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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

O silêncio (não) é de ouro

Cresci a ouvir dizer que: o silêncio é d’ouro!

Se, por um lado, aprecio a riqueza do silêncio, que permite escutar-se e escutar os outros, por outro, esta frase, tal como me foi ensinada, carregava uma marca de submissão e passividade.

Ao valorizar quem se remetia ao silêncio, também se abafava os sinais de discórdia e o descontentamento; proibindo o contraditório, diminuía a capacidade de reflexão crítica. Quem, perante uma determinada orientação ou ideia, pensasse diferente, acabava por não encontrar espaço para partilhar ou verbalizar essa divergência de opiniões: “é melhor estar calada/o!”

Alguns pensarão que este silêncio é coisa do passado. Enganam-se!

Infelizmente, ainda agora há quem prefira “não dizer nada”, não reagir, para não ter de lidar com a tensão e o contraditório.

Aflige-me este silêncio, quando está presente na vida política, nas assembleias ou até nas salas de aula. Alguém tem dúvidas? Silêncio. Alguém tem outra opinião? Silêncio.

A passividade de pessoas silenciadas é o pasto onde crescem as atitudes autocráticas, do “quero, posso e mando”.

É muito fácil silenciar uma população vulnerável. Basta reforçar a ideia de que a sua opinião não conta e, se querem ser ajudados, têm de o merecer. 

Em geral, os cidadãos mais vulneráveis, que ficam sem apoios, não reclamam. Amanham-se, como diz o nosso povo, e regressam ao velho hábito de pedir e viver da caridade alheia.

Mas, esta semana, assistimos à manifestação de trabalhadores temporários, que reclamavam o direito a trabalhar. Disseram não querer viver de subsídios, por isso manifestaram-se contra o encerramento dos programas de emprego, sem novas oportunidades de integração, permanente, no mercado de trabalho.

As dezenas de pessoas, sobretudo mulheres, que beneficiaram destes programas, são muitas vezes o ganha-pão das suas famílias. O que se pretende então? Limpar as estatísticas e silenciar os pobres, aumentando a mendicidade, a caridade pontual e recuperar a velha figura dos “benfeitores”?

A pobreza só se combate com a autonomização de quem vive com dificuldades.

As pessoas mais vulneráveis não são uma alínea num qualquer diploma, nem podem ser silenciadas porque mudou a lei, o governante ou a ideologia.

Os programas de emprego permitiram trazer para o mercado de emprego pessoas que revelaram ser uma mais-valia nos serviços onde foram integradas, onde esperavam ficar como trabalhadores. Tal como reivindicaram na manifestação, estão a fazer o que muitos apregoam: trabalhar para que os filhos frequentem a escola, tenham melhores condições de vida. Querem ser reconhecidos pelo que são capazes e não pelo que não têm.

A Região Autónoma dos Açores mudou de governo e isso implicou a alteração de políticas sociais.  Mas, perante a vulnerabilidade de alguém que precisa de ajuda para se autonomizar dos apoios sociais, está em causa a dignidade humana, não importa se é o Estado social ou o ideal da Doutrina social da igreja que orienta a resposta política.

Em matéria de política social, não faz sentido destruir ou ignorar o que outros fizeram quando o resultado foi positivo; a arte está em dar continuidade e melhorar.

O silêncio não é de ouro, quando esconde realidades que incomodam ou cala vozes discordantes.

(artigo publicado no jorna Açoriano Oriental de 10 de maio 2022)

O estado pouco social

O estado social pode estar a ser posto em causa, não tanto porque os recursos são escassos, mas porque, face às dificuldades em atender todos, alguns se consideram com direitos privilegiados em relação a outros.

Se não há verba que chegue para pagar a saúde de todos os cidadãos, há quem defenda que, aos cuidados de qualidade aceda quem os pode pagar.

Se não há dinheiro para manter a escola pública, então que se limite a excelência do ensino a quem pode investir na educação dos filhos.

Aos que não podem, garante-se o mínimo, uma saúde básica, uma educação mínima, obrigatória e gratuita, mas preferencialmente em contextos pouco exigentes, porque se parte do princípio que dificilmente terão aspirações maiores ou o direito a ambicionar, como revela a nova redacção proposta pelo PSD para o artigo que consagra o direito à educação: “Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino”, porque como referem “não se trata de ensino obrigatório”, logo, acessível a uma elite qualificada. Não é obrigatório, mas necessário, desejável e um direito que deve ser acessível a mais portugueses. Basta comparar o nosso país com a média europeia, para concluir que ainda estamos longe do desejável no que concerne à percentagem de estudantes que prosseguem estudos pós-secundários.

O Estado social não é uma mera ficção, mas um ideal de sociedade, onde os valores da igualdade e da justiça não podem ser aplicados com critérios diferenciados ou com dois pesos e duas medidas, para os que têm recursos e os que nada possuem. Como se pode pensar a justiça social, quando se considera que a condição de partida dos cidadãos deve limitar o seu acesso à educação e à saúde?

A proposta de revisão constitucional apresentada pelo PSD, que influentes analistas estranharam não ter sido discutida e construída nos órgãos próprios daquele partido, foi apresentada como texto de autor (o ex- banqueiro Paulo Teixeira Pinto), apenas alterada num ou noutro pormenor, como foi o caso da substituição da expressão “justa causa” por “razão legalmente atendível”, como se a constituição pudesse admitir o despedimento fora do contexto legal, mais não é do que uma proposta de programa de governo.

Põe-se em causa uma saúde “tendencialmente gratuita”, ignorando o facto, como referiu António Arnaut, que sem o actual sistema nacional de saúde, não teríamos reduzido a mortalidade infantil de 10,8 para 3,6 por mil habitantes, nem teríamos aumentado a esperança média de vida de 71 para 79 anos, em trinta anos. E questiona a esse propósito, “será que é melhor (e aceitável) ter um défice em euros, que se pode remediar, ou um défice em saúde, em qualidade de vida e assistência social?”

Ao pretender reescrever o texto estruturante da democracia portuguesa que é a Constituição, limitando o acesso a valores essenciais, em função de critérios financeiros, de “capacidades” ou outra condição social, o PSD propõe tornar a diferença de classe social num autentico fosso, que dificilmente alguém ultrapassa se viver ou nascer numa condição social mais desfavorecida, a não ser que reparem nele, que algum benfeitor lhe dê uma oportunidade ou ainda que a sorte lhe bata à porta e se abra uma excepção.

Onde é que eu já vi este filme?

(publicado no Açoriano Oriental a 27 de Setembro 2010)

Apoiar ou assistir

Pobreza, exclusão social, marginalidade e delinquência são termos relacionados, porque designam realidades que não se enquadram nos padrões normativos, desafiam o que se entende por normalidade ou perturbam o que alguns apelidam de “paz social”. 

O que nos torna normais e integrados? O que significa viver em paz?

A casa, o emprego, a família, a saúde, por ventura o dinheiro para gastos!

E quando falham esses pilares, o que fazer?

Se queremos entender a razão de ser das medidas de combate à pobreza e exclusão social, temos de ser capazes de imaginar o que é viver sem um casa em condições; perder o emprego ou ter dificuldades em manter uma actividade regular; viver numa família numerosa ou sem o apoio afectivo dos mais velhos; ter problemas de saúde ou ser portador de uma deficiência.

Porque são esses, alguns dos critérios que justificam os apoios que o estado proporciona a muitos cidadãos. Entre muitas outras condições, a velhice, a deficiência, a doença crónica, o desemprego ou a baixa qualificação justificam as prestações sociais. Está em causa o direito à integração e a defesa da dignidade humana.

Proteger as pessoas em situação de carência e, ao mesmo tempo, responsabilizá-las pelo apoio recebido, sobretudo quando as suas limitações são circunstanciais e podem ser ultrapassadas com o esforço próprio, são princípios que orientam as medidas de política que constroem o Estado social.

Num ano em que os meios financeiros escasseiam, foram revistos os critérios de atribuição de alguns apoios. Melhor atribuídos, poderão beneficiar mais pessoas. O que implica reforçar a responsabilidade de quem recebe e de quem atribui, potenciar os meios que autonomizem, reduzir a dependência dos apoios e investir na cooperação solidária e não no assistencialismo. 

Quando alguém considera que a redução de um apoio social pode transformar um beneficiário em delinquente, é porque não acredita que estes cidadãos, que pedem ajuda por não terem condições de habitação, acesso aos cuidados de saúde ou recursos adequados ao mercado de emprego, são pessoas com sonhos e ambição.

Afirmar que os beneficiários que viram reduzidas as suas prestações poderão roubar para comer, é revelador de um pensamento que apenas vê no pobre, alguém com fome, imagem do mendigo que estende a mão.

Esquece, quem assim pensa, que muitos dos que recorrem às prestações sociais são cidadãos que trabalham mas que auferem baixos rendimentos ou sofrem as consequências do desemprego.

A atribuição de medidas de protecção social não depende de um juízo moral. Não premeia bons cidadãos, nem penaliza quem não tem prestígio.

Beneficiar de apoios sociais não é uma questão de merecimento, mas um direito que é atribuído com base em critérios, periodicamente avaliados.

Mas, a integração social não pode depender apenas dos apoios do estado. Exige que todos os cidadãos contribuam, nomeadamente, respeitando as leis do trabalho e não explorando quem mais precisa; apostando no voluntariado, que apoia idosos, doentes ou alunos com dificuldades de aprendizagem; colaborando com associações de solidariedade social.

Apoiar é ajudar, como resposta a alguém que se conhece.

Assistir é apenas dar, ignorando quem pede ajuda.

(publicado no Açoriano Oriental de 30 Agosto 2010)

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