Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

A igreja e as mulheres

É quase inevitável falar de igualdade entre homens e mulheres por altura do dia 8 de Março, apesar de hoje este tema fazer parte da agenda política e despertar consciências em muitos meios, como aconteceu recentemente no mundo do cinema.

Despertar consciências é sempre o primeiro passo para se denunciar injustiças. Sem essa visibilidade consciente, as desigualdades continuarão a fazer parte da cultura, dos modelos de educação, porque "sempre foi assim".

Recentemente, a denúncia veio de dentro da igreja católica. Religiosas italianas, sob anonimato, deram voz às injustiças a que são sujeitas, num artigo publicado na revista Donna Chiesa Mondo, do jornal oficial do Vaticano, Osservatore Romano. Falam de subalternização, servindo refeições em mesas onde nunca tem assento, encarregues de tarefas domésticas ao serviço de bispos, párocos ou instituições religiosas, onde apenas os homens tem poder, e onde nunca existem mulheres consagradas em órgãos de decisão.

São religiosas, é certo, que fizeram voto de pobreza e decidiram entregar as suas vidas a diferentes causas, mas continuam a ser mulheres, pessoas com dignidade. E, aparentemente, há membros e organizações dentro da igreja católica que as tratam como se a liberdade e a democracia tivessem passado ao lado dos templos, dos seminários e dos conventos.

Este é outro dos muitos temas, ditos fraturantes, ao qual o Papa Francisco deu visibilidade, ao nomear recentemente três mulheres para cargos de responsabilidade na Cúria romana. No entanto, apenas uma dessas pessoas é religiosa, a irmã Nicoletta Spezatti, nomeada Diretora dos Museus Vaticanos desde 2017.

Muitas outras religiosas são secundarizadas na estrutura de poder da igreja, porque a condição social da mulher continua associada a papéis desvalorizados.

Limpar o chão, varrer, lavar a loiça e as panelas, cuidar da roupa ou fazer as camas, são tarefas necessárias mas repetitivas e rotineiras, às quais não se dá valor, quando estão feitas. Por isso, o grande problema da invisibilidade do trabalho feminino, não pago, que durante décadas enterrou as mulheres na vida doméstica como um destino sem saída, passa pela falta de consciência de que a vida, em comunidade, seja numa família ou numa instituição, depende da forma como gerimos o quotidiano e do reconhecimento que todas as tarefas nos merecem.

As tarefas, ditas domésticas, são um espaço de partilha a descobrir, sobretudo pelos homens que delas se afastaram. São tarefas invisíveis, que ninguém valoriza, mas que sobrecarregam, diariamente, a vida de muitas mulheres.

"Agora mesmo acabei de passar a roupa, e a gaveta já está feita numa revolução, de blusas amarrotadas, anulando horas de trabalho". "Quando tinha acabado de arrumar a cozinha, entraram pela porta dentro com as botas enlameadas, deixando marcas no chão".

São dois mundos em conflito, um que trabalha nos bastidores e outro que se apropria desse trabalho sem se dar conta. Enquanto todos não tomarem consciência dessa dualidade, dificilmente haverá mudança que pacifique essa relação. Uma mudança que passa, obrigatoriamente, pela partilha, reconhecimento e igualdade de oportunidades.

As religiosas, que denunciam a sua condição na igreja, são mulheres de profunda espiritualidade, algumas com formação superior, a quem a Igreja devia dar visibilidade e poder.

A igreja católica tem de se transformar por dentro. É fundamental que a comunidade dos crentes partilhe e promova a democracia. Só a igualdade de oportunidades, entre homens e mulheres, pode combater as injustiças que a história e o poder masculino criaram dentro desta instituição.

A espiritualidade não tem género, por isso, as mulheres não podem calar a sua voz na igreja.

 (texto publicado no jornal Açoriano Oriental, 6 março 2018)

Silêncios indignos

A pedofilia é certamente um problema, com séculos de existência, que proliferou de forma impune, numa sociedade onde se silenciou, durante demasiado tempo, a sexualidade.

“Não se fala, fica feio, é pecado”, diriam os nossos avós perante a curiosidade e o mal-estar de muitas crianças. Umas demasiado protegidas para entenderem o seu próprio corpo, outras demasiado vulneráveis para se poderem defender dos abusos de adultos, supostamente responsáveis pela sua educação.

O silêncio, imposto sobre o mundo da sexualidade, criou fantasmas, alimentou comportamentos desviantes e ocultou, num mundo de segredos, histórias de vida marcadas pela humilhação, a exploração e o sofrimento calado.

Fizeram notícia os casos de pedofilia na Bélgica, o processo da Casa Pia ou da garagem do Farfalha. E continuam fazendo notícia as prisões que envolvem pedófilos, supostamente cidadãos exemplares.

Dar visibilidade a estes casos é urgente, não pelo impacto mediático que isso significa, mas porque revela uma sociedade que condena o abuso e a exploração sexual, que defende os menores e advoga uma sexualidade responsável, equilibrada e informada, parte integrante e essencial do ser humano.

O pedófilo revela uma relação doente, desequilibrada e, por ventura, traumática, com a sua sexualidade. São adultos que carecem de apoio e acompanhamento, mas que constituem uma ameaça perante menores indefesos, fragilizados em geral pela condição social em que vivem ou pela ausência de apoio afectivo e familiar.

Por tudo isto, não é aceitável, nem admissível, proteger estes agressores e abafar o sofrimento das vítimas. Não é digno silenciar as denúncias de quem foi envolvido, de forma indigna, em jogos de prazer, para satisfazer fantasias de adultos desequilibrados, sejam estes importantes figuras políticas, simples funcionários, criminosos com cadastro ou sacerdotes.

Particularmente, a Igreja não pode continuar a pactuar com este silêncio indigno, como aparentemente fez durante décadas. Perante inúmeras denúncias, na Inglaterra, no Brasil, nos Estados Unidos e por ventura em Portugal, os mais altos responsáveis da Igreja limitavam-se a deslocar os visados e a silenciar as vítimas. Não é admissível que se defenda o mandamento máximo do “amar os outros como a si mesmo” e depois não se condene, publicamente, quem usou os outros e matou neles a capacidade de amar.

Fazer tabu, trancar no “sótão” do que não se diz, porque é feio, fonte de pecado, é criar fantasmas e deixar por resolver problemas que atormentam esses adultos.

Mais revoltante do que ver sacerdotes e bispos, com idade para serem avôs, transformados em “ninguém”, envoltos nos seus próprios fantasmas, é ouvir as vítimas que, durante anos, calaram as agressões de que foram vítimas na adolescência.

Aos poucos, a Igreja reconhece a culpa, mas isso só não basta. É fundamental que assuma e aborde a sexualidade como uma dimensão humana, inclusive quando está em causa o celibato. A sexualidade está longe de se reduzir às relações sexuais.

É importante educar as crianças e os jovens, desde cedo, para que aprendam a conhecer o seu corpo e a respeitar o dos outros. Não podemos recear o impacto da educação sexual, porque só quem conhece dá o devido valor à intimidade como expressão de afectos e exalta a dignidade do ser humano.

(publicado no Açoriano Oriental de 29 Março 2010)

Igreja, obra da comunidade

Quando se constata o número de crentes que participa nos actos litúrgicos semanais, é notória a sua diminuição. Estudos regionais e nacionais assim o comprovam.

As igrejas são menos frequentadas, sobretudo pelos mais jovens e o número dos que se dizem “não praticantes” é cada vez maior.
De acordo com o recenseamento da prática religiosa, realizado pelo Patriarcado de Lisboa, têm diminuído o número de lugares de culto e de celebrações dominicais, a que certamente não será alheia a diminuição do número de sacerdotes.
A investigação recente no domínio da sociologia da religião, fez emergir um novo tipo de prática religiosa, designada por Danièle Hervieu-Léger de “religiosidade peregrina”, a que correspondem práticas individuais, voluntárias, móveis, não condicionadas por esquemas tradicionais e formais que escapam a um recenseamento que se baseie na frequência dos actos litúrgicos.
Apesar da profunda alteração no modo como hoje se vive a religiosidade, não podemos negar a importância que têm os templos como lugares de culto e espaços sagrados, que estruturam os territórios.
Desde os primórdios do povoamento destas ilhas, que as igrejas se constituíram como centralidades, elementos determinantes na definição do crescimento das localidades, fazendo coincidir o limite da freguesia ao da paróquia. O lugar da igreja é determinante na geografia do tecido urbano e está culturalmente associado ao espaço da festa, onde a população se reúne para celebrar o patrono ou por ocasião de momentos decisivos na vida das famílias, como são os baptizados, casamentos e funerais.
A igreja representa o lugar sagrado, sinal de protecção e devoção, cuja construção se confunde com a história, quantas vezes lendária, de uma determinada comunidade. Uma ermida é mandada construir em cumprimento de uma promessa; uma igreja levantada por iniciativa de um rei com uma devoção particular; outra ainda construída no lugar onde, reza a história, ocorreu um milagre.
A destruição ou o abandono de uma igreja é sempre vivido como sinal da morte da própria comunidade. Por isso, sempre que isso acontece, particularmente na nossa Região, seja na sequência de um sismo ou porque se tornou visível a degradação do templo, as comunidades açorianas envolvem-se e participam na recolha de fundos, mobilizando a solidariedade dos paroquianos, residentes locais ou até emigrados. Todos se sentem envolvidos, porque a igreja da sua paróquia é a referência identitária que melhor unifica a comunidade local dispersa.
Recentemente foi notícia a construção de uma nova igreja em Ponta Delgada, há muito sonhada e desejada pela comunidade local e que, durante décadas, mobilizou a angariação de fundos. É desse sonho, da generosidade e do esforço de muitos, que nasce o templo dedicado a Nossa Sra. de Fátima na zona do Lajedo, servindo aqueles que moram mais afastados do centro da paróquia.
Apesar dos muitos contributos anónimos, foi necessário, à semelhança de outras (re)construções, o apoio de entidades públicas e privadas para concretizar a obra da nova igreja. No entanto, quem por último contribuiu não é mais importante do que o primeiro, esse alguém que um dia sonhou a construção de mais este templo católico, lugar onde a fé se transforma em rituais e os crentes em fiéis.
Como outras igrejas, construídas no tempo dos reis ou mais recentemente, este novo espaço sagrado é do povo e nunca pertença dos seus benfeitores, tenham eles contribuído com muito ou com pouco, no princípio ou no fim da concretização da obra, como anónimos ou entidades públicas e privadas.
Um novo lugar de oração irá abrir portas ao serviço da comunidade, a quem cabe dar-lhe vida, celebrando a partilha e a oração. Um espaço de referência onde o silêncio pode ser adoração, e a força o fruto da meditação.
Os templos, particularmente as igrejas católicas, apesar de cada vez menos frequentados pelos crentes, são dos poucos lugares onde se entra livremente, sem pagar, e se usufrui de um espaço que convida ao encontro, para alguns com Deus e para muitos consigo mesmos.
(Publicado no Açoriano Oriental de 23 de Março 2009)

Mais sobre mim

imagem de perfil

Visitantes

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2009
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2008
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2007
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D