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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

O Natal vai passar por aí

Por entre os vidros das janelas veem-se luzinhas que brilham numa árvore colocada ali, de propósito, para que se veja da rua. Mais à frente, um pai natal surge pendurado, do lado de fora de uma casa, espreitando para dentro, trazendo nas costas a saca dos desejos, de crianças e adultos. Todos esperam receber um bem, uma notícia ou algo de bom, venha de onde vier, do Pai Natal ou do Menino Jesus. 

No Natal as casas abrem-se ao mundo, renovadas e brilhantes.

Fizeram-se as limpezas da festa; cheira a óleo de cedro e a cera; as cortinas foram mudadas e as paredes lavadas. Está tudo pronto, mesmo quando não se espera que alguém apareça.  

Na mesa, há figos ou chocolates e um licor caseiro. A tradição dita que, nestes dias, o “Menino mija” em cálices de vidro que transbordam de licor de tangerina ou de vinho abafado.

No Natal as casas cheiram a cedro e a velas acesas; sente-se o calor da lareira ou das mantas que cobrem as pernas, mesmo que não faça frio. Apetece uma caneca de chá com biscoitos ou uma fatia de bolo rei e, sabe tão bem ficar a ver um desses filmes românticos, que passa na televisão, onde se descobre o “happy end”, antes mesmo de acontecer.

No Natal, ficamos todos mais sensíveis. Fazem falta os abraços e os risos das crianças e é difícil não ficar emocionado, quando se levantam os copos, para recordar quem partiu ou não pôde vir à festa e, por isso, sobram lugares na mesa.

O aconchego é bom! Mas! este é um tempo de passagem!

Um tempo para deixarmos que o amor passe por nós e nos toque com a força da solidariedade e olhemos à volta, para quem vive com muito mais dificuldades.

É certo que devíamos concretizar essa frase tão batida, de que o Natal é quando um homem quiser, mas, infelizmente, essa vontade de ajudar só nos “bate” em Dezembro. Não faz mal. O importante é mesmo abrir o coração e sentir o efeito benéfico da brisa que entra e nos obriga a olhar para fora de nós. E, ao contrário dos convites ao consumo desenfreado, que nos alienam, as dificuldades dos outros fazem-nos sentir frágeis, vulneráveis e mais sensíveis.

Podemos criticar as iniciativas, privadas e públicas, que oferecem cabazes de bens essenciais, porque são gotas num oceano de dificuldades. Mas, talvez possamos pensar no bem que isso pode representar para algumas famílias, para quem essa dádiva abre um parêntesis de conforto, numa narrativa dramática que, infelizmente, irá regressar depois das festas, se mais nada acontecer e outras respostas não forem dadas.

Natal é tempo de “portas abertas”, de sorrisos e votos de “Boas festas”.

Deixar que passe por cada um essa “boa onda” que aproxima, esse sentimento de comunidade que reúne e transforma os conflitos em paz, os egoísmos em solidariedade.

Natal é tempo de convites: passa lá por casa! Vem ver o meu Menino Jesus! A porta está sempre aberta!

O mundo seria bem diferente, se pudéssemos e quiséssemos manter as portas abertas. Ao invés, desconfiamos, temos medo, pomos ferrolhos e alarmes, grades nas janelas e trancas nas portas, das casas e dos corações.

A Paz só acontece quando abrimos a porta do coração para escutar os outros. E como faz falta a Paz neste tempo de guerras, onde morrem tantas crianças.

A Paz não é silêncio, nem mesmo “pausa humanitária”, mas entendimento e diálogo.

A Paz só acontece no Natal, quando as casas e os corações, tal como no estábulo de Belém, são lugares de passagem que acolhem o milagre do Amor.

 (texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 19 dezembro 2023)

Natal dos Inocentes

Inocentes são as crianças, que desconhecem a ambição dos políticos e dos governos que gastam milhões em armas, destruindo vidas, em contextos de guerra. São inocentes, porque não foram ouvidas quanto ao futuro, que lhes está a ser roubado.

Segundo um recente relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (15.dez.22), para além de todas as mortes de soldados e civis nos bombardeamentos, 441 pessoas foram executadas sumariamente, entre as quais 28 crianças (20 rapazes e 8 raparigas). Deliberadamente, as execuções têm atingido mais homens do que mulheres e muitos são mortos nas suas casas e quintais.

Para além destas pessoas, que não estavam envolvidas diretamente na ação de guerra, muitas outras, quase 8 milhões, fugiram do país e 6,5 milhões estão deslocadas internamente. Segundo o Alto-Comissariado, 1,5 milhões de crianças está sob o risco de depressão, ansiedade e outras perturbações mentais, que irão marcar o seu futuro próximo. Quem protagoniza esta guerra quer destruir edifícios, centrais elétricas e fontes de sobrevivência e, ao mesmo tempo, pretende roubar o futuro das gerações mais jovens, destruindo escolas, creches e a vida comunitária do povo ucraniano.

No tempo de Jesus, Herodes, por temer ser destronado pelo “Rei dos judeus”, mandou matar todos os bebés nascidos, na esperança de assim acabar com o projeto de paz e Amor que Jesus veio trazer à humanidade. Maria e José também tiveram de fugir a esse massacre, para garantir que a mensagem de salvação se cumpria.

Segundo reza a História, Herodes, alienado no seu poder absoluto, acabou por morrer consumido por vermes, ao tentar usurpar o poder de Deus, como queria que o povo o chamasse. Esse é o destino de quem se alimenta de poder e julga dominar o mundo, sempre que levanta o dedo ou a voz.

As crianças ucranianas nunca irão perdoar o que fizeram ao futuro do seu país. São obrigadas a fugir, arrastadas pelos pais, para não morrerem, e vivem hoje na incerteza do que será o amanhã.

Por todo o mundo há crianças que fogem da guerra, da fome e agora também dos impactos das alterações climáticas, com secas e enxurradas que tudo destroem. Algumas dessas crianças, que foram separadas das suas famílias e encaminhadas para a Rússia, foram vítimas de adoções forçadas, como noticia a Amnistia Internacional.

Em tempo de Natal, quando festejamos o nascimento de Jesus e sentimos maior proximidade de quem nos rodeia, importa não viver este Natal numa bolha de bem-estar, ignorando todos aqueles que sofrem, são excluídos ou vivem mergulhados numa profunda tristeza, isolados e esquecidos.

Este é o tempo para abrirmos o coração e deixarmos entrar as emoções fortes, que marcam a humanidade, os irmãos que moram ao nosso lado e os que vivem longe. Ninguém “merece” sofrer, em particular as crianças, que não são ouvidas, nem têm voz, e quem se está a roubar o futuro.

Somos nós, os adultos, os seus “guardiões-protetores”, de quem elas esperam colo, segurança, um abraço forte e uma palavra de conforto: vai ficar tudo bem! Tantas vezes dissemos isso, no tempo do confinamento. Agora é hora de concretizar e fazer com que tudo fique bem.

“Ouvimos, lemos e vemos, não podemos ignorar” (Sofia de Mello Breyner) agressões e violência gratuita.

A paz no mundo também é responsabilidade nossa.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 20 dezembro 2022)

Carta aos leitores

Queridos leitores e queridas leitoras.

Espero que esta carta vos encontre de boa saúde, na companhia dos que mais amam.

Nós por cá estamos bem.

Neste Natal, gostaria de vos desejar tudo de bom, sobretudo, que consigam juntar alguns familiares e amigos, mesmo que em pequenos grupos de seis pessoas, como aconselham as regras da prevenção do Covid19.

Mas não se preocupem, nós por cá também o vamos fazer, felizes por podermos festejar a vida, o Amor, pensando em todos aqueles que amamos e que, este ano, não vão estar à mesa connosco.

Não é preciso muito para saber a Natal. Uns figos, umas nozes e um bolo rei fazem a festa. Mas é claro, que o mais importante não é a mesa farta, mas o presépio do Menino Jesus. Não sei se vos acontece o mesmo, mas cá por casa, todos os anos a sala fica diferente, para dar lugar à gruta do presépio.

Afastam-se os móveis para colocar a árvore e, num canto do quarto, arma-se o presépio. Tenho ouvido dizer que há quem tenha desistido de o fazer, porque dá trabalho. É pena! Ainda me lembro do tempo em que os miúdos adoravam mexer nos bonecos e mudá-los de lugar.

O meu presépio agora é mais pequeno, mas ocupa o lugar central da casa. Todos os anos, a gruta é diferente, feita com pedaços de natureza, ramos secos, pinhas e pedras, dessas que caem dos muros, ou qualquer outro material, apanhado do chão. Não pode faltar a luz que, indireta, aponta para o Menino e cria um ambiente quente e aconchegante. É claro, que o burro e a vaca fazem o seu papel, como diz a tradição, e estão lá para o aquecer.

Mas, já que falei do presépio, da gruta que está montada a um canto da minha sala, espero que na vossa casa também haja lugar para esse espaço diferente, que renasce em cada Natal, a lembrar o mais importante: a humildade e a simplicidade que alimenta o Amor, tal como a ervilhaca e o trigo que semeamos todos os anos.

Queridos leitores, neste Natal tão diferente dos outros, o mais importante é agradecermos o muito que a vida nos deu e nos dá. Não vale a pena gastar muito tempo a lembrar o que não temos ou o que não podemos fazer neste ano. O melhor é concentrarmo-nos no lado positivo, nas pessoas que amamos, nos gestos de ternura que estamos a guardar para os tempos que virão. Vai saber tão bem, abraçar sem medo, beijar o rosto com ternura e voltar a juntar a família à volta da mesa, onde não se envelhece, quando se conversa.

Esta carta já vai longa e nem falei do ano que se aproxima: 2021. Vai ser melhor, tenho a certeza. Estamos mais fortes, mais preparados, mais alerta para os riscos, mais habituados a desinfetar as mãos, vezes sem conta. O pior são as dificuldades que alguns empresários estão a viver, por causa da baixa nos negócios e a tristeza que sentem aqueles que vivem nos lares ou estão hospitalizados. Acreditemos que isso é temporário e, não tarda, iremos retomar “o normal” das nossas vidas, com mais força e mais vontade de vencer. Se há coisa que aprendemos com esta pandemia foi a valorizar a atenção, que damos uns aos outros, e a perceber o quanto é importante sermos solidários com os mais fragilizados de entre nós. Em 2021 temos de ser melhores nesses aspetos.

A terminar, escrevo-vos estas linhas diante de uma vela que acendi por todos vós, para que tenham saúde e possam celebrar o Amor no vosso coração. Não há melhor lugar para acontecer o Natal.

Abraços fraternos e muitos beijos, desta vossa amiga.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 21 Dezembro 2020)

Carta ao Menino Jesus

Meu Menino Jesus, imagino o teu espanto quando, deitado nas tuas palhinhas, vês as crianças preocupadas apenas com as prendas que rodeiam a árvore, onde brilham milhares de lâmpadas, sem sequer olharem para ti. Não conhecem a tua história, ninguém lhes disse que este é o teu aniversário e que estás deitado na manjedoura de um abrigo de pastores, porque ninguém quis dar guarida à tua mãe, quando chegou a hora de nasceres.

Acabaste por vir ao mundo num estábulo, ajudado pelo pai José e aquecido por uma vaca e o burro, que ali descansavam. Este acontecimento, retratado no presépio, revela como o Amor só encontra espaço na simplicidade e humildade, e sempre que nos despojamos de supérfluos ou adereços de circunstância.

Na tradição do nosso povo açoriano sempre tiveste o lugar central. Em muitas das nossas casas há quem ainda te faça um altar, decorado com as frutas da época, laranjas e tangerinas. Mais frequente é teres, à tua volta, pratinhos com ervilhaca e trigo, que trazem ao presépio uma vida verdejante. Assim se repete um gesto do passado, quando a terra era fonte de sobrevivência e, desta forma, se esperava que protegesses as culturas do ano seguinte.

Tu, Menino Jesus, és o mais importante desta festa, por isso, era de ti que se dizia que vinham as prendas, e era a ti que se pediam desejos. Mas foste rapidamente ultrapassado por uma figura vinda do mundo comercial, um velhinho de barbas brancas que, supostamente, fabrica brinquedos num lugar de fantasia e entra pelas chaminés, para encher a vida das crianças com objetos.

Mas voltemos ao lugar que sempre ocupaste nas famílias açorianas. Ficarás espantado com a pergunta, "o Menino mija?", mas é assim que os visitantes, familiares, amigos ou vizinhos, questionam o dono da casa, esperando provar os licores e as iguarias que, habitualmente, são postas na mesa durante esta quadra.

Este é um tempo bom, saboroso e quente, porque apetece estar com quem amamos e sentimos pena dos que não o podem fazer.

Nestes dias, dói saber que há famílias divididas, pais que não aceitam os filhos com dificuldades, porque tem uma orientação sexual diferente, estão presos a dependências ou desorientados na vida.

Nestes dias ficamos mais emotivos e gostaríamos de acabar com todas as dificuldades, sobretudo, as que afligem os mais pobres. Mas sabemos que essa emoção tem muito de "peso de consciência". Quem vive na pobreza não fica melhor por lhe darmos um cabaz ou uma qualquer esmola. No dia seguinte as agruras estão lá e até mais duras, porque tiveram a oportunidade de saborear um pouco de fartura.

Menino Jesus, seria bom poder tornar tudo mais fácil, libertar as pessoas do individualismo, que isola as famílias dentro de casas iluminadas, onde não há presépios.

Por isso, neste Natal, gostava que as crianças olhassem para ti e descobrissem a fraternidade, antes da competitividade; os pais vissem o presépio como exemplo de simplicidade, e o mundo, mesmo aquele que não acredita na tua mensagem, reconhecesse na Paz, a única plataforma de diálogo.

Menino Jesus, obrigada por (re)nasceres todos os anos e alimentares a esperança de que podemos fazer e ser diferentes, depois do Natal!

(texto publicado no Jornal Açoriano Oriental a 24 dez. 2019)

Em véspera de Natal

A tradição mantém-se. Para muitos talvez tenha perdido sentido, mas a beleza dos vasos de ervilhaca, derramando uma chuva de fios brancos, ou dos pequenos prados de trigo verdejante, continua a marcar presença na decoração de Natal de muitas famílias.

Contrastando com as luzes que piscam, as árvores de plástico e os enfeites cobertos de areias cintilantes, a ervilhaca e o trigo transportam-nos para outro tempo e revelam um Natal com outro sentido.

Este é o Natal simples, dos que aguardam com esperança a renovação e reconhecem humildade e simplicidade na gruta de Belém.

Reza a tradição que as sementes devem ser postas em água a 8 de Dezembro, festa de Nossa Senhora da Conceição, e na terra no dia 13, dia de Santa Luzia. Uma tradição que terá vindo com os povoadores, já que acontece no Algarve, onde também estas sementeiras enfeitam os altarinhos dedicados ao menino Jesus.

Rodear o presépio ou o altar do Menino, de tangerinas e pequenos canteiros de ervilhaca, trigo, ou até de alpista e outros grãos germinados, era prenúncio de quem esperava boas colheitas e fartura de pão, no ano seguinte.

Em torno da imagem, que simboliza o renascimento, a esperança e um novo tempo, a tradição das pequenas sementeiras mostra-nos um povo consciente da incerteza e da vulnerabilidade da vida. Nada está garantido! Mas, quando há entrega e os gestos de simplicidade são genuínos, tudo ganha sentido, até os acontecimentos menos bons e os desejos não concretizados.

O Natal não é tempo de fachadas ou faz-de-conta, mas de reencontros sinceros, profundos.

Por detrás dos brilhos e das luzes cintilantes, há um cheiro a cedro e a luz de uma vela que ilumina o rosto de uma criança, aquecida pelo bafo de um burro e de uma vaca, como nos conta a história popular.

Um Deus feito homem mudou a humanidade e, ainda agora, reúne famílias em torno do presépio, que se deve a São Francisco quando, no século XIII, utilizou esta representação para falar do nascimento de Jesus.

Um acontecimento, vivido há mais de dois mil anos, transformou a gruta de Belém num espaço doméstico, que se reconstrói em milhares de casas e terras, fazendo memória desse momento que, segundo os textos, levou Maria e José a refugiarem-se num estábulo, quando se dirigiam a Nazaré para que Jesus aí nascesse e fosse depois registado, em Jerusalém.

Para as religiões monoteístas, Jerusalém é muito mais do que um lugar na história sagrada, é uma referencia para os cristãos, que reconheceram o Messias, mas também para os judeus, que ainda o esperam, ou os muçulmanos que acreditam no Deus do profeta e muitos outros, que ainda agora procuram entender a mensagem de Belém.

A decisão da ONU, ao manter Jerusalém separada dos conflitos entre Israel e Palestina, faz parte do plano de pacificação entre estes territórios, que são vítimas de uma história política onde se misturam credos e lugares de culto.

A paz não se decreta, constrói-se. E essa construção é um edifício frágil, que pode levar anos, décadas, a montar e ser destruída num sopro.

Foi isso que o presidente dos Estados Unidos fez, ao decidir reconhecer Jerusalém como capital de Israel. À distância, sem respeitar a história da Palestina, Trump assoprou um braseiro, supostamente, para cumprir uma promessa eleitoral.

A paz é uma ciência (paciência) que só os humildes de coração conseguem decifrar, inacessível a quem vive ofuscado com o brilho dourado do poder.

Natal é tempo de procurarmos o essencial, no cheiro do cedro, num prato de ervilhaca ou no brilho de uma vela; entender a paz e reconciliar a fragilidade do ser humano com a força da esperança.

(texto publcado no jornal Açoriano Oriental de 12 Dezembro 2017)

À luz da vela

O rosto do meu menino Jesus brilha à luz de uma vela, entre as imagens de Nossa Senhora e São José. Aconchegado numa cama de palhinhas, que todos os anos refaço para o deitar, parece contente debaixo do teto feito de galhos que o vento arrancou às árvores.

Este é o momento que dá sentido ao meu Natal, sempre igual nas imagens, guardadas em papel de jornal, mas sempre diferente na história que me conta sobre o ano que passou e me faz recordar, agradecer, bons e os maus momentos.

Por muito que alguns teimem em reduzir este tempo ao consumo e exagero, seja alimentar ou decorativo, o presépio continua a ser o único espaço que permanece fiel à mensagem de simplicidade e renovação que representa o Natal.

Natal, palavra mágica, que muitos nem lhe conhecem a origem, mas que torna as pessoas diferentes, mais generosas e alegres.

Levanto os olhos para esse menino luz, que reflete o calor da vela, que brilha no meio da ervilhaca e do trigo, e recordo em mim a criança que fui e que sou no fundo de mim mesma. Afinal, todos nós somos, agora e hoje, parte do que já fomos. E, nada melhor do que este tempo para renovar em nós essa infância simples, generosa e imaginativa.

Mesmo aqueles que dizem não acreditar no Deus menino, esperam que este tempo faça milagres de amor.

São inúmeras as iniciativas de angariação de géneros alimentares para pessoas carenciadas; os jornais falam de famílias separadas e fragilizadas, que sonham viver o Natal à volta de uma mesa. Os peditórios alertam para a realidade da pobreza infantil, das crianças que nunca tiveram a visita do velhinho de barbas, que parece assustar alguns meninos, quando os pais insistem numa fotografia tirada ao colo desse avô dos presentes.

Natal! Há no ar um sentimento misto de felicidade e angústia. Se por momentos parecem felizes com toda essa azáfama, há quem fique angustiado sem conseguir gerir, ao mesmo tempo, o excesso do consumo e o apelo de tantas campanhas para ajudar.

Parece que fazemos questão de guardar tudo para este tempo. Numa única semana por ano, fazem-se limpezas, enfeitam-se as casas com brilho e luzes, junta-se a família e lembram-se os amigos, com prendas e refeições de festa. Nesta semana somos mais amigos de ajudar quem não conhecemos, ao mesmo tempo que somos mais facilmente tentados pelo exagero do supérfluo, solidários com uma mão, gastamos com a outra. Não admira que fiquemos cansados, alguns até exaustos, quando terminam as festas e a vida volta à normal rotina de todo o ano, sem brilho nem fartura, de novo diante dos papéis de jornal que irão proteger as imagens do presépio.

Paro um pouco diante do presépio e volto a olhar esse rosto que acorda com o piscar da vela que brilha.

Ali, quieto, o menino Deus ocupa o centro da gruta, recorda o essencial, que não muda, apesar do brilho das árvores e do movimento nas lojas cheias de clientes.

Afinal tudo se resume a esta mensagem de simplicidade: o amor nasce sempre num lugar simples, no coração mais humilde, onde não haja luxos ou exageros, mas onde se sinta o calor do acolhimento.

Fecho os olhos e continuo a ver aquele rosto brilhar à luz da vela.

Afinal o Natal está dentro de cada pessoa, quando muitos o procuram comprar.

Nesse lugar a que chamamos coração, onde guardamos o melhor de nós mesmos, é aí que melhor se sente o significado deste tempo.

A todos, desejo um santo Natal.

Boas Festas!

 

(texto publicado no Açoriano Oriental de 15 Dezembro 2015).

O ano termina

Já tiramos a última folha ao calendário de 2014. Chegamos a Dezembro!

O ano termina, e se, para muitos, é sinal de tristeza, para outros, um alívio.

Tristeza para aqueles que viveram um ano bom, diferente, recheado de acontecimentos favoráveis e receiam que o próximo não seja igual. Alívio, para outros, para quem o ano foi difícil, carregado de problemas e sofrimentos, e nada como recomeçar um novo ano, na esperança de melhores dias.

Apesar de estarmos no fim do ano, o melhor é sempre encarar este fim como transitório. Um tempo de passagem e renovação que, aliás, muitos vivem de forma ruidosa e festiva!

Dezembro é um mês de emoções. As festas, as ofertas, os gestos de solidariedade, a família que se junta, os filhos que regressam de férias, os amigos que não se veem há muito tempo.

As pessoas parecem ficar ou estar diferentes; mais simpáticas, mais sensíveis, mais amigas e disponíveis para um sorriso, uma graça...

Sente-se uma onda de humanismo, de realismo, e as histórias de sofrimento e de abandono, tornam-se mais próximas, como se de repente o mundo se desse conta que levou o ano inteiro a passar, muitas vezes, ao lado da pobreza, ignorando os vizinhos, desconhecendo a dor e as dificuldades dos que trabalham na mesma instituição ou empresa, que estudam na mesma escola ou frequentam o mesmo ginásio.

Passaram ao lado, ignorando a realidade. Mas, chegados a dezembro, parece que a consciência começa a pesar. Talvez isso seja um sinal de alerta. Realmente é quando tomamos consciência que vemos mais e melhor; é quando deixamos cair o disfarce que reconhecemos a humanidade dos que nos rodeiam e dos que não cumprimentamos, a quem não costumamos dizer bom dia!

Natal é um tempo de maior proximidade ao transcendente, um tempo em que se exalta o amor, a fraternidade, a partilha. Crentes em Jesus ou não, todos somos tomados pela mensagem de simplicidade do presépio, onde contrasta a divindade com a pobreza do espaço, o brilho com a humildade dos personagens.

Dezembro é por isso o mês dos afetos. E por muitos anos que passem, 8 de Dezembro continua a ser um dia especial. Por ser o dia das montras, dirão alguns! Também! Ainda mantemos esta tradição de sair à rua e espreitar as prendas e sonhar com brinquedos!

Mas é também especial por ser ainda para muitos, entre os quais me incluo, o dia da mãe!

Um dia de agradecimento especial, que nada tem a ver com o espírito comercial que levou a mudar a data para Maio.

Este é o mês para fazermos o balanço. Do que fomos como filhos, do que somos como pais/mães, cidadãos, colegas! Vale a pena olhar para trás e pensar: o que fiz este ano que valeu a pena? O que podia ter feito, que deixei de lado, à espera que viesse a vontade e acabou por ficar esquecido a um canto!?

Este é também um tempo para pensar o que somos, de que somos feitos, em que acreditamos e o que nos move por dentro.

É mais um ano que termina, mas se algo ficou por fazer, há sempre possibilidade de transitar para o próximo, como fazem os contabilistas com os saldos!

Pode ser que seja tarde, mas se o que transitar for Amor, perdão, vontade de vencer, vai valer a pena começar o próximo ano, com todo esse património para gastar!

Neste final de 2014, permitam-me que vos deseje o que melhor se pode sentir no Natal... afetos.

Todos precisamos de sentir por dentro que somos amados, particularmente aqueles que vivem momentos mais difíceis...

No mais íntimo do ser humano, quando nada mais há do que disponibilidade, entrega e amor, tudo se renova, até a força para lutar!

(texto lido na rubrica "Sentir a ilha" no programa "Entre palavras" de Graça Moniz - R. Atlantida - 7 Dez.2014)

À procura do espírito de Natal

Percorro as ruas à procura do espírito de Natal e todos me dizem que é fácil encontrá-lo. Basta que preste atenção às canções que se ouvem nos altifalantes. Falam de pinheiros e de prendas, contam histórias de neve e de Pais natal que viajam em trenós de renas.

Mas, apesar dessa toada musical, pontuada pelo som dos sinos, não consigo sentir o espírito de Natal.

Há mais, dizem-me as vozes da rua, não desistas de encontrar. Procura as casas que brilham na noite, com luzes no telhado, nas paredes e nos jardins. Repara como, nesta altura, as pessoas andam numa azáfama; compram de tudo, carregam pacotes enfeitados. Umas mais do que outras aproveitam para vestir a família, decorar a casa e alegrar os mais novos.

Até parece que esse é o espírito de Natal, porque a dádiva e a troca são práticas de solidariedade que rompem com o espírito comercial, invertem os interesses que, na maioria dos casos, estão por detrás das transacções económicas. O Natal é um caso à parte. Compramos para dar, queremos mimar alguém com prendas, que julgamos irem agradar, porque foram compradas a pensar nessa pessoa. 

Não será que o espírito de Natal está aí presente nessas dádivas generosas? Mas, reparo que, no meio dessas compras todas, que deveriam ser gestos de amizade e de amor, há quem gaste pequenas fortunas, não porque o outro merece, mas para não ficar atrás, para parecer maior e se sobrepor ou ser comparável às prendas dos outros.

A boneca foi a maior, que é para a afilhada ficar com boa imagem da madrinha.

O equipamento de jogos foi o mais caro do mercado, para que o filho possa dizer na escola que tem o último modelo.

A televisão foi trocada, por uma com tantas funções que só de manual nas mãos.

Afinal, será que é esse o espírito de Natal, será que deve ser esse o significado das prendas?

Abandono as ruas, fecho as janelas às luzes e ao som dos altifalantes e procuro no sótão as caixas com os bonecos de presépio, embrulhados em papel de jornal, que me esperam há um ano, para que lhes dê vida.

Preparo o lugar do presépio, com musgão, pedras, ramos de cedro e paus que recolhi no campo. Recomeço o ritual de montagem deste espaço fora do espaço, onde se conta a história do nascimento de Jesus e se congregam os que o veneram, desde os pastores com as suas ovelhas, às mulheres que transportam cargas à cabeça até outras figuras, mais recentes, representando cenas tradicionais.

Acendo uma vela, coloco os pratos de ervilhaca e de trigo e deixo que a luz ilumine estas figuras de barro, que me contam histórias de outros natais e me fazem sentir criança.

Afinal, o espírito de Natal existe. Está presente ali, no silêncio daquelas imagens que transformam o recanto da minha sala num lugar de oração e renovam o mistério do nascimento de um Jesus, feito menino, que incarna os problemas mais graves da humanidade: a rejeição do homem da estalagem, que lhe oferece um estábulo para nascer; o frio de um lugar sem condições; a contradição de uma vida simples, de um reino de amor diante de um povo que esperava um Rei com armas e poder material.

Afinal o espírito de Natal existe, mas só se descobre na paz e no silêncio, no coração das pessoas e nos gestos de amor.

(publicado no Açoriano Oriental, 20 Dezembro 2010)

O Natal que eu não gosto

Nem tudo no Natal me agrada.

Desculpem, mas há uma pressão, uma insistência no brilho, um exagero de luzes, de enfeites e de consumo, que não me agradam no Natal.

O Natal que me faz vibrar é feito de coisas muito simples: um presépio, uma lamparina de azeite acesa, um menino deitado nas palhinhas e um cheiro a cedro de uma árvore enfeitada com bolas e fitas.

Há coisas no Natal que me incomodam. O excesso de luzes nas ruas, as músicas que se repetem e os pais natais que tanto atraem as crianças como as assustam.

Na minha memória no Natal não pode faltar os pratos de ervilhaca, de trigo e de alpista, transformando o presépio numa paisagem natural, miniatura da ilha verde, rica da fartura que se espera.

Não cabem no meu Natal as compras avultadas, os brinquedos que são desejos de adulto e que as crianças abandonam, para se deixarem cativar por um brinquedo simples com o qual fazem de conta que são reis e senhores, ou então fantasiam uma cena doméstica, onde brincam aos pais e às mães, aos comerciantes e aos clientes.

No Natal é preciso tão pouco para sentir a união, o aconchego e a partilha. É preciso tão pouco e tudo à nossa volta parece ser tão exagerado. Alguns parecem viver este tempo como um concurso onde cada um tenta iluminar a sua casa mais do que a do vizinho. É ver os veados a saltar, os pais Natal pendurados em varandas e nos telhados. Um concurso que por vezes se estende às prendas, que se querem maiores e mais caras.

No meu Natal, aquele que me faz sentir criança de novo, há velas acesas, lamparinas de azeite que brilham no escuro do quarto, onde um menino Jesus aguarda a oração da família.

No meu Natal até podia não haver uma árvore, mas não faltaria o presépio.

Porque o Natal deveria ser um tempo de verdade, de sincera solidariedade, de tomada de consciência e sobretudo de encontro. Um tempo para despir máscaras, abandonar o brilho das aparências, deixar-se de falsos sorrisos e hipocrisias e procurar dentro de si os sentimentos mais profundos.

Neste tempo de balanço de um ano que termina, é sempre hora para deitar fora as raivas e abraçar os afectos mais positivos, aqueles que nos reaproximam de amigos afastados, nos leva a visitar familiares sozinhos e nos anima a dizer, “boas festas e um bom ano”, convictos desses votos, porque ditos com o coração.

O Natal da minha memória é partilha, simplicidade e não combina com excessos e acumulação. Faltam poucos dias para a festa e este é o tempo da preparação, não apenas para fazer as limpezas gerais, mudar as cortinas ou as colchas da cama. Este é o tempo para lembrar os que amamos, os amigos e aqueles a quem há muito não falamos. Uma palavra, um telefonema podem ser suficientes para fazer deste Natal um tempo diferente. Mas, se ainda não recebeu essa mensagem amiga, aqui ficam algumas palavras de calor.

 Neste Natal não me esqueci de si, sobretudo se está sozinho, doente ou longe dos que mais ama. Há um lugar diante do presépio também para si!

No meio das luzes e dos enfeites, são para si os sorrisos das crianças e a magia daquela vela acesa que ilumina o rosto do Menino Jesus. Afinal é do aniversário dele que se trata; pode sempre lhe cantar parabéns!

(publicado no Açoriano Oriental de 15 Dezembro 2008)

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