Vai à adega...
Em dia de São Martinho, vai à adega e prova o vinho!
Esta é a máxima que, todos os anos, se recorda no dia 11 de novembro.
Desde a vindima que o mosto, primeiro sumo de uva, se transforma em vinho, numa química natural onde os aromas, a temperatura e a madeira do pipo são fundamentais, para diferenciar um bom de um mau vinho.
A tradição vinícola em Portugal é antiga e marca a gastronomia e o território, com a presença das adegas junto às casas rurais ou em lugares isolados, próximo das vinhas e dos vinhedos, como se observa nas ilhas, particularmente no Pico.
A adega é um lugar de provas e de segredos, porque fazer vinho é uma arte e uma ciência e nem todos sabem misturar castas, controlar o grau alcoólico ou equilibrar sabores e aromas. Quem leia a descrição de um vinho, parece ouvir um poema; aroma frutado, com sabor a madeira, possui um corpo leve, estruturado, de cor clara, intenso, refrescante, com um final persistente no palato.
O vinho faz parte da cultura portuguesa, particularmente da açoriana, onde a tradição ligada ao vinho de cheiro, ganhou recentemente outra qualidade, com castas selecionadas e adaptadas que produzem vinhos de excelência no Pico, na Terceira e até em São Miguel.
A vitivinicultura é um importante sector da nossa economia agrícola, reconhecida como património mundial, no caso das vinhas do Douro e do Pico.
Mas o vinho não tem só qualidades e predicados de excelência.
Infelizmente, está na origem de consumos excessivos, aditivos, que transformam esse néctar, num tóxico, quando bebido sem moderação.
É certo que o fenómeno do alcoolismo está cada vez mais associado a outras bebidas alcoólicas, destiladas, importadas e, sobretudo, misturadas com refrigerantes, que disfarçam o teor alcoólico e "escorregam" mais facilmente.
Mas, se Portugal é premiado pela excelência dos seus vinhos, infelizmente, é um dos piores países em matéria de prevenção do consumo excessivo. De acordo com o relatório anual do Serviço de Comportamentos Aditivos (2018), dominam as atitudes do "laissez-faire", ou seja, um baixo controlo do consumo excessivo, particularmente entre os jovens. Estamos perante uma realidade que afeta a população entre os 15 e os 34 anos, particularmente, do sexo masculino.
Mas, não nos iludamos. O consumo excessivo também afeta as mulheres, sobretudo, quando estas o fazem de forma dissimulada no espaço doméstico.
Aparentemente, de acordo com o último relatório da OCDE, houve uma redução do consumo alcoólico entre 2007 e 2017, mas Portugal, no contexto dos países avaliados, continua com elevado consumo, ocupando o 11º lugar, com 8,9 litros por ano, por pessoa.
A produção de vinho projeta o país, de forma positiva, mas também o desvaloriza, quando constitui uma das principais causas de morte, acidentes e atos violentos.
Sem negar a importância deste produto na nossa cultura, a beleza das vinhas, a história das adegas ou o lugar que ocupa na gastronomia, não podemos esquecer que o consumo excessivo gera dependência, destrói famílias, leva ao absentismo laboral e potencia comportamentos agressivos e irrefletidos.
Só mesmo a moderação e a sobriedade, permitem levantar o copo e dizer: saúde!
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 12 novembro 2019)