Sacrifícios, para quê?
Vivemos tempos difíceis, muito difíceis. Mas será que as medidas que nos estão sendo impostas nos irão tirar desse sufoco?
O governo da República, por querer cumprir com os compromissos internacionais, carrega na austeridade, mas não para todos. Infelizmente, quem trabalha na base da administração pública, e são muitos, fica sempre na linha de mira.
Em 2012 e 2013, vão retirar os subsídios de natal e de férias a quem recebe mais de 1000 euros por mês, congelar as pensões e aumentar o IVA para 23% em produtos alimentares, ditos não essenciais, como o leite achocolatado ou as pizzas, mas não tocam no vinho, supostamente para defesa da vinicultura portuguesa. Ficarão mais caras as idas ao restaurante, cinema e outras fontes de lazer de carácter cultural.
O quadro que o primeiro-ministro pintou para os próximos anos mostra um povo a viver com muito menos, a pagar muito mais e, ainda por cima, a desistir de procurar no lazer, seja em férias mou numa ida ao restaurante ou teatro, qualquer forma de compensação para o desgaste vivido. Ao que parece, só se for com um copo de vinho português! Triste compensação, para um país com tão graves problemas de alcoolismo.
Com estas medidas, dizem os economistas, o país vai entrar ou agravar o fenómeno de recessão, ao que podemos acrescentar, e terá um grave problema de saúde mental. Vão aumentar o número das depressões, das rupturas familiares e das fugas para o estrangeiro, particularmente daqueles que, até agora, viveram numa situação de grande controlo e contenção das suas despesas.
Fala-se em sacrifícios por parte de todos os portugueses mas, na realidade, as medidas mais gravosas que foram anunciadas recaem, sobretudo, na classe média deste país, que nunca foi muito afortunada, porque vive do seu ordenado mas que, de alguma forma, dinamiza o comércio e investe na formação e qualificação dos jovens e dos activos.
Apetece perguntar a este governo, o que pretende? Encher os cofres do Estado, para pagar a dívida e, ao mesmo tempo, destruir a motivação e a esperança de quem irá contribuir para esse pagamento? Será que se recolhe mais receita da restauração ou das indústrias culturais, reduzindo o número de consumidores e encerrando muitos desses estabelecimentos?
O país não pode continuar a ouvir falar de austeridade em discursos inflamados que, ao contrário de congregarem o espírito patriótico de quem quer contribuir e ajudar, apenas conseguem fazer com que deixemos de acreditar no futuro.
Todos sabemos da capacidade do ser humano em se sacrificar, mas isso só acontece quando existe um propósito, uma razão. Pedir às famílias, particularmente aos funcionários públicos, que já vivem dificuldades, que empobreçam para que os cofres do estado se encham e, ao mesmo tempo, cortar nos apoios e incentivos à qualificação, aumentar a carga horária dos trabalhadores e dificultar o acesso a benefícios sociais, é injusto e não tem explicação possível.
Há que contrabalançar, austeridade com estímulo ao desenvolvimento; perda de rendimento, com segurança e aumento do mercado de emprego; redefinição de prioridades, com maior investimento nas capacidades humanas, no potencial intelectual e inovador das pessoas.
O país precisa de ter esperança e acreditar em si mesmo.
Que futuro se perspectiva para um país empobrecido, que pagou as contas, mas desistiu de acreditar no futuro?
Os sacrifícios são necessários, mas só fazem sentido se forem contrabalançados com razões de esperança.
(publicado no Açoriano Oriental, 17 Outubro 2011)