Os duros números da pobreza
“Torturem os números que eles confessam” (2014) é o título da obra do economista Pedro Ramos. Para falarmos da pobreza nos Açores, não é preciso torturar os números, porque eles estalam no meio do “verniz político”.
Reduzir a pobreza é um desafio estrutural, que se agrava com as crises, mas também com as políticas de “maquilhagem”, que não trabalham causas, mas alimentam aparências.
Os números não mentem, sobretudo, quando olhamos às tendências dos últimos anos. Na Região Autónoma dos Açores, em 2018, a taxa de risco de pobreza, após as transferências sociais, era de 31,6% e desceu para 21,8% em 2021, um valor surpreendente, quando em todas as outras regiões a pobreza aumentou com a pandemia. Teria sido um bom indicador, não fora o retrocesso verificado em 2022 (25,1%), agravado em 2023 e que coloca a região na taxa de risco de pobreza mais elevada do país (26,1%).
Em matéria de combate à pobreza, estamos a perder terreno.
Os Açores são a região, do país, mais desigual em matéria de distribuição dos rendimentos.
Podemos tentar torcer estes números, mas a realidade não os desmente, antes nos faz questionar. Como pode o número de beneficiários do RSI ter diminuído 42,8% em três anos (menos 6200), entre out. 2020 (14494) e out. 2023 (8294) e, ao mesmo tempo, existirem mais 13 mil pessoas, a viver com rendimentos abaixo do limiar da pobreza?
Se as famílias conseguiram obter rendimento do trabalho, como alegam os governantes, “torcendo” os números do emprego para explicar a baixa dos beneficiários do RSI, porque motivo há mais 800 famílias a serem apoiadas pelo Banco Alimentar (+33%) e mais 758 beneficiários do Fundo Europeu de Auxílio Alimentar (FEAC)?
A pobreza não significa apenas baixos rendimentos monetários, envolve outras desigualdades, nomeadamente, no acesso à habitação, na saúde e, sobretudo, no grau de escolaridade atingido.
Quanto à habitação, as respostas não passam, forçosamente, pela construção, mas deveriam apostar na reabilitação do edificado e no apoio às rendas. Não podemos esquecer que os Açores têm menos 10 mil habitantes (Censos 2011 e 2021) e há freguesias a perder população residente.
Em termos educacionais, regista-se um agravamento dos números nos Açores, nomeadamente, baixou a taxa de escolarização em alguns grupos etários e aumentou a taxa de abandono escolar precoce, que avalia o número de jovens entre os 18 e os 24 anos que não completou a escolaridade obrigatória (de 23,2% em 2021 para 26,5% em 2022). Ao invés do país (6%) que ultrapassou a média europeia (9,4%), os Açores têm o número mais elevado de jovens não qualificados, o que agrava a procura de emprego e as desigualdades em geral, particularmente ao nível da saúde.
Não vale a pena envernizar os números, para aparentar melhorias.
O combate à pobreza implica um desenvolvimento sustentado e sustentável, que não se compadece de acordos políticos, onde se promete baixar o número de beneficiários do RSI, retirando os pobres da estatística, mesmo que aumentem a miséria, a fome, o analfabetismo ou o insucesso escolar.
Que Região queremos ser? O que fizemos das relações de “fraternidade” do Espírito Santo ou das romarias? Contra a dureza dos números só a humanização da política e um verdadeiro Estado Social podem enfrentar o desafio da pobreza.
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 5 dezembro 2023)