São Valentim
Hoje é dia de São Valentim! Coitado do Santo! Nada tem a ver com o que fizeram do seu dia!
São Valentim ficou conhecido por ter contrariado as orientações do Imperador romano Claúdio II, quando este proibiu o casamento aos seus soldados, por julgar que, assim, estariam mais dedicados à causa militar, longe de um qualquer compromisso amoroso. Valentim, apesar dessa ordem, continuou a celebrar casamentos, em segredo, acabando por ser condenado à morte, tendo sido decapitado a 14 de fevereiro do ano 270.
Apesar de a igreja católica ter deixado de assinalar esta data, a fama de São Valentim, na defesa do amor, ficou associada aos namorados e hoje serve de inspiração para diferentes produtos comerciais, que estimulam as mais variadas manifestações de atenção e carinho.
Ainda não reservou a mesa, para um jantar à luz das velas, com um menu afrodisíaco, com ostras, chocolate e um vinho especial, decantado à luz do luar!? Não se esqueça das rosas vermelhas ou daquela almofada pintada, onde declara o seu amor, em inglês!
Ao observar os produtos do dia de São Valentim, pretexto para gestos de carinho, que é suposto acontecerem neste dia dos “namorados”, fica uma ideia de infantilização e superficialidade das relações amorosas. Os ursinhos de peluche e as almofadas, são disso exemplo. Mas não faltam outros exemplos, como canecas, caixas de bombons, garrafas de vinho, molduras e até cuecas, onde se podem ler frases como, “sem ti o mundo fica mais escuro”, “és a melhor prenda que já recebi”, “gosto de ti desde aqui até à lua”, “és a canção de amor que quero ouvir”.
O amor aparece neste dia como perfeito, doce, carinhoso e atencioso, mesmo em relações conflituosas, onde falta diálogo, compreensão, partilha de dificuldades e verdade. Embalados por uma campanha comercial, os casais vivem uma noite romântica, num jantar à luz das velas e esquecem o resto. E o resto, é a vida inteira, a construção da relação, que precisa de romantismo, ternura, atenção, mas também de partilha diária de dificuldades e opiniões.
De acordo com uma publicação da Ordem dos Psicólogos (“Vamos falar sobre divórcio”), entre outras razões, as “dificuldades de comunicação, o afastamento progressivo” e “o criticismo e conflitos constantes” estão na origem das situações de rutura e divórcio.
Em 2021 (Pordata), nos Açores, foram registados 72 divórcios por cada 100 casamentos celebrados, um número que contrasta com os 4,3 de 1984, e que ultrapassa, em muito, a média nacional em 2021 (59,5 divórcios/100 casamentos). Os Açores registaram em 2021 a “taxa de divorcialidade” mais elevada do país (2,5‰ na RAA contra 1,7‰ em Portugal).
Talvez seja tempo de pensar no essencial, o que realmente constrói uma relação conjugal e, sobretudo, o que a mantém estável, resistente aos “sismos” da vida, resiliente perante as alterações e circunstâncias do dia a dia (doenças, perda do emprego, faltas de dinheiro, problemas com os filhos...).
São Valentim ficou conhecido por defender o amor, como essência da humanidade, mais importante do que fazer a guerra ou ganhar dinheiro.
Festejemos o Amor, sinónimo de diálogo, compreensão, partilha de experiências, boas e más, entreajuda e interdependência.
Festejemos o São Valentim, que nada tem a ver com imagens “infantis” nem declarações lamechas, mas com a exaltação da força do Amor de quem ama e se deixa amar.
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 14 fevereiro 2023)