Confiar
De acordo com os últimos resultados do Inquérito aos Valores Europeus, os portugueses são dos cidadãos europeus que menos confiam. Não confiam nos outros, perderam o sentido de confiança na palavra, que outrora selava um compromisso, não confiam naqueles que elegeram, sendo por isso pessimistas em relação ao futuro, que duvidam possa ser melhor do que o presente.
A falta de confiança favorece o fatalismo, a submissão e a visão dramática da vida como um fado, um fardo, que oprime e reduz a liberdade individual. Sem confiança, os portugueses dificilmente poderão libertar-se do medo e da baixa autoestima, porque quem não confia no ser humano, não será alguém de confiança.
A falta de confiança é no fundo um sintoma de falta de fé em si mesmo.
Mas porque motivo serão os portugueses tão desconfiados?
A confiança aprende-se. Nas relações de entreajuda, na divisão de tarefas e na partilha de responsabilidades. Quando não se ensina e não se promove a cooperação, dificilmente se consegue reconhecer o mérito dos outros.
Se não se valoriza a importância do dar, mesmo quando não se recebe e não se aprende a ouvir os elogios ou as repreensões, dificilmente se constrói cidadãos confiáveis e confiantes.
A confiança é um valor fundamental na vida de uma sociedade.
É a confiança que protege o artista de circo quando se atira do trapézio para os braços do companheiro. É a confiança que nos faz comer os alimentos que outros confecionaram. É por confiarmos que acreditamos.
Quando se perde a confiança não é apenas uma relação no presente que se rompe, mas todo um passado que se contamina e um futuro que se compromete. Será que fui enganado? Serei capaz de voltar a acreditar?
Mas porque desconfiam os portugueses? Porque se perde a confiança nos outros, particularmente nos que elegemos ou em quem delegamos uma responsabilidade?
Merecer a confiança de um eleitorado é aceitar defender o bem-comum sem disso tirar proveito pessoal. Ser confiável é colocar a defesa dos direitos de todos em primeiro plano, sem ter a preocupação de assinar por baixo, sempre que se consegue ou se vence um obstáculo. Infelizmente há por aí quem não seja de fiar, porque abusa, prefere a esperteza, os pequenos poderes, que favorecem o imediatismo do benefício.
Confiamos nas pessoas que mantêm a integridade, ou como diz o povo que têm coluna vertebral, são fiéis aos princípios que dizem defender, coerentes no agir com as palavras que professam, leais com quem e com o que se comprometem e firmes quando se trata de defender um ideal.
Ao invés, não merece confiança quem se vinga quando perde, quem nunca reconhece quando falha ou é capaz de prejudicar quem o ajudou. Mais depressa se perde confiança do que se ganha e, por vezes, não é fácil reconquistar essa confiança, depois de perdida.
A confiança é um bem que engrandece quem a merece. Mas confiar nos outros não é desistir de ser, nem demitir-se de agir ou de estar atento. Também se perde por excesso de confiança, quando não se mede os riscos e se deixa guiar por quem não sabe, sem nunca questionar para onde nos estão levando.
Se a confiança está a faltar aos portugueses, mais coerentes terão de ser os governantes deste país. Porque não basta parecer é preciso ser, de confiança.
(publicado no Açoriano Oriental de 7 Novembro 2011)