Tristezas não pagam dívidas
Assim fala a voz do povo, exaltando o lugar da alegria na vida!
A tristeza enfraquece a mente e o corpo e retira o ânimo (rouba a alma) que abre os olhos para o lado bom da vida. Por mais pequeno que seja, há sempre um lado bom, até nesta pandemia, que nos obriga a viver o carnaval de forma diferente, sem bailes ou grandes desfiles, sem fantasias compradas ou máscaras!
“Não entregues a tua alma à tristeza. Não atormentes a ti mesmo em teus pensamentos. A alegria do coração torna mais longa a vida.” (Ecl,30)
Este é o momento para a verdadeira alegria, essa que vem do coração, que nos faz rir de vontade, diante da criança que nos desafia a pensar, do cachorro que rouba o doce da cozinha, das asneiras de quem não sabe fazer e tenta, mesmo assim!
Há milhentas razões para nos alegrarmos, porque não faltam momentos, coisas pequenas da vida, que nos fazem sair de dentro dessa caixa de certezas e convicções!
Se calhar, noutros carnavais, fomos forçados a nos divertir, porque os outros faziam o mesmo. Mas, houve dias em que essa alegria não vinha do coração, era mais fabricada.
Claro que o Carnaval é importante, aliás é fundamental no calendário cultural de muitas comunidades. É o tempo para descarregar as tensões e libertar o corpo das convenções!
A Antropologia ensina-nos a olhar este tempo como “interrupção” de regras, inversão dos papeis sociais e oportunidade para a crítica em público, verdades ditas a brincar, como acontece nos enredos, que animam os bailinhos da Terceira ou os desfiles das escolas de samba no Brasil.
Esta interrupção traz alegria, porque liberta da tensão, solta os não-ditos e, sendo um tempo de “faz-de-conta” e fantasia, permite “ser verdadeiro”.
E a verdade liberta a alegria do coração, por vezes presa na lógica do “não vou dizer para não magoar, não vou intervir ou dizer o que penso, para não ser rejeitado”.
Este é o tempo para a alegria, porque a tristeza não paga dívidas, nem melhora a situação que atravessamos, mergulhados nesta espera de um tempo diferente, sem o risco de contrair uma doença, que parece não querer ir embora sem deixar um rasto de desgraça e destruição.
Só há uma forma de lidar com esta pandemia, é não deixar que esta situação nos “destrua” a alma e a alegria de viver.
A propósito do dia de hoje, terça-feira de Carnaval, e lembrando um ensinamento do meu pai, é dia para podar as roseiras, e outras plantas. Este é o tempo para retirar o que está seco e podre e reforçar os ramos que podem florir e dar fruto.
O carnaval não é apenas o tempo da fartura, dos fritos e dos excessos, é um tempo de viragem no calendário, que corresponde a um recomeço, à eterna possibilidade que cada um de nós tem, para mudar de rumo e escolher fazer diferente. Não são precisas grandes mudanças, mas pequenos gestos ou propósitos.
E acreditem que, podar e limpar as plantas do que as consome e destrói, é uma verdadeira fonte de alegria.
Terça-feira de Carnaval marca a transição para um novo tempo, que pode ser de renovação, se assumirmos que a vida é transitória e não há tempo para deixar a tristeza entrar no coração e o esvair do ânimo e da vontade de lutar. Se isso acontecer, então não teremos como “pagar as dívidas”. E os tempos que aí vem não vão ser fáceis.
Por isso, como diz a canção brasileira: “Tristeza, por favor vai embora! Quero voltar aquela vida de alegria! Quero de novo cantar!”
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 16 fevereiro 2021)