O Natal vai passar por aí
Por entre os vidros das janelas veem-se luzinhas que brilham numa árvore colocada ali, de propósito, para que se veja da rua. Mais à frente, um pai natal surge pendurado, do lado de fora de uma casa, espreitando para dentro, trazendo nas costas a saca dos desejos, de crianças e adultos. Todos esperam receber um bem, uma notícia ou algo de bom, venha de onde vier, do Pai Natal ou do Menino Jesus.
No Natal as casas abrem-se ao mundo, renovadas e brilhantes.
Fizeram-se as limpezas da festa; cheira a óleo de cedro e a cera; as cortinas foram mudadas e as paredes lavadas. Está tudo pronto, mesmo quando não se espera que alguém apareça.
Na mesa, há figos ou chocolates e um licor caseiro. A tradição dita que, nestes dias, o “Menino mija” em cálices de vidro que transbordam de licor de tangerina ou de vinho abafado.
No Natal as casas cheiram a cedro e a velas acesas; sente-se o calor da lareira ou das mantas que cobrem as pernas, mesmo que não faça frio. Apetece uma caneca de chá com biscoitos ou uma fatia de bolo rei e, sabe tão bem ficar a ver um desses filmes românticos, que passa na televisão, onde se descobre o “happy end”, antes mesmo de acontecer.
No Natal, ficamos todos mais sensíveis. Fazem falta os abraços e os risos das crianças e é difícil não ficar emocionado, quando se levantam os copos, para recordar quem partiu ou não pôde vir à festa e, por isso, sobram lugares na mesa.
O aconchego é bom! Mas! este é um tempo de passagem!
Um tempo para deixarmos que o amor passe por nós e nos toque com a força da solidariedade e olhemos à volta, para quem vive com muito mais dificuldades.
É certo que devíamos concretizar essa frase tão batida, de que o Natal é quando um homem quiser, mas, infelizmente, essa vontade de ajudar só nos “bate” em Dezembro. Não faz mal. O importante é mesmo abrir o coração e sentir o efeito benéfico da brisa que entra e nos obriga a olhar para fora de nós. E, ao contrário dos convites ao consumo desenfreado, que nos alienam, as dificuldades dos outros fazem-nos sentir frágeis, vulneráveis e mais sensíveis.
Podemos criticar as iniciativas, privadas e públicas, que oferecem cabazes de bens essenciais, porque são gotas num oceano de dificuldades. Mas, talvez possamos pensar no bem que isso pode representar para algumas famílias, para quem essa dádiva abre um parêntesis de conforto, numa narrativa dramática que, infelizmente, irá regressar depois das festas, se mais nada acontecer e outras respostas não forem dadas.
Natal é tempo de “portas abertas”, de sorrisos e votos de “Boas festas”.
Deixar que passe por cada um essa “boa onda” que aproxima, esse sentimento de comunidade que reúne e transforma os conflitos em paz, os egoísmos em solidariedade.
Natal é tempo de convites: passa lá por casa! Vem ver o meu Menino Jesus! A porta está sempre aberta!
O mundo seria bem diferente, se pudéssemos e quiséssemos manter as portas abertas. Ao invés, desconfiamos, temos medo, pomos ferrolhos e alarmes, grades nas janelas e trancas nas portas, das casas e dos corações.
A Paz só acontece quando abrimos a porta do coração para escutar os outros. E como faz falta a Paz neste tempo de guerras, onde morrem tantas crianças.
A Paz não é silêncio, nem mesmo “pausa humanitária”, mas entendimento e diálogo.
A Paz só acontece no Natal, quando as casas e os corações, tal como no estábulo de Belém, são lugares de passagem que acolhem o milagre do Amor.
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 19 dezembro 2023)