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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Ninguém vai mudar o mundo

Ninguém vai mudar o mundo, mas pode fazer a diferença na rua onde mora, na empresa onde trabalha, na escola onde leciona ou na família a que pertence.

E fazer a diferença não é mais do que criar laços, “fazer crochet” entre as pessoas, evitar o abandono e o esquecimento, não permitir que alguém fique isolado ou seja discriminado; integrar e incluir; em suma, ser comunidade.

O mundo das sociedades, ditas desenvolvidas, parece tocado pelo vírus do individualismo, valoriza a ambição desmedida e exalta pessoas de sucesso, que dizem banalidades. Pouco importa se uma grande maioria não consegue sair da pobreza ou da marginalidade. Problema deles! Não merecem, não souberam ou não quiseram aproveitar a esmola; é gente que não tem, não pode, entre muitos outros “nãos”. Por isso vão sendo empurrados para um canto, retirados de medidas de apoio da segurança social, porque não cumpriram, pouco importa se ficam na miséria.

Onde está a comunidade que inclui, a sociedade inclusiva onde todos têm um lugar?

Não há inclusão sem abertura. Esta é a chave que combate as desigualdades estruturais que afetam o nosso mundo, não apenas o global, que se desmantela em guerras, envenenado pelo ódio humano, pela destruição de irmãos que viraram “inimigos”, em nome de um Deus de olhos inflamados.

A chave do problema está na abertura ao outro, na partilha e na comunicação. Não faltam testemunhos de israelitas judeus que falam de como viviam em comunidade com cristãos e muçulmanos, antes do conflito. Não falta quem tenha na família pessoas israelitas e palestinas e todos falam a mesma língua.

A chave que abre os guetos, altera as periferias e constrói comunidades de paz, está na abertura, no contacto.

Veja-se o exemplo dos bairros sociais, que se transformaram em zonas habitacionais onde ninguém entra, se não for residente. Onde estão os transportes públicos a servir essas comunidades? Onde estão os espaços comerciais, as feiras ou mercados? As festas e os arraiais? A igreja ou a escola? Os jardins e os parques infantis? A vida em comunidade?

Engavetaram-se famílias em habitações, porque precisavam de um teto, mas esqueceu-se tudo o resto. E o resto é muito. Aliás, na vida em sociedade, na economia ou na estatística, o resto sempre foi uma categoria cheia de sentido. Afinal, no resto juntam-se os outros, os “diferentes”, aqueles que não conseguimos “encaixar” nas categorias/padrão, maioritárias.

Mudar o mundo é, antes de mais, olhar de perto a diferença e criar formas de vida comum. Nem é preciso inventar, as pessoas sabem como; as crianças ensinam como se pode brincar quando há meninos de cor de pele diferente ou quando uma delas é portadora de deficiência. Mas, dirão alguns, as crianças por vezes são más!

Mas aprenderam com quem a sê-lo? Quem lhes ensinou a não brincar com o filho de alguém ou a evitar os que moram no bairro?

Podemos mudar o mundo derrubando barreiras, desigualdades estruturais que estamos a construir na sombra, por exemplo, entre turistas que pagam e residentes que dizem ser caro demais; entre pedintes que ocupam o passeio e esplanadas onde se vende comida ao dobro do preço justo.

Podemos mudar o mundo, sim! Mas, não basta denunciar e apontar os erros dos outros. É preciso agir! E para isso, importa pensar no que cada um de nós pode fazer de diferente, novo e melhor.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 21 de novembro 2023)

 

Trabalho para todos

"As pessoas com deficiência devem ter a oportunidade de ganhar a vida através de um trabalho livremente escolhido ou aceite num mercado de trabalho aberto" (Convenção para os Direitos das Pessoas com Deficiência - artigo 27º).

O texto da Convenção, aprovado em 2007 pelas Nações Unidas, foi ratificado pelo governo português em 2009 (Resoluções nº56 e 57/2009 de 30 de julho).

Mas o que fizemos das orientações, reconhecidas, que incentivam a integração e a inclusão das pessoas com deficiência, em particular, no mercado de trabalho?

A resposta é, muito pouco.

Mas se acreditamos no sentido das leis que aprovamos, há que tomar consciência porque não as concretizamos. Governos, autarquias, mas também escolas, empresas, famílias e cada um de nós, esquecem, excluem e rotulam, todos os dias, pessoas diferentes, sem ter a preocupação de as conhecer.

Segundo dados das Nações Unidas, nos países europeus, 50 a 70% das pessoas com deficiência, em idade adulta, estão no desemprego. E, na maioria dos países, incluindo Portugal, a taxa de desemprego, nestes casos, é duas ou três vezes superior à das pessoas que não têm deficiência.

Falar de pessoas com deficiência significa um leque muito variado de limitações, desde físicas a sensoriais, de natureza mental ou relacional. Infelizmente, como refere a página da Associação Salvador (www.associacaosalvador.com) menos de 2% das pessoas, que mencionam no seu currículo vitae serem possuidoras de uma deficiência, são chamadas para entrevistas de emprego.

O mundo do trabalho fecha as portas a cidadãos, cujo potencial desconhece. E, essa é a primeira medida a tomar: consciencializar. Nesse sentido, saúdo a iniciativa da autarquia da Lagoa, com a organização de ações, durante o mês de abril, sobre o autismo.

É preciso conhecer os cidadãos portadores de deficiência, o seu grau de autonomia e capacidade, as competências, que não revelam numa entrevista, mas demonstram na prática, em condições adequadas às suas limitações.

Veja-se o exemplo dos autistas, cujo leque de perturbações pode ser muito amplo, mas cujas capacidades de organização, atenção ao detalhe e precisão podem ser excecionais. Empresas de sucesso como a Specialisterne (Dinamarca) ou a Green Bridge Growers (E.U. América) empregam mais de 70% de pessoas portadores de Perturbações do Espectro do Autismo (PEA).

Porque não nos Açores? Porque não com as empresas públicas ou privadas da região?

As empresas que abrem portas à inclusão de pessoas portadoras de deficiência não são alternativas menores, mas demonstram um sentido de responsabilidade social e consciência de quem não se fica pelas aparências, mas descobre, em todos os cidadãos, uma mais valia para a concretização dos seus objetivos.

Segundo o fundador da Specialisterne, empresa do ramo da informática, os cidadãos com PEA apenas necessitam de um ambiente calmo, que seja respeitada a sua rotina e lhes sejam dadas orientações precisas.

Em dia do trabalhador, urge tomar consciência do que fazemos (ou não) pelos cidadãos portadores de deficiência, que querem entrar no mercado de emprego e a quem se aponta, como alternativa, o recurso aos apoios sociais.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 1 maio 2018) 

 

 

Diferença ou desigualdade

A diferença não significa desigualdade. A diferença faz descobrir o outro, enriquece, aumenta o potencial de partilha e favorece a complementaridade. A desigualdade afasta, empobrece as pessoas e os povos, dificulta a solidariedade e é pretexto para o abuso de poder e a exploração.

A diferença de género não pode justificar as desigualdades sociais, económicas e até políticas que ainda hoje marcam a relação entre homens e mulheres.

Há quem procure na biologia, no instinto ou num quadro mais ou menos fixo de funções psicoafetivas, uma explicação para justificar a condição social de género. Levantam-se vozes para culpabilizar as mulheres pela baixa de natalidade, pela diminuição da taxa de fecundidade, pelo envelhecimento do país. E, chega-se ao ponto de propor que voltem para casa, que tenham filhos e se dediquem a eles deixando a vida económica e a participação política aos homens, que esses não têm tais responsabilidades; a eles não lhes cabe mudar fraldas ou ensinar as gerações futuras a respeitar valores de igualdade e tolerância.

Reduzem as vidas das mulheres à sua capacidade procriativa, como se esta fosse uma responsabilidade feminina e não um desígnio do ser humano. Apesar da taxa de fecundidade calcular os nascimentos em função do número de mulheres em idade reprodutiva (15 a 49 anos), a decisão de ter um filho devia ser uma escolha consciente. Porque, a relação que daí resulta, é mais do que a maternidade ou a paternidade, consubstancia o que hoje se designa por parentalidade, ou seja, a relação de duas pessoas, que podem ser pais biológicos ou não, com os filhos.

Os filhos não nascem por causa das mulheres, nem pela vontade única destas. São a realização dos seres humanos que assim passam testemunho, dão continuidade à própria vida em sociedade e transmitem uma herança social, mais do que genética, garantindo a sobrevivência da espécie e dos povos.

A diferença gera complementaridade. Homens e mulheres complementam-se na criação, nas funções familiares, nas tarefas, no pensar e no transformar o mundo que os rodeia.

E a complementaridade é sinónima de partilha de responsabilidades. E, partilhar responsabilidades é assumir a construção da sociedade e os seus problemas.

Por isso, não há problemas das mulheres que também não sejam problemas de homens.

Na violência doméstica há 80% de mulheres vítimas, mas há 80% de homens agressores; na prostituição, por ventura 80% são mulheres, mas um grande número destas vive na dependência de homens que as exploram ou controlam as suas vidas. Na gravidez precoce, jovens mães acabam por ser vítimas da irresponsabilidade dos parceiros, quase sempre mais velhos, que as seduzem para uma relação sexual não protegida. Na monoparentalidade, um número elevado de mulheres fica legalmente com o encargo de sustentar os filhos, após um divórcio, uma viuvez ou simplesmente uma relação conjugal que não se concretizou.

Todos os problemas das mulheres são problemas dos homens. Mas, enquanto a diferença de género for pretexto para desigualdades sociais, desrespeito por direitos humanos, exploração e abusos de poder, estaremos longe de uma cidadania plena.

A diferença de género devia multiplicar e não dividir, enriquecer a partilha e nunca excluir ou discriminar.

(publicado no Açoriano Oriental de 12 Março 2012).

Desigualdades sociais

Somos todos iguais perante a lei, mas as desigualdades sociais permanecem.

Temos todos, direito à saúde, à educação, ao emprego, mas na realidade, as desigualdades persistem e marcam as relações humanas. Há quem espere por um exame médico no sistema público, por não poder pagar a um privado; há quem interrompa o percurso escolar quando atinge os 15 anos, por falta de motivação e incentivo familiar e muitos aceitam empregos precários, por terem fracas qualificações.
A desigualdade existe e seria uma ilusão pensar que alguma vez deixará de marcar as relações sociais, desde logo porque a idade, o sexo e o contexto familiar são factores de diferenciação. Por exemplo, a taxa de risco de pobreza é superior entre as mulheres e agrava-se no caso dos agregados com mais de três filhos ou em idosos isolados.
A questão fundamental é perceber porque razão determinadas condições sociais encerram e limitam a vida de alguns actores sociais, ao ponto de não conseguirem, poderem ou até mesmo quererem libertar-se desses constrangimentos?
A desigualdade social até pode explicar as diferenças no sucesso escolar, os níveis de criminalidade numa determinada comunidade, as taxas de desemprego ou o grau de iletracia mais elevados em alguns grupos sociais. Mas, se explica nunca pode justificar atitudes de descriminação e abandono. “Não vale a pena”, “não se pode esperar mais daqueles miúdos”, “coitados”.
Sempre que alguém esquece os que menos possuem ou menos conseguem, agrava as desigualdades sociais e transforma as dificuldades inerentes ao baixo nível de informação, qualificação ou educação, em fronteiras quase intransponíveis que encerram pessoas em guetos, destroem os sonhos das crianças e enquadram um destino limitado.
Somos todos responsáveis pela manutenção ou pela redução das desigualdades sociais.
Não basta dizer que somos todos iguais perante a lei, se ainda há quem desista de investir nos alunos problemáticos ou desvalorize as condições de trabalho dos que desempenham funções menos qualificadas.
Reconhecer a desigualdade social não deveria significar criar turmas de elite ou serviços de primeira e de segunda. Antes, deveria motivar uma acção mais consertada e integrada da comunidade. Olhando o sistema educativo, deveríamos saber romper com o determinismo da origem social. Como referia o Prof. David Justino, quando a escola pratica a “teoria da mochila”, pressupõe que o aluno é aquilo que transporta às costas. Este raciocínio determinista impede a saída desse ciclo vicioso, que reproduz dificuldades. “Já os pais não deram nada na escola”. Querer estudar, quando se vive numa família carenciada, é escolher um caminho diferente, difícil, exigente e nem sempre reconhecido. Por isso, é fundamental estimular, incentivar e sobretudo, compreender, no sentido sociológico deste verbo, ou seja, ter capacidade para contextualizar as dificuldades de um aluno e até dos pais, num universo de desigualdades sociais.
Perante situações de desigualdade social é urgente abandonar os rótulos que descriminam e, antes, estimular os percursos individuais que podem ser histórias de sucesso e de integração.
(publicado no Açoriano Oriental a 29 de Junho 2009)

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