Ninguém vai mudar o mundo
Ninguém vai mudar o mundo, mas pode fazer a diferença na rua onde mora, na empresa onde trabalha, na escola onde leciona ou na família a que pertence.
E fazer a diferença não é mais do que criar laços, “fazer crochet” entre as pessoas, evitar o abandono e o esquecimento, não permitir que alguém fique isolado ou seja discriminado; integrar e incluir; em suma, ser comunidade.
O mundo das sociedades, ditas desenvolvidas, parece tocado pelo vírus do individualismo, valoriza a ambição desmedida e exalta pessoas de sucesso, que dizem banalidades. Pouco importa se uma grande maioria não consegue sair da pobreza ou da marginalidade. Problema deles! Não merecem, não souberam ou não quiseram aproveitar a esmola; é gente que não tem, não pode, entre muitos outros “nãos”. Por isso vão sendo empurrados para um canto, retirados de medidas de apoio da segurança social, porque não cumpriram, pouco importa se ficam na miséria.
Onde está a comunidade que inclui, a sociedade inclusiva onde todos têm um lugar?
Não há inclusão sem abertura. Esta é a chave que combate as desigualdades estruturais que afetam o nosso mundo, não apenas o global, que se desmantela em guerras, envenenado pelo ódio humano, pela destruição de irmãos que viraram “inimigos”, em nome de um Deus de olhos inflamados.
A chave do problema está na abertura ao outro, na partilha e na comunicação. Não faltam testemunhos de israelitas judeus que falam de como viviam em comunidade com cristãos e muçulmanos, antes do conflito. Não falta quem tenha na família pessoas israelitas e palestinas e todos falam a mesma língua.
A chave que abre os guetos, altera as periferias e constrói comunidades de paz, está na abertura, no contacto.
Veja-se o exemplo dos bairros sociais, que se transformaram em zonas habitacionais onde ninguém entra, se não for residente. Onde estão os transportes públicos a servir essas comunidades? Onde estão os espaços comerciais, as feiras ou mercados? As festas e os arraiais? A igreja ou a escola? Os jardins e os parques infantis? A vida em comunidade?
Engavetaram-se famílias em habitações, porque precisavam de um teto, mas esqueceu-se tudo o resto. E o resto é muito. Aliás, na vida em sociedade, na economia ou na estatística, o resto sempre foi uma categoria cheia de sentido. Afinal, no resto juntam-se os outros, os “diferentes”, aqueles que não conseguimos “encaixar” nas categorias/padrão, maioritárias.
Mudar o mundo é, antes de mais, olhar de perto a diferença e criar formas de vida comum. Nem é preciso inventar, as pessoas sabem como; as crianças ensinam como se pode brincar quando há meninos de cor de pele diferente ou quando uma delas é portadora de deficiência. Mas, dirão alguns, as crianças por vezes são más!
Mas aprenderam com quem a sê-lo? Quem lhes ensinou a não brincar com o filho de alguém ou a evitar os que moram no bairro?
Podemos mudar o mundo derrubando barreiras, desigualdades estruturais que estamos a construir na sombra, por exemplo, entre turistas que pagam e residentes que dizem ser caro demais; entre pedintes que ocupam o passeio e esplanadas onde se vende comida ao dobro do preço justo.
Podemos mudar o mundo, sim! Mas, não basta denunciar e apontar os erros dos outros. É preciso agir! E para isso, importa pensar no que cada um de nós pode fazer de diferente, novo e melhor.
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 21 de novembro 2023)