Disfarce
Associamos o disfarce às fantasias de Carnaval. Pendurados nas lojas, as crianças escolhem os seus heróis, entre chapéus de cowboy e coroas de princesa.
Mas, disfarçar não é um exclusivo do Carnaval. Há quem viva iludido o ano inteiro, escondendo emoções, fugindo ao olhar dos outros, evitando o confronto, o incómodo, enganando-se a si mesmo, num faz-de-conta que confunde quem quer perceber onde está a verdade, o que é verdadeiro no seu discurso.
Há mesmo quem seja um perito no disfarce, que não abandona nem a dormir. São atores que encarnam personagens, mal se levantam, escolhendo a roupa certa, treinando o sorriso quando se olham ao espelho para apertar a gravata ou retocar a maquilhagem. Prontos para mais um dia de teatro, assumem de tal forma o disfarce, que poucos são aqueles que os conhecem, sem máscara.
Há mesmo pessoas que não admitem mostrar-se de outra forma. Nunca saem à rua sem estarem retocadas, nunca mostram o seu lado mais genuíno. Receiam que alguém as aborde, sem que tenham tempo de retocar ou recuperar o disfarce habitual.
Com o tempo, o disfarce, que permite incarnar um personagem na família, no emprego, particularmente na política, mais do que uma proteção e uma capa, acaba por esconder ou destruir a autenticidade. E esse personagem, que se constrói com fatos e maquilhagem e que, todos os dias, se estuda ao espelho, acaba colado à pele, confundindo-se com a própria pessoa.
O mais difícil de disfarçar é o rosto, são as olheiras que denunciam cansaço e aquela palidez da falta de sono. Por isso, ainda hoje, os italianos guardam a tradição das máscaras, que encobrem parte do rosto e que, segundo a história, permitiam aos membros de famílias brasonadas, poderem se misturar com o povo e viver o carnaval sem serem julgados pelo estatuto social.
Disfarce, disfarces, em boa verdade são difíceis de evitar. Todos nós construímos personagens com a indumentária com que nos vestimos, do frade ao médico, do sem-abrigo ao empresário. Construímos imagens em função da agenda, dos outros ou dos eventos, esperando que nos reconheçam nessas vestes e nos apreciem.
No Carnaval o disfarce é outro. Para alguns, uma oportunidade para se revelarem na brincadeira e na folia, para outros, uma imposição, já que sentem dificuldade em se divertir só porque assim dita o calendário.
Seja como for, precisamos de ser verdadeiros nas emoções, é fundamental para a qualidade das relações, sejam elas íntimas ou profissionais. A verdade não combina com disfarces.
Falar verdade, ir direto ao assunto e denunciar a falsidade, são fundamentais para a saúde das relações, necessários à qualidade de vida em sociedade, alicerces na construção de uma comunidade.
Precisamos de autenticidade. Todos sabemos que, por melhor que sejam, os disfarces um dia caem e a violência do embate é muito maior. Não vale a pena, fazer-de-conta que está tudo bem enquanto se escondem problemas reais.
Disfarce, mas não ignore!
(artigo publicado no Açoriano Oriental de 10 Fevereiro 2015)