

Dar esmolas pelas almas foi e continua a ser uma prática, mesmo quando em vez de pão se dão guloseimas.

De uma forma ou de outra, no Pão-por-Deus ou no Halloween, invoca-se a morte, os que morreram e as almas ou o espírito dos antepassados, dimensões cada vez mais afastadas do quotidiano das sociedades modernas.

Se outrora a morte fazia parte da vivência em comunidade, hoje ela é isolada e exorcizada em figuras de bruxas ou vampiros, que povoam filmes de terror e histórias infantis. Os símbolos de morte, como são as caveiras, surgem inscritos em tatuagens e na indumentária dita juvenil.

Mas se falarmos da morte de alguém, da perda real de uma pessoa que nos é próxima, essa deixou de fazer sentido, incomoda e é quase um tabu. Já o mesmo não acontece nesse universo de figuras tétricas que ilustram histórias de ficção, banda desenhada ou simplesmente inspira os disfarces que as crianças, divertidas, vestem na véspera do dia 1 de Novembro.

As famílias terão por ventura alguma dificuldade em explicar para onde é que foi o avô ou a avó que morreu, mas não tem qualquer problema em comprar uma fato de esqueleto, para que o seu filho participe no cortejo do Halloween.

A morte precisa de ser humanizada e não disfarçada.

Ela faz parte da vida, é mesmo a dimensão que lhe dá sentido.

Se alguém se julga eterno, não se sente humano. Porque, a humanidade faz-se de renovação, de permanentes passagens de pessoas que constroem e contribuem para a sociedade, deixando testemunhos que nos permitem dar continuidade e fazer história.

O facto de sabermos que a nossa vida tem um limite deveria fazer com que valorizássemos cada dia, cada minuto de uma forma diferente. Afinal, não se repetem e sempre que os desperdiçamos, perdemos um tempo de vida único, irrepetível.

Mas será que a dificuldade em encarar a morte com sentido, não se deve à relutância que a sociedade moderna tem em lidar com as perdas?

Apenas se equaciona o sucesso, as vitórias, o que deu certo e escondem-se as derrotas e os insucessos. Não lidamos bem com as desilusões, que resultam das nossas falhas ou são consequência do comportamentos de outros, em quem confiamos e que nos decepcionaram.

Não podemos evitar sentir na pele a perda de confiança, entusiasmo ou motivação. Mas sempre que isso acontece, são outras tantas oportunidades para recomeçar, rever a existência e melhorar o caminho trilhado. Não há sucessos sem derrotas. E isso significa que também na vida, a morte enquanto perda, tem de ser incorporada como motor de renascimento e renovação.

Quem se afunda perante as perdas, não vive, fica moribundo.

A morte dá sentido porque nos obriga a não desperdiçar tempo, sobretudo quando nos sentimos derrotados, ofendidos ou magoados. Saber encontrar sentido nas perdas é saber viver.

Por isso, a morte não deve ser disfarçada mas encarada de frente.

Não deveria ser isolada, mas partilhada.

Quando uma comunidade recorda os seus que já partiram, torna-se mais forte, mais autêntica, porque reconhece que não tem de fazer tudo de novo, mas crescer com base nos alicerces, sabendo valorizar o trabalho anterior.

(Artigo publicado no Açoriano Oriental, 1 Novembro 2016)

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