O silêncio (não) é de ouro
Cresci a ouvir dizer que: o silêncio é d’ouro!
Se, por um lado, aprecio a riqueza do silêncio, que permite escutar-se e escutar os outros, por outro, esta frase, tal como me foi ensinada, carregava uma marca de submissão e passividade.
Ao valorizar quem se remetia ao silêncio, também se abafava os sinais de discórdia e o descontentamento; proibindo o contraditório, diminuía a capacidade de reflexão crítica. Quem, perante uma determinada orientação ou ideia, pensasse diferente, acabava por não encontrar espaço para partilhar ou verbalizar essa divergência de opiniões: “é melhor estar calada/o!”
Alguns pensarão que este silêncio é coisa do passado. Enganam-se!
Infelizmente, ainda agora há quem prefira “não dizer nada”, não reagir, para não ter de lidar com a tensão e o contraditório.
Aflige-me este silêncio, quando está presente na vida política, nas assembleias ou até nas salas de aula. Alguém tem dúvidas? Silêncio. Alguém tem outra opinião? Silêncio.
A passividade de pessoas silenciadas é o pasto onde crescem as atitudes autocráticas, do “quero, posso e mando”.
É muito fácil silenciar uma população vulnerável. Basta reforçar a ideia de que a sua opinião não conta e, se querem ser ajudados, têm de o merecer.
Em geral, os cidadãos mais vulneráveis, que ficam sem apoios, não reclamam. Amanham-se, como diz o nosso povo, e regressam ao velho hábito de pedir e viver da caridade alheia.
Mas, esta semana, assistimos à manifestação de trabalhadores temporários, que reclamavam o direito a trabalhar. Disseram não querer viver de subsídios, por isso manifestaram-se contra o encerramento dos programas de emprego, sem novas oportunidades de integração, permanente, no mercado de trabalho.
As dezenas de pessoas, sobretudo mulheres, que beneficiaram destes programas, são muitas vezes o ganha-pão das suas famílias. O que se pretende então? Limpar as estatísticas e silenciar os pobres, aumentando a mendicidade, a caridade pontual e recuperar a velha figura dos “benfeitores”?
A pobreza só se combate com a autonomização de quem vive com dificuldades.
As pessoas mais vulneráveis não são uma alínea num qualquer diploma, nem podem ser silenciadas porque mudou a lei, o governante ou a ideologia.
Os programas de emprego permitiram trazer para o mercado de emprego pessoas que revelaram ser uma mais-valia nos serviços onde foram integradas, onde esperavam ficar como trabalhadores. Tal como reivindicaram na manifestação, estão a fazer o que muitos apregoam: trabalhar para que os filhos frequentem a escola, tenham melhores condições de vida. Querem ser reconhecidos pelo que são capazes e não pelo que não têm.
A Região Autónoma dos Açores mudou de governo e isso implicou a alteração de políticas sociais. Mas, perante a vulnerabilidade de alguém que precisa de ajuda para se autonomizar dos apoios sociais, está em causa a dignidade humana, não importa se é o Estado social ou o ideal da Doutrina social da igreja que orienta a resposta política.
Em matéria de política social, não faz sentido destruir ou ignorar o que outros fizeram quando o resultado foi positivo; a arte está em dar continuidade e melhorar.
O silêncio não é de ouro, quando esconde realidades que incomodam ou cala vozes discordantes.
(artigo publicado no jorna Açoriano Oriental de 10 de maio 2022)