Viver a crise
Os últimos tempos têm sido marcados, a nível europeu e em Portugal em particular, pelos números da dívida soberana, por taxas de juros que sobem e rendimentos que descem ou vão ser cortados.
Não é novidade termos chegado a este tempo de dificuldades. Sabíamos que a crise do chamado “subprime” nos Estados Unidos iria ter consequências desastrosas na Europa, somente não se sabia qual o grau de incidência em cada país.
Alguns dirão, por culpa dos governos, outros encherão a boca com o nome do primeiro-ministro, fazendo de uma pessoa o bode expiatório de todos os males.
As dificuldades que nos afligem hoje e que irão se agravar nos próximos tempos merecem mais atenção do que um simples apontar o dedo a culpados, como fazem os irresponsáveis. Todos temos responsabilidades no que falhou.
Somos um povo de memórias. Quando nos elogiamos, recuamos ao tempo das descobertas para encontrar o arrojo e o espírito de aventura dos portugueses. Se queremos encontrar causas para os atrasos estruturais, acabamos sempre por reconhecer o impacto negativo de meio século de ditadura, que fragilizou o tecido económico e reduziu as ambições do país em matéria de qualificações. E, depois, quando analisamos o impacto que esses movimentos tiveram, descobrimos portugueses nos quatro cantos do mundo, como povoadores ou emigrantes, à procura de terra, tesouros ou empregos melhor remunerados.
Isto é, quando a dificuldade apertou, sempre encontramos uma saída, fugir, procurar melhor noutro lado. Ainda agora, perante o difícil momento que o país atravessa, muitos pensam na emigração. “Este país não me dá outra alternativa, não há nada que me prenda aqui!” referia um jovem licenciado à procura de emprego.
Pergunta-se, e que alternativa damos nós ao país? Não queremos restrições, mas também não investimos na produção de riqueza; não concordamos com subsídios, mas se pudermos nos reformar antes do tempo, tanto melhor, e se der para meter uma baixa, os outros que trabalhem.
A história portuguesa contrasta na capacidade de lutar, com a fuga perante a dificuldade; na apologia da inovação, com as vozes críticas e conservadoras que receiam mudar procedimentos. Falhamos, porque não reconhecemos a tempo a urgência de qualificar e inovar em sectores tradicionais e, entretanto, vivemos segundo a velha fórmula do “desenrasca-te e improvisa”. Não quisemos acreditar que esta máxima tinha os dias contados.
Agora que a crise já não é um cenário, mas uma realidade concreta, só resta rever o passado e reestruturar o futuro. Fugir, emigrar, desistir é dar um sinal de fraqueza, “entregar os pontos” e assumir que só enfrentamos desafios quando emigramos.
Não é o fim do mundo viver uma crise económica. Os povos de outros países europeus (Islândia, Grécia, Irlanda, Espanha, Reino Unido, Itália, Holanda, França), se bem que a níveis diferentes, estão a combater tenazmente esta adversidade conjuntural. É possível sair da crise, porque conhecemos as armas para a enfrentar. Pior seria viver uma guerra, ficar à mercê, sem ter como se defender.
A questão principal está em deixar de “viver em crise” e passar a “viver a crise”, ou seja, enfrentar as dificuldades e não se afogar nelas, identificar fraquezas e forças e não sucumbir à letargia e passividade ou virar costas.
(publicado no Açoriano Oriental de 11 Abril 2011).