Festas
O tempo de festa rompe com a rotina. Parêntesis que se abre num quotidiano banal, habitualmente construído de forma ordenada, a festa surpreende pelo contraste, despertando euforia e vontade de sair de casa, uma oportunidade para tirar o bolor às roupas vistosas que ajudam à autoestima. Sem relógio ou preocupações de trabalho ou familiares, a festa é esse parêntesis; um tempo fora do tempo que transforma os sisudos em foliões e os introvertidos em conversadores.
Este é sem dúvida o espírito com que muitos vivem as Sanjoaninas, festa terceirense onde a noite se transforma em dia e tudo acontece madrugada dentro; uma sardinhada ou um bailarico, um cantar ao desafio ou uma sopa de peixe acabada de fazer. Tomados pela euforia, a festa faz esquecer a necessidade de descanso e os limites da razoabilidade.
As ruas, que habitualmente separam e organizam, convertem-se em lugares de encontro, verdadeiras salas de convívio, onde as vozes se elevam numa explosão de emoções antes contidas. São encontros com colegas que há muito não se viam, novos amigos que se conhecem por intermédio de outros e tudo isto temperado com momentos de riso e gargalhada.
À medida que o tempo passa e as horas deixam de ter importância, soltam-se as agruras, esquecem-se as preocupações e sobressai uma faceta que nada tem a ver com a coerência do comportamento habitual.
Fala-se da festa de São João na Terceira quase sempre no plural, as festas, porque não há apenas um acontecimento, são muitos. Desde a transformação dos espaços comerciais encerrados em tascas de ocasião, a criação de recintos de dança improvisados no meio da rua ou junto aos palcos de atuações, para não falar do grande auditório em que se transforma a cidade de Angra, para a passagem das marchas. Ladeada por cadeiras que se amarram aos postes, três ou quatro dias antes, a rua da Sé é um palco de festa, com a sua escadaria a transbordar de emoção, gente interessada e curiosa, que anima os marchantes com palmas, gritando "bravo", vivas, com uma energia contagiante. Ninguém fica indiferente à alegria deste povo, que vive a festa como poucos.
Neste tempo de santos populares são muitas as terras que organizam marchas, mas a emoção com que se vive este acontecimento na cidade de Angra é certamente única e genuína. Os terceirenses vivem as suas festas com um espírito que transforma a noite em dia, quem sabe, reminiscências da presença espanhola na história da ilha. Juntam a isso a ligação aos toiros, à faena e o tempo pára, o mundo vira ao contrário, fazendo esquecer, durante esses dias, a monotonia e a rotina de um ano de trabalho.
Ser açoriano é sentir esta diversidade de vivências que marca a idiossincrasia de cada ilha e dá sentido à identidade regional. Ser açoriano é afirmar uma identidade plural. As ilhas são territórios diferentes e os insulares que nelas vivem não são todos iguais, e ainda bem! Porque a identidade do açoriano faz-se desta multiplicidade de facetas culturais.
Não vale a pena comparar vivências, porque é na diversidade de sentimentos e tradições que está a essência da açorianidade, onde se junta a euforia das Sanjoaninas à emoção das promessas do Sr. Santo Cristo; e o mesmo povo que aprecia uma alcatra com massa sovada, come um cozido nas Furnas e partilha o arroz doce ou o balho da Chamarrita.
Somos açorianos, somos esse povo insular que vive a festa de muitas formas, como irmãos diferentes de uma mesma família.
(texto publcado no Açoriano Oriental de 30 Junho 2015)