Ser açoriano hoje
Ser açoriano é sentir uma onda de tranquilidade, ao som das vagas que banham as rochas negras e fazem rolar os calhaus da pequena enseada, que na maré baixa se transforma em praia de areia cinzenta, marcada por leves pegadas de garajaus e gaivotas.
Ser açoriano é encontrar-se consigo mesmo diante desse mar que se perde no horizonte, num azul sempre diferente, ora escuro e denso, ora translúcido e quase esverdeado, desvendando a encosta submersa da ilha, reserva natural que serve de maternidade a algumas espécies de peixes.
Ser açoriano é ser forte como as gaivotas que em voo rasante desafiam ventos ciclónicos, enquanto se vergam as árvores e se viram a copa dos guarda-chuvas.
Ser açoriano é ficar emocionado diante da bandeira do Divino Espírito Santo que entra em casa, em dia de distribuição da pensão, seguida dos tocadores que entoam o hino. Dia de fartura, que o povo come religiosamente, agradecendo as dádivas e pedindo por mais um ano de saúde e trabalho.
Ser açoriano é partilhar a alegria dos que regressam com saudades da sua terra e sentir as lágrimas correr, na hora da bênção do quarto onde se ergue a coroa e a bandeira do Espírito Santo, quando todos rezam um Pai Nosso pela família do mordomo.
Dou graças por ter nascido nesta terra, onde o verde se mistura com o azul e a chuva se entrelaça com o sol para se transformar em arco-íris.
É uma sorte nascer ou viver nestas ilhas, diversas mas unidas, diferentes nos modos de ser e de viver, no sotaque e nos sabores, mas integradas numa única condição, a de ser açoriano. Somos um povo insular e é nessa insularidade que nos irmanamos, quando confrontados com a distância do continente ou até a ignorância de alguns que, vivendo num território contínuo, desconhecem e desvalorizam o ser ilhéu.
Somos açorianos e hoje festejamos a autonomia que em termos políticos nos permite afirmar a nossa diferença, sem negar a portugalidade a que pertencemos. Temos uma história própria, que a Constituição portuguesa e o Estatuto político administrativo consagram e confirmam nos órgãos de poder próprio, mais próximos e adaptados ao que sente e precisa o nosso povo.
Hoje festejamos o dia da Região na Vila da Povoação, a primeira comunidade micaelense, nascida no século XV, mais de dez anos depois de Santa Maria ter sido povoada.
A história dos Açores nasce da coragem desses navegadores que se aventuraram por mar em busca de novos territórios para Portugal; a mesma força que hoje anima os que aqui vivem e lutam.
Dessa coragem e tenacidade depende o futuro das nossas ilhas e das nossas gentes. Tal como os primeiros povoadores transformaram terrenos pedregosos em terras de pão e pastagens, ser açoriano hoje é desafiar ventos e resistir às adversidades, é defender a autonomia e afirmar os Açores no mundo.
Hoje mais do que em qualquer outro dia, festejamos a açorianidade e agradecemos a dádiva de ter nascido ou viver nestes pedaços de terra com raízes no mar, onde o olhar se perde no horizonte, lugar onde o céu se funde com o mar.
(publicado no Açoriano Oriental de 28 Maio 2012).