(Para)Olímpicos
Porque razão não são transmitidos os Jogos Paraolímpicos, em canal aberto, na televisão pública portuguesa?
Será porque não tem interesse? Não representam exemplos de superação física e emocional? Ou não será antes porque a deficiência ainda é discriminada nas relações e na sociedade, nas televisões e na programação “comercial”, mesmo nos canais públicos?
Quem queira acompanhar estes atletas, extraordinários, só o poderá fazer através da internet, na RTP-Play, ao contrário do que aconteceu com os jogos Olímpicos, com direito a emissões em direto, madrugada dentro, devido à diferença horária com o Japão, país onde acontecem os jogos de 2021.
Apesar de não terem nascido na Grécia, os Jogos Paraolímpicos representam uma importante demonstração de como o ser humano consegue, e pode, se superar, apesar das mais difíceis condições e limitações.
Esta organização desportiva nasceu em tempo de guerra (1948), da iniciativa de um médico neurologista (Ludwig Guttmann), que encontrou no desporto uma forma de estimular a recuperação dos feridos de guerra. Preocupado com essas pessoas, mutiladas, cegas, sem vontade de viver, Guttmann organizou anualmente os “Jogos de Stoke Mandeville”. Em 1960, este evento saiu da Inglaterra para se internacionalizar em Roma, onde se realizaram os primeiros jogos Paraolímpicos, “em paralelo” com os jogos Olímpicos desse ano. Há quem os designe de Paralímpicos, termo de sentido diferente, já que funde as palavras Paraplegia e Olímpicos.
A história dos Jogos Paraolímpicos está recheada de obstáculos, impedimentos, incompreensões e falta de apoios. Bastaria recordar o exemplo dos Jogos do Rio de Janeiro quando, em vésperas da sua realização, a organização foi confrontada com falta de dinheiro, porque o comité dos jogos olímpicos havia desviado a verba que lhes estava destinada.
Estas e outras situações revelam a dificuldade que, ainda agora, é vivida por quem sente na pele a diferença, mesmo quando demonstra a sua capacidade de superação. O estereótipo do “coitadinho” que se cola ao corpo, esquecendo a pessoa, alimenta relações de discriminação, menorização e constrói uma sociedade desigual, injusta e verdadeiramente amputada.
Convido-vos a irem à Rtp-play e a assistirem a uma qualquer prova dos Jogos Paraolímpicos. Tenho a certeza de que irão se sentir “pequeninos”, perante a grandeza daqueles atletas. Um documentário sobre estes Jogos, disponível na plataforma Netflix, mostra-nos a história de vários atletas cuja deficiência resulta de alterações genéticas, sequelas de doenças, acidentes ou guerras. O corpo diferente, não lhes rouba a dignidade, por isso merecem respeito, acrescido de admiração, pela forma como não se entregam às suas limitações e são capazes de mostrar união e dar prova de que o mundo pode e deve ser inclusivo, ou se quisermos, imperfeito, porque essa é a condição humana.
A perfeição, a existir, será sempre subjetiva, relativa, porque mais não é do que o melhor resultado que podemos alcançar, quando temos de lidar com as nossas imperfeições, limites e condicionantes, que nos fazem ser humanos. Não há vidas perfeitas. Todos temos limitações, algumas não visíveis, mas que estão lá, impedindo-nos de lutar contra o medo de arriscar, de sair do sofá e caminhar.
Quem se acha “perfeito”, é cego, porque incapaz de ver e aprender com quem é diferente!
E diferentes, somos todos nós!
texto publicado no Jornal Açoriano Oriental de 31 agosto 2021 (Nota: quando o texto foi escrito, apenas a cerimónia de abertura dos Jogos ParaOlímpicos tinha sido transmitida pela RTP. No entanto, a 31 de agosto, a RTP2 transmitiu algumas provas, nada que se compare com as transmissões que ocorreram nos Jogos Olímpicos).