Ser mordomo do Espírito Santo
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Neste feriado misturam-se homenagens e sentimentos, uns mais ancestrais outros mais recentes. O dia da Região é, ao mesmo tempo, um dia de festa para os Açorianos que vivem a segunda-feira da pombinha, como oitava da festa do Espírito Santo; e a comemoração da Autonomia Regional que, desde há mais de trinta anos, enquadra a gestão política do arquipélago. Em comum, um traço único, a importância da proximidade e da unidade que transformam a diversidade insular em açorianidade. A irmandade do Espírito Santo que faz a festa, partilha a carne, o pão e o vinho ou as sopas, transforma uma rua ou uma localidade num espaço de festa, onde se esquecem desavenças, problemas e conflitos. Partilha-se a fartura e o prestígio e as bênções que a Coroa e a Bandeira, visitando várias casas durante sete Domingas, traz a cada família. A Autonomia regional transformou a diversidade na afirmação de uma identidade reconhecida, nos órgãos de poder próprio, e enraizada numa história e na açorianidade que sempre marcou a comunidade açoriana, onde quer que resida. A Autonomia não é apenas um quadro de referência política; é sobretudo a afirmação dessa identidade, durante demasiado tempo relegada para um plano secundário, ignorada pelo poder central que olhava para os Açores como ilhas “adjacentes”, longe da Metrópole, que alguns julgavam habitadas por indígenas e dotadas de caminhos de ferro. Passaram trinta anos e hoje, sobretudo para os jovens, viver isolados faz parte do passado. Para além dos aeroportos, as outras ilhas estão ao alcance de uma viagem de barco, a preço irrisório para quem tem menos de 24 anos; as escolas, estão acessíveis a todos e o prolongamento de estudos pode fazer-se até ao secundário em todas as ilhas, e o ensino superior é uma realidade. Os Açores dos novos tempos libertaram-se de um poder que esquecia e sobretudo desconhecia as necessidades destas comunidades, que vivem em espaços tão diferentes como o Corvo ou São Miguel; festejam as touradas na Terceira e o Senhor Santo Cristo em S.Miguel; comem rosquilhas no Pico ou bolos lêvedos nas Furnas. Hoje, a Região dotada de uma bandeira e de um hino, não é apenas um lugar de naturalidade ou residência, que se inscreve por acaso no bilhete de identidade, mas o sinónimo do enraizamento afectivo numa comunidade, que se cola à pele como parte do próprio ser. Ser açoriano, é ter orgulho de pertencer à terra onde se nasceu ou que se adoptou por residência, porque há muitos açorianos que, adoptando viver nesta terra, dela são filhos do coração. Ser açoriano não é um acaso, é ser dotado de uma fibra que estrutura a identidade, que mergulha os nossos ossos no mar, como diz Nemésio, e que se reconhece na melodia dos sotaques, na sonoridade de uma viola da terra e se vive de forma comunitária nas festas do Espírito Santo, seja na ilha ou nas comunidades emigradas, do Brasil ao Canadá. Hoje animados por esse Espírito, os açorianos assumem-se, como diz a letra do seu hino, como “um povo triunfal”, disposto sempre a lutar e a batalhar, porque a história de muitas gerações e de muitos autonomistas assim nos ensinou e o futuro das novas gerações assim o exige. Em Segunda-feira do Espírito Santo, comemoram a Autonomia, partilhando a fartura e a alegria, as bênções e a confiança que sempre animou esta gente. “Para a frente, Açorianos! Pela paz à terra unida. Largos voos, com ardor, firmamos, para que mais floresçam os ramos da vitória merecida.”
(publicado no Açoriano Oriental a 12 Maio 2008)