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Retrocesso na Rússia

 

Retrocesso civilizacional é como podemos classificar as recentes decisões do Estado russo em relação ao crime de violência doméstica (VD), que alteram o artigo 116 do Código Penal. A proposta de revisão da lei, pasme-se, foi defendida por duas mulheres, a senadora Elena Mizulina, ultraconservadora do Partido "Rússia justa" e a deputada Olga Betalina, do Partido Rússia Unida (de Vladimir Putin).

Assim, e de acordo com a decisão do parlamento russo, aprovada no passado dia 7 de fevereiro, é necessário que: os ferimentos sejam suficientemente graves que levem à hospitalização; o ato de agressão seja mais frequente do que uma vez por ano ou a agressão implique faltar ao emprego ou à escola, para que o agressor seja julgado judicialmente. Mesmo assim, a vítima terá de provar essa agressão, recolhendo as evidências necessárias para a constituição do processo de acusação.

Entre os vários argumentos apresentados a favor desta nova lei estão, por exemplo, as afirmações de Mizulina, que declarou ser fraca a condição das mulheres russas, habituadas a serem batidas pelos seus maridos ou companheiros, algo que, segundo esta senadora, faz parte da cultura russa. Esta posição mereceu o apoio da igreja ortodoxa russa, cujo responsável para os assuntos familiares declarou que o estado não se deve imiscuir na vida familiar e que, despenalizar a violência doméstica seria uma imposição ocidental sobre a tradição familiar russa, segundo a qual, a violência praticada sobre a mulher, se for "razoável" e feita "com amor", desde que não provoque danos físicos, é aceitável. O próprio presidente da Rússia considerou "intolerável" prender alguém por dar uma bofetada, e considerou a legislação que protege as vítimas, uma ingerência da justiça nos assuntos da família.

Este é um claro retrocesso civilizacional, uma violação descarada dos direitos humanos, consagrados desde 1948, a partir dos quais muitas outras recomendações e declarações tem sido feitas, como a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação contra a mulher (1981) ou a Declaração sobre eliminação da violência sobre as mulheres (1993).

Esta é uma decisão jurídica que esconde a realidade de milhares de mulheres russas agredidas todos os anos. De acordo com os últimos dados do governo russo, que deixou de publicar estatísticas em 2008, seriam então 13.000/ano o número de mulheres mortas por atos de VD.

Para além do femicídio, um fenómeno que, infelizmente, também ocorre em Portugal, em 2015, morreram 29 mulheres às mãos dos companheiros ou cônjuges (428 casos entre 2004 e 2015 segundo a APAV), a violência doméstica reflete, necessariamente, uma sociedade desigual.

A coberto de tradições ou religiões, aceitam-se e aprovam-se relações baseadas no desrespeito pela dignidade humana e no poder masculinizado. Naturaliza-se a força física como linguagem de correção e fecha-se os olhos perante a humilhação, o abuso e a violação dos direitos do outro, a cobro de uma pertença sacralidade da família ou proteção da intimidade e do mundo privado que a definem.

As relações familiares não conferem direitos de propriedade sobre cônjuges ou filhos. São compromissos de cooperação, partilha e proteção mútua.

No entanto, a VD prova que a proximidade familiar pode constituir um risco, principalmente para as mulheres, as crianças, os idosos e as pessoas portadoras de deficiência. Mais do que as agressões físicas, "disfarçadas" ou consideradas como simples "bofetadas", está em causa a integridade emocional e psicológica das vítimas. Os agressores sabem como dominar as vítimas, "sem lhes causar dano físico". Denunciar é a única defesa da vítima. Infelizmente, apesar de em Portugal a violência doméstica ser um crime público desde 2000, a grande maioria das participações são arquivadas por falta de provas (78% dos casos de denúncia em 2015, segundo o relatório do Min. Adm. Interna).

(artigo publicado no A.Oriental de 21 fevereiro 2017)

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