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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Educar, Educar, Educar...

Está mais do que provado: o desenvolvimento sustentável tem como base a educação; a pobreza diminuiu com o aumento da escolarização; a saúde melhora, se existir uma elevada literacia dos cidadãos e a democracia só é defendida por quem detém e procura informação fidedigna!

Estes quatro tópicos – mais desenvolvimento, saúde e democracia e menos pobreza - são ideais da modernidade, objetivos a atingir em muitos discursos políticos.

Mas, como diz o velho ditado: “Bem prega frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz!”, não basta dizer, tudo se joga na prática, na concretização. Nenhum desses objetivos se consegue atingir sem uma aposta clara e concreta na educação, na qualificação e na informação das populações. Porque é que isso nem sempre se verifica?

Como é sabido, “saber é poder”. Logo, quanto mais acessível for a educação, quanto mais democrático for o sistema educativo, menores serão as barreiras sociais, de classe ou condição social, maior será o poder, o empoderamento como agora se diz, das pessoas, dos cidadãos.

E isso, consciente ou inconscientemente, é algo que nem todos os responsáveis políticos ou económicos desejam. Esse maior poder, que decorre do saber, significa maior capacidade de reivindicação e argumentação, maior espírito crítico e de avaliação.

Os Açores, infelizmente, foram esquecidos durante décadas no que toca ao acesso à escolarização. Em 1960, a população sem escolaridade representava 70,6% e apenas 0,3% detinha um diploma de ensino superior. Passados 21 anos, em 1981, esses valores tinham descido para 42,3% e 1%, mas mantinha-se uma baixa escolaridade generalizada. O recenseamento de 2021 revelou que a população sem escolaridade representava apenas 5,6% e 14,7% possuía um diploma de ensino superior.

Nestas últimas quatro décadas, houve investimento na educação, em particular no grupo entre o 6 e os 15 anos, cujas taxas de escolarização atingiram os 100% em 2009/10 e assim se mantiveram até 2020/21., ano em que houve um retrocesso, inclusive na taxa de pré-escolarização, que atingiu os 100% em 2014/15 e, em 2020/21, desceu para 97,1%.

Não é possível reduzir a taxa de abandono escolar, da população entre os 18 e os 24 anos, que não possui o 12º ano, se não se apostar na educação desde os 3 anos, acompanhando os estudantes e as suas famílias nos anos de transição, entre ciclos (do 9º para o secundário e do secundário para o superior). O apoio escolar, o acesso a bolsas de estudo e a residências estudantis, as tarifas de estudante nos meios de transporte (terrestre, marítimo ou aéreo), bem como o reconhecimento do mérito escolar, são fundamentais para a valorização da escolarização.

Sem o investimento na educação, a democracia está em risco.

Sem o reconhecimento do valor da escolarização, não há medidas eficazes que possam reduzir a pobreza. A redução das taxas de escolarização na Região Autónoma dos Açores em 20/21 certamente contribuiu para o aumento da taxa de risco de pobreza em 2022 (de 21,9% em 2021, para 25,1% em 2022), contrariando a tendência dos últimos anos.

A educação é um pilar estrutural quando se pretende promover o desenvolvimento, melhorar a saúde, reforçar a qualidade da democracia e a participação cívica.

Por isso, em todas as áreas da governação, o lema deve ser Educar, Educar, Educar....

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 31 janeiro 2023)

Cativar professores

Há um lado sombra na vida de um professor, nem sempre valorizado. Dificilmente um docente chega a casa e desliga o computador, porque um estudante enviou um email a pedir ajuda, há um relatório a entregar, um plano de ação a definir, um projeto para candidatar, por vezes dezenas ou centenas de testes individuais ou trabalhos de grupo a ler e avaliar.

Por isso, importa olhar particularmente para os professores, de quem também depende o sistema educativo. Uma população cada vez mais envelhecida. Entre 2010 e 2019 (Pordata), o envelhecimento da classe docente aumentou dez vezes. E, se consultarmos o relatório do Conselho Nacional de Educação (2020), no ano letivo 2019/20, 45,8% dos professores do ensino superior tinha idades superiores a 50 anos e apenas 4 %, menos de 30 anos, valores ainda mais elevados na educação de infância e no ensino básico.

Conclusão, a profissão de docente é cada vez menos atrativa. Alguns se questionarão porquê, se o horário de trabalho não ultrapassa as 22 horas de contacto com os estudantes, no ensino básico e é de 6h a 12 horas semanais, para um professor do ensino superior.

A questão não está nas horas de contacto, mas no trabalho que um professor tem de desenvolver na sombra desse horário. Estudar, preparar aulas, corrigir testes e trabalhos, orientar projetos de investigação e, não raras vezes, estar disponível para motivar e esclarecer, em situações de dúvida. Tarefas que consomem muito do tempo pessoal, algumas com prazos limite, outras realizadas com o sentido de serviço, principal dimensão que justifica a atividade de ensinar.

Ainda recentemente, Maria de Lurdes Rodrigues, reitora do ISCTE (Jornal Expresso 11.02.22), apontava a falta de incentivos na carreira docente do ensino superior. Um professor pode chegar à idade da reforma, sem sair da categoria mais baixa da carreira. O tempo não conta, o número de estudantes que leciona é indiferente. Pode lecionar turmas de dez estudantes ou de cem, e não é menos ou mais remunerado por isso, apesar do volume de trabalho suplementar ser bem diferente.

De acordo com um estudo da Federação Nacional de Educação (2016), 23% dos professores sofria de stress agudo. Particularmente no ensino básico, a indisciplina, o número elevado de alunos por turma, a burocracia, sem esquecer os problemas com a voz, são algumas das causas.

Se, por um lado, o país regista um aumento da taxa de escolarização, por outro, o número de professores tem vindo a diminuir. Entre 2010 e 2019, saíram 10% do ensino superior e 16,7% do ensino básico (Conselho Nacional de Educação, 2020). E, sem professores, dificilmente se conseguirá continuar a melhorar os indicadores da educação. Recentemente, os governos do país e da região congratularam-se com a redução da taxa abandono escolar precoce, que avalia a percentagem de jovens entre os 18 e os 24 anos que não completou o secundário. Entre 2011 e 2021, Portugal passou de 23% para 5,8% e a RAA de 43,8% para 23,2%. O país ficou abaixo da meta europeia (10%) o que, infelizmente, ainda não aconteceu na RAA.

Não se obtêm resultados escolares sem professores, preferencialmente, motivados e reconhecidos pela importância do seu contributo, na construção de uma sociedade mais qualificada. Por isso, há que cativar docentes!

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 15 fevereiro 2022)

Era uma vez...

Assim começa a maioria das histórias infantis! Era uma vez um príncipe, que vivia num grande palácio! Uma pastora, que guardava rebanhos!

Quase todas as histórias para crianças narram situações fantasiadas mas, por serem transmitidas de geração em geração, ganham um lugar de referencia no imaginário coletivo: a Branca de Neve, a Cinderela ou o João Ratão, são figuras que fazem parte desse imaginário, partilhado por crianças e adultos.

Não são apenas personagens que ganham vida no Carnaval, há mensagens e valores em cada uma das histórias, de onde são retiradas. Algumas narrativas reforçam valores de submissão e obediência, outras destacam a coragem e a bravura, outras, ainda, são verdadeiros ensinamentos sobre prevenção e atenção aos burlões e aos riscos que todos os dias corremos.

Sem dúvida que existe um substrato cristão em muitas dessas fábulas. Mas, também são verdadeiras lições sobre direitos humanos e valores éticos que, sendo de raiz cristã, estruturam a nossa a cidadania atual e enformam a cultura em que vivemos.

Veja-se o exemplo da frase, sobejamente utilizada, do "lobo que veste a pele de cordeiro". Esta frase, inspirada no evangelho de Mateus, «Cuidado com os falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores» (Mateus 7:15), deveria ser repetida mil vezes, nestes dias que faltam até às eleições do próximo presidente do Brasil. Ainda há brasileiros que não veem o "lobo" debaixo da "pele de cordeiro" do discurso do candidato Jair Bolsonaro. Vivem na ilusão que o futuro não será homofóbico, xenófobo, racista e misógino, atitudes já manifestadas por este candidato, em outras ocasiões.

Mas voltemos ao papel das histórias infantis, cuja função está muito para além do entretenimento das crianças. Contadas pelos pais, na hora de adormecer ou em contraponto aos jogos virtuais que as isolam do convívio familiar, podem ser verdadeiros momentos de aprendizagem de valores.

Cada história infantil, particularmente aquelas que nos ensinaram quando éramos pequenos, serve para questionar atitudes e comportamentos, descobrir valores ou contestar falsas moralidades.

As histórias tradicionais são um importante meio de comunicação entre adultos e crianças e não deveriam ser esquecidas, por vivermos no tempo dos "tablets" ou dos canais de televisão especializados.

Retomando a história do "lobo com pele de cordeiro", ao contar como o lobo se infiltrou no rebanho, fazendo-se passar por cordeiro, os pais tem a oportunidade de ensinar o que é a confiança, a integridade e a honestidade. O lobo tinha outra intensão, que escondeu para enganar o pastor. E esta procura da verdade, do que cada um de nós quer ser perante os outros, é um exercício fundamental para a formação cívica das novas gerações.

A educação é um processo complexo de aprendizagens que interliga os mundos familiar e escolar, os modelos parentais e tantas outras referencias. Mas, no essencial, a criança vai descobrindo as traves mestras do ser humano, também nas histórias, tantas vezes recontadas pelo pai ou pela mãe, ou até pelos avós, aconchegados no sofá da sala ou sentados na beira da cama.

Era uma vez...

 (texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 16 de outubro 2018)

Começou um novo ano escolar

O primeiro dia de aulas traz sempre um misto de nervosismo e alegria, vontade de descobrir e aprender misturada com saudade das férias. Na mochila pesam os livros novos e os cadernos por estrear. Felizmente para alguns, agora, são gratuitos. E ainda bem, deveria ser para todos!

Quase todos os anos, por esta altura, o custo dos livros escolares é motivo de notícia.

Sem por em causa as reais dificuldades de algumas famílias, esta reação dos pais perante o preço dos manuais reflete alguma resistência das famílias em investir na educação. Nunca se ouviu alguém reclamar do custo do televisor que comprou para ver jogos do mundial de futebol.

Quando se trata da educação escolar, mais facilmente se nivela por baixo.

E, em parte, esta atitude explica o facto de, em 2017, 70% da população açoriana com mais de 15 anos não tinha atingido o ensino secundário e 28% dos jovens entre 18 e 24 anos estavam fora da escola, sem terem cumprido a escolaridade obrigatória. Apesar da diminuição significativa que se verificou nos Açores entre 2011 (40%) e 2017 (28%), há ainda demasiados jovens a abandonarem a escola, sobretudo rapazes.

Nem sempre quem abandona a escola o faz por ter insucesso ou incapacidade para aprender. Nessa decisão, pesam mais a pressão familiar e a ilusão de que, um emprego, mesmo que precário, trará autonomia e sentido de responsabilidade.

No entanto, está mais do que provado que, um baixo nível escolar significa um salário médio mais baixo e um risco acrescido de ficar no desemprego.

Mas, estudar não é apenas ter acesso a um mercado de emprego qualificado. Significa, também, colocar a si próprio desafios, metas. Neste sentido, alcançar um diploma transforma-se numa razão para investir e ter gosto em saber mais sobre uma determinada área de conhecimento. Para além disso, estudar favorece uma maior capacidade de autorreflexão; sobre medos, competências, relação com os outros e capacidade de trabalho e cooperação.

Cada vez mais, os estabelecimentos de ensino estão longe de ser lugares de memorização de conhecimentos. Proporcionam um tempo de descoberta e, no caso das universidades, transformam os jovens em adultos, reforçando a sua autonomia e o sentido de responsabilidade.

Porquê estudar? Porque melhora o acesso ao mercado de emprego mas também porque aumenta o espírito crítico, a capacidade de pensar e de fazer escolhas, o empreendedorismo e, sobretudo, a realização e a satisfação pessoal.

Começou um novo ano letivo e, nalgumas famílias, começou a correria entre atividades extraescolares. Apesar dos benefícios que todas essas atividades podem trazer, nem sempre a criança é ouvida. Em muitos casos, o seu quotidiano fica sobrecarregado com demasiadas obrigações extraescolares, restando pouco tempo para brincar, para se divertir e conviver.

Chegados à universidade, alguns desistem de todas essas atividades o que acaba por ser contraproducente. Um jovem que saiba conciliar uma área de interesse, seja a prática desportiva ou a música, as artes plásticas ou a dança, está mais preparado para conciliar a vida pessoal com as exigências do estudo.

Um novo ano escolar começou. Às universidades portugueses chegaram menos jovens do que em anos anteriores, talvez por terem sido aliciados, em particular os rapazes, para aceitarem um emprego pouco qualificado. As raparigas, essas continuam a encher os bancos das universidades e hoje representam 60% dos diplomados do ensino superior.

Este é um desequilíbrio que urge corrigir. Precisamos de reforçar a qualificação das novas gerações, aumentando a presença de rapazes e de raparigas em todas as áreas de formação.

O ano escolar começou, mais uma etapa no percurso, de cada estudante, na busca de novos horizontes de conhecimento.

 

piedade.lalanda@sapo.pt

Novos excluídos

A exclusão social ganha novos contornos na educação, protagonizada por medidas que evitam as diferenças culturais, de classe, de recursos e pretendem construir pequenos mundos de elite, onde só há lugar para os filhos de famílias que se conhecem, entre as quais se esperam alianças, casamentos e até negócios.

Sob a capa de medidas que visam a excelência e o rigor, aumentam a exclusão dos mais frágeis ou carenciados. Pretendem separar as crianças em função do grau de dificuldades, de deficiência, do bairro onde residem ou dos benefícios sociais que recebem. É a cultura de mérito, dizem os defensores desta discriminação.
Mérito? Com base em que critérios? Ter livros em casa, um computador pessoal, pais licenciados que, se não sabem explicar, pagam a quem o faça? Mérito conquistado num meio favorável, onde não faltam aulas de piano, de ballet ou violão, judo e onde há sempre verba para comprar material didático, desportivo e outros equipamentos, preferencialmente de marca?

Quando um ministro da educação retoma a velha máxima de que as escolas públicas devem separar os bons alunos dos que não têm resultados favoráveis, retoma a velha divisão social de classes, que indiretamente está associada a essas performances. Porque, não podemos esquecer que os contextos culturais mais favorecidos influenciam, de forma direta, os bons resultados dos alunos, e justificam aquilo que o sistema apelida de “mérito”.

Depois de se ter lutado por uma escola inclusiva, que não discrimine os deficientes, mas antes promova a solidariedade e uma educação para todos, eis que o ministro Nuno Crato retoma a ideia das turmas especiais para meninos especiais, reforçando a exclusão. Quem sabe, prossegue a máxima de que “longe da vista, longe do coração”, consequência direta da discriminação. Afasta do coração, dos afetos, aqueles que são excluídos da cidadania, considerados menores, menos capazes, com menos direitos, demasiado diferentes.

Esta nova forma de excluir é subtil, não põe letreiros, mas dificulta a o acesso, não proíbe, mas cria obstáculos, não é oficial mas acaba por penetrar o
pensamento de uma minoria instalada, com poder. Uma minoria que se julga superior e que, por isso, despreza, explora e até ridiculariza quem não pertence ao meio onde vive.

Nesta visão elitista, não há lugar para a diferença e muito menos para o multiculturalismo.

Em tempo de crise, quando faltam empregos e as dificuldades aumentam, há que estar vigilante, porque se corre o risco de ver intensificar a intolerância perante os imigrantes, os repatriados, os deficientes ou simplesmente os cidadãos que residem em zonas socialmente desfavorecidas.

O que pretende o atual governo da república para a educação é um retrocesso. Sob a capa de promover o mérito, quer igualar o que é diferente, obrigando alunos que foram alvo de currículos adaptados à realização de exames gerais, como se a uniformização fosse um critério de justiça. Recuperam o exame do 4º ano, introduzindo um travão ao processo educativo, num país que mal conseguiu generalizar a escolaridade obrigatória de nove anos e que assim, se isola ainda mais no contexto europeu.

O que pretende este governo do PSD/CDS? Reconstruir velhas fronteiras, entre ricos e pobres, entre filhos de família e os outros, sem nome?

Quem defende uma sociedade inclusiva, justa, não pode admitir que, a cobro da promoção do mérito, se agravem desigualdades sociais e se criem novos excluídos.

(publicado no Açoriano Oriental de 2 Abril 2012)

O primeiro dia de escola

Esta semana milhares de crianças e jovens têm de acordar mais cedo, depois de três meses de descanso prolongado, dias sem conta de brincadeira e, por ventura, tempos ilimitados a ver televisão e a jogar no computador.

O primeiro dia de escola é sempre um dia especial. O reencontro com os colegas do ano anterior ou o conhecimento de outros alarga o universo das relações das crianças e dos jovens. Os pais sempre importantes, fonte de afecto e de segurança, referência da família e da casa, são temporariamente afastados, para dar lugar ao grupo de pares e à relação com os professores.

Primeiro dia de aulas é dia de praxes, ritual que confere aos veteranos um pequeno poder, transitório e simbólico, de quem é uns anos mais velho e já conhece os cantos da escola. À semelhança de outros rituais de iniciação as praxes permitem aos caloiros vivenciar a fronteira entre etapas, entre idades. São sempre momentos de confronto com a capacidade de resistência, mas que podem ser ultrapassados quando se leva tudo na brincadeira. Sem ofender a dignidade ou faltar ao respeito pelo outro, o ritual de entrada numa nova escola deve ser apenas e só uma marca de transição. Há pais que numa atitude supostamente protectora, acompanham os filhos à escola na esperança de poder evitar que os filhos sejam “praxados”, entrando num mundo que não lhes pertence, contribuindo assim para que não cresçam, e não sintam essa transição como momento importante da sua própria historia de vida.

Não é fácil deixar um filhote voar livremente!

Para muitos pais, o primeiro dia da escola dos filhos é também um momento marcante e não raras vezes são eles quem fica com a lágrima no olho, quando o filho ou a filha entram pela primeira vez na creche ou no Jardim-de-infância.

O primeiro dia de escola é sem dúvida uma marca que define as relações entre pais e filhos e representa, em muitos casos, um acontecimento importante no processo de autonomia que define o crescimento. Os filhos não podem viver eternamente debaixo da asa dos pais e a escola é, sem dúvida, o mundo onde mais rapidamente as crianças e os jovens aprendem a definir o seu próprio espaço, por contraponto à família.

Aos pais cabe a tarefa de incentivar o gosto por aprender e o dever de valorizar o lugar da escola na formação pessoal da criança e do jovem, não apenas porque sem estudos mais tarde terão dificuldades em encontrar emprego, mas porque o saber é poder e o conhecimento é fundamental para o entendimento.

Não basta dizer que a escola é obrigatória, é fundamental educar no sentido de uma escola necessária. Porque é necessário saber e fundamental alimentar a curiosidade.

Longe vão os tempos em que o Estado dispensava crianças dos estudos, votando-as à condição de analfabetos e limitando os seus horizontes e a sua ambição de ser. Longe vai o tempo em que o Estado calava as perguntas e fomentava os espíritos remediados e as fracas ambições.

Actualmente, numa sociedade que se diz do conhecimento, ser livre significa poder questionar e saber é ser capaz de responder.

(publicado no Açoriano Oriental de 8 de Setembro 2008)

Desistir de estudar

Este é sem dúvida um dos maiores problemas sociais e educacionais que tem marcado a realidade portuguesa.

Durante décadas, pouco exigente em relação à qualificação, o País ainda não consegue evitar que grande parte dos jovens desista de estudar antes dos 18 anos e que muitos o façam aos 16. Atingindo a idade limite da escolaridade obrigatória, os jovens e as famílias entendem ter cumprido com o que a sociedade lhes impunha e abandonam o sistema educativo; em alguns casos, fora da escola, as raparigas aguardam um casamento e os rapazes um “serviço”.

“Desistir de estudar” é um problema social que tem merecido a atenção de investigadores, políticos e professores. Segundo alguns autores, há razões sociais e culturais que condicionam as aspirações dos jovens. Por exemplo, terem pais pouco escolarizados, que foram alunos absentistas; viverem em condições materiais desfavoráveis; não valorizarem a escola, como lugar de aprendizagem e formação cívica.

Para além do contexto desfavorável do ponto de vista económico, para muitos, estudar ainda se resume a saber ler, escrever e contar, competências que uma vez adquiridas são consideradas suficientes. O conhecimento do mundo, das ciências, da História ou da Geografia são considerados dispensáveis, pois em nada parecem mudar o quotidiano dessas famílias.

Combater a vontade de desistir, implica alimentar objectivos, projectos de vida que passem pela formação. Porque, para muitos desses absentistas, a escola não é entendida como um lugar onde se aprende a ser e a conviver, um lugar onde se descobrem potencialidades e se interiorizam regras de convivência. Antes pelo contrário, sentem-se rejeitados, marginalizados e, por isso, entendem que não são bem vindos nesse lugar. Está hoje comprovado que as crianças que são socialmente rejeitadas pelos colegas, ou mesmo esquecidas dos professores, têm maior tendência para desistir dos estudos. Porque sentem mais dificuldades na aquisição das competências básicas, porque não se comportam na sala de aula de forma adequada e só quando chega a hora da ginástica ou das expressões plásticas, evidenciam capacidades e obtêm bons resultados, essas crianças e jovens acabam por desistir, face a uma permanente desvalorização do que não são capazes de fazer, sem nunca receberem um elogio e admiração pelas competências reveladas.

Desistir dos estudos não é uma fatalidade para alguns. É uma solução por vezes desejada por um sistema que lida mal com a diversidade de percursos de vida, e que por vezes se esquece dos que ficam na margem, sejam os que têm mais dificuldade ou mesmo os génios, que escapam à média.

Há que analisar as razões que conduzem à limitação dos percursos escolares de muitos estudantes. Refira-se a propósito que na União Europeia a percentagem de jovens entre os 18 e os 24 anos que não está a frequentar o sistema educativo era de 15% em 2006, enquanto que em Portugal esse valor ascendia a 35%.

Na realidade, o problema no nosso País, e em particular na nossa Região, ainda não está ao nível dessa faixa etária, mas antes com os jovens até aos 15 anos. Procura-se evitar que desistam do sistema educativo entre os 16 e os 18 anos, oferecendo-lhes alternativas escolares.

Apesar dessas estratégias, todos temos consciência que a permanência dos jovens no sistema educativo implica que famílias e, sobretudo os mais novos, entendam que aprender é uma necessidade, e que o ser humano só se realiza se cultivar a vontade de querer saber mais. Para além disso, é importante e necessário renovar o clima relacional nas escolas, melhorar a relação dos jovens entre si e com o corpo docente, fomentando o sentido da cooperação, do entre ajuda e da solidariedade, valores que podem fazer da escola um lugar de afirmação de uma cidadania plural.

(publicado no Açoriano Oriental, 25 Fevereiro 2008)

Educar não é domesticar

Os estudiosos da educação definiram de um modo geral três estilos educativos: o autoritário, o negocial e o “deixa andar”. Na prática, um educador utiliza os três estilos em momentos diferentes, perante pessoas ou circunstâncias diferentes.

No entanto, se analisarmos o recurso de um educador aos estilos possíveis, há sempre um que é mais utilizado. Pais ou educadores autoritários têm muita dificuldade em negociar. Estabelecem com o seu educando uma relação de domínio, poder, condicionalismo e dependência.

Pais ou educadores que preferem um estilo negocial avaliam mais frequentemente a realidade do educando, as causas que explicam o seu comportamento; escutam o seu ponto de vista; procuram descodificar o modo como ele vê a realidade e o significado que lhe atribui. Um pai, mãe ou professor que negocia, orienta mais do que impõe, responsabiliza mais do que culpabiliza.

Finalmente, o estilo do “deixa andar” nem impõe regras, nem negoceia opções; depende da disposição e sobretudo, não é firme no controlo, raramente define regras e quando o faz, esquece-se de as fazer cumprir. No estilo desleixado do deixa andar, não há uma aprendizagem de modelos parentais positivos; todos podem ser referências e muitas vezes são os outros, os não educadores que ensinam.

Qualquer um destes estilos até pode ser eficaz, se ajustado à realidade do momento, se adequado aos educandos. Mas o mais certo é que o recurso sistemático a uma única forma de educar não é eficaz, porque há horas em que a negociação deve dar lugar à firmeza inflexível ou a inversa. Há momentos em que é preferível não intervir e “dar corda” para ver até onde o outro é capaz de ir, por sua conta e risco.

Educar não é fácil e encontrar um estilo adequado ainda é mais difícil. Quantas vezes se utilizam estratégias que foram eficazes com um filho mais velho, mas que se revelam ineficazes para com o mais novo. Ou então, procura-se adoptar os modelos com que se foi educado e se conclui que nem tudo é aplicável, porque os tempos são outros e a geração dos filhos tem de ser educada para viver no seu tempo.

Encontrar o modelo educativo mais correcto é um processo contínuo de aprendizagem com os educandos, porque não há doutoramentos em educação de filhos, mas antes uma experiência acumulada, uma atenção refinada que se constrói de pequenos detalhes. Um bom educador antecipa o comportamento do seu educando, reconhece o seu modo de agir, mesmo quando ele não está presente: “isto é obra de fulano”. Aos poucos aprende a sintonizar e a comunicar de forma simplificada e, tal como um oleiro, ajuda a moldar o barro do seu ser de forma suave, fazendo soltar o ser único que nele habita. Um bom educador sabe que não há modelos que sirvam a todos.

Ouvem-se os professores queixarem-se da indisciplina, do palavreado dos alunos, da falta de educação. Do seu lado, os pais sentem-se impotentes para controlar todas as influências que afectam o comportamento dos filhos.

Entre professores e pais, as crianças e os jovens procuram referências sólidas, firmes, que os ajudem a balizar a vida; modelos para copiarem ou para contrariarem; portos de abrigo que sejam refúgios quando perdem o norte. Afinal, como é que eu faço? O que é que está certo?

Quando um educador, seja ele familiar ou professor, desiste de ser um modelo para os mais novos e não é capaz de afirmar e defender aquilo em que acredita ou, pelo contrário, julga-se o único detentor da verdade e procura impor um modelo à força, esquece-se de que educar não é domesticar, mas ajudar a libertar a individualidade e fazer despertar o melhor de cada um.

(publicado no Açoriano Oriental a 18 de Fevereiro 2008)

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