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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Nos 50 anos da democracia

O país votou e de forma mais expressiva, um sinal positivo da democracia, valor inestimável, que Portugal conhece há cinquenta anos.

E, é porque vivemos em democracia que foi possível ouvir, nesta última campanha eleitoral, discursos radicais de direita, inspirados em velhas e bolorentas páginas da história. Houve quem propusesse retrocessos no texto da Constituição, o encerramento de fronteiras, a escolha dos imigrantes, a penalização moral e social da livre expressão da orientação de género, a recuperação de um quadro tradicional da família, preferencialmente, numerosa, onde a mãe seja doméstica e o pai provedor; uma família perfeita, onde não se fale dos conflitos individuais.  Um país “orgulhosamente só” que exalte a pátria, como valor absoluto de autossuficiência e onde os pobres sejam controlados, fiscalizados pelo poder público, por técnicos que, atrás de uma secretária, atribuem apoios, a quem merecer receber.

Esta é, por ventura uma caricatura, mas quem leia os programas eleitorais dos partidos que se posicionam mais à direita no quadro político atual, irá encontrar medidas que visam o que uns chamaram de “limpeza”, imbuídos de uma roupagem moral de “intocáveis”, face a todos esses que, na ótica desses partidos, “poluem” o país:  os pobres, as prostitutas, os imigrantes e a comunidade cigana, todos aqueles “outros” que “incomodam” e que terão, se quiserem viver neste país, de sujeitar-se a ser “como eles”, filhos da terra, herdeiros de uma nacionalidade.

Quando estamos a completar 50 anos de libertação de um regime autoritário e ditatorial, quando mais de três gerações puderam nascer sem medo, com acesso à escola e a um sistema de saúde público; quando ser mulher deixou de ser uma menoridade, mas condição de partilha de oportunidades e direitos, o país é confrontado com discursos que põem em causa a construção de uma sociedade paritária, solidária e aberta à diversidade cultural. 

O poder que humaniza é compreensivo, empático, procura identificar causas e encontrar soluções a partir dos contextos. Estes “novos” discursos, advogam o regresso à justiça individual, a redução do dever de solidariedade, o afastamento estrutural entre os que mais têm e os que menos possuem e promovem o agravamento do fosso social e económico, que fará regressar mendicidade, ignorância e falta de oportunidades!

O país acordou, no dia 11 de março, diante de um futuro incerto.

A história, que vier a ser escrita, irá contar este tempo e, talvez nessa altura, se possa entender o que aconteceu às gerações que, nascendo em democracia, se cansaram do que esta representa. Porque em democracia, todos os dias, temos de lutar, afirmar direitos, estar atentos a abusos de poder, vigilantes no cumprimento dos princípios da liberdade e da responsabilidade social. Será que as gerações de abril esqueceram de dizer aos filhos, o que representou a transição para a democracia? Será que alguns educaram as novas gerações, mais qualificadas do que eles, fazendo crer que a construção do país e o poder deveriam estar nas mãos, apenas, de alguns? Será que lhes prometeram o paraíso, sem lhes fazer crer que as ilusões devem dar lugar à realidade e a compreensão dos problemas deve partir da realidade vivida pelas pessoas?

O país votou e, agora, depois de arrefecer a pancada, Portugal terá de saber mostrar a si mesmo e ao mundo, o que realmente importa, quando se festeja 50 anos de democracia e liberdade.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 12 março 2024) 

Um inimigo do povo

Foi com este título, "Um inimigo do povo" que subiu à cena, no Teatro Micaelense, uma peça da autoria de Henrik Ibsen, com direção artística de Tónan Quito.

A história começa numa estância balnear onde o médico responsável aguarda, com ansiedade, o resultado de umas análises à qualidade da água do empreendimento, cuja abertura estava a trazer um novo fôlego económico à comunidade local.

Perante o resultado desfavorável, entretanto conhecido, coloca-se o dilema e a decisão de encerrar, ou não, a estância balnear.

Esta é uma história, onde se confronta o saber dos técnicos com o poder dos políticos; o conhecimento e a informação, com a ignorância consentida; a força da objetividade e da verdade contra o poder da imagem, do interesse pessoal e da mentira intencional.

Na base deste confronto, uma atitude: o questionamento do técnico, o espírito crítico. De início até colhe apoios, todos consideram importante que se saiba mais. Mas logo, esses mesmos apoiantes mudam de posição quando confrontados com as consequências desse saber, da informação recolhida.

Ainda hoje se ouve dizer: "mais vale a ignorância, prefiro não saber".

E são essas posições de valorização do desconhecimento, que dão espaço aos demagogos e populistas, ao aproveitamento político e económico.

Perante o desinteresse de muitos, uns poucos decidem, como bem entendem, o que fazer da informação a que tem acesso. Se for incómoda, o melhor é não revelar. Se for por em causa decisões políticas erradas, então só há que desvalorizar ou guardar na gaveta, com carimbo "confidencial". Assim, protegem-se as pessoas do conhecimento da verdade e mantêm-se as aparências, pelo menos, enquanto for possível controlar os impactos negativos.

"O inimigo do povo" é uma peça que desinstala os espectadores. Sobretudo, quando a assembleia, que terá de se pronunciar, são os próprios espectadores na sala do Teatro. Voltados para a plateia, os atores interpelam o público sobre qual a posição mais adequada: a do médico, que insiste em revelar a informação e dessa forma defender a saúde pública, ou a do Intendente que, preocupado com o impacto económico que adviria do encerramento da estância termal, prefere esperar, deixar que todos fiquem na ignorância, contrapondo ao discurso do médico: "devia ter falado comigo antes". Porque, um assunto "tão sensível", nunca seria divulgado no estado "bruto", mas ardilosamente diluído numa mentira, capaz de enterrar o que não defende os interesses de quem decide.

Esta encenação toca um tema atual, que enche páginas de jornais a propósito da eleição do presidente dos Estados Unidos.

Podem os jornalistas contar quantas mentiras o candidato republicano proferiu por discurso. O certo é que o impacto, produzido nos auditórios, teve um efeito suficientemente duradoiro para que ganhasse as eleições. Apesar de, entre mentiras e muito show off, ser evidente o risco para a democracia e a liberdade nos Estados Unidos, aparentemente, alguns só o descobriram após o ato eleitoral.

A verdade dos factos desinstala e faz-nos olhar a realidade tal como ela é e não como é mais conveniente. Esta dualidade de posições, entre quem faz ciência e quem tem o poder político ou económico, não deveria ser contraditória, se o conhecimento fosse considerado a base das decisões, mesmo que difíceis e contrárias aos interesses instalados.

Atitudes como, "não se fala nisso", "mais tarde se verá" ou "não é oportuno por enquanto", comprometem a construção de uma sociedade democrática.

É certo que a mentira vende e até faz ganhar eleições, mas certamente que não constrói ou defende a humanidade.

(artigo publicado no Açoriano Oriental 15 Novembro 2016)

Recomeçar

Recomeçar é um verbo estranho, onde a esperança de um novo tempo se mistura com a continuidade, num começo carregado de experiências anteriores, que retoma o percurso deixado, por ventura de forma mais madura, ajuizada, tão diferente do que foi na primeira vez, no começo.

Recomeçar é sempre um ato de coragem, porque quando há que agarrar um novo desafio, depois de concluído ou abandonado um percurso, por vezes, apetece desistir, encostar e não tentar de novo. Em todo o recomeço está presente a memória do percurso anterior. Afinal, mal ou bem, estávamos num caminho e havia planos, que se concluíram ou não; agora há que voltar à casa de partida ou emendar o fio à meada deixada por tricotar.

Recomeçar, seja o que for, a escrever, lecionar ou jardinar, faz-nos sentir de novo presos à terra, onde os pés bem assentes no chão vão trilhando caminho.

E foi isso que me aconteceu.

Depois de um percurso mais ou menos longo de envolvimento político, como simpatizante do partido socialista, desde o poder local ao regional, passando por muitas campanhas eleitorais, regressei aos livros, ao estudo e à docência que, em grande parte me ajudam a construir um pensamento sobre a realidade e reforçam a sensibilidade para entender e ter curiosidade para compreender o mundo que me rodeia.

Alguns poderão pensar que devia ter voltado ao parlamento regional pois, em bom rigor, fui eleita para um mandato de quatro anos, para defender um projeto político e um programa de governo. Essa era uma opção e até diria um dever, mas que deixou de corresponder às circunstâncias, já que foi entendido pelo responsável do governo, que não estaria a concretizar da melhor forma esse projeto, esse programa, particularmente no que às políticas sociais diz respeito, dimensão que considero de extrema importância na estruturação de uma sociedade mais justa e mais desenvolvida.

Devo uma palavra aos eleitores, por não ter recomeçado onde estava antes, ou seja no lugar de deputada, e ter optado por regressar à realidade académica de onde saí, antes da vida política.

Essa é no entanto a minha visão de serviço, que considero indissociável dos cargos políticos. Não são uma profissão, são mandatos, não são eternizáveis, mas transitórios. Os seus protagonistas ganham em levar para a vida política o conhecimento que têm da realidade e a voz das pessoas a quem é suposto servirem, para que o discurso político seja enraizado e não flutue entre frases feitas e imagens de cartaz.

A política é a arte de gerir a polis e, na sua origem, ontem como hoje, está a cidadania, ou seja, a defesa dos direitos de todos, para todos.

Recomeçar tem por isso uma vantagem, talvez não seja voltar à estaca zero mas reencontrar-se com a raiz, com os fundamentos da cidadania, por vezes esquecidos, por falta de tempo, de reflexão ou estudo, porque a urgência do momento ou a emergência dos números e dos resultados abafam e disfarçam os contornos mais agrestes da realidade.

Recomeçar torna-nos eternos aprendizes do saber, renova forças, liberta o pensamento e dá estímulo para nunca desistir, nem encostar.

Há muito campo para lavrar, muita tarefa para desempenhar, muitos abraços que não se deram, por falta de tempo.

Recomeçar obriga-nos a olhar em frente, sem medo nem pena do que ficou para trás ou se perdeu, porque “virar a página”  significa um sem número de possibilidades para iniciar a escrita de um novo capítulo.

 (publicado no Açoriano Oriental - Diga leitor - de 20 Setembro 2014)

O que há de pior na política...

 “O que há de pior na política não é a divergência de opinião. O que há de pior na política é o pessoalismo, a forma de resumir tudo ao “tu cá tu lá”, ao desprestígio, à invasão do privado e à má cobrança das questões éticas que ocorrem. Um bom combate, uma boa polémica, um bom debate, com uma palavra ou outra incontida, isso só faz bem.” (Carlos César, RTP-A, 5 Maio 2012)

É raro ouvir tanta lucidez num discurso político. Mas não seria de esperar outra coisa de alguém que revela plena consciência do percurso que fez na vida política, quer como líder da oposição, quer como presidente do governo. Uma lucidez que contrasta com o amadorismo de outros governantes, incapazes de antecipar o impacto das palavras que proferem, confrontados em permanência com a necessidade de contradizerem as suas afirmações da véspera.

Políticos que não se movem num quadro de referências consistente e que, por isso, descem com facilidade à opinião pessoal, pouco estruturada, circunstancial, ou como diria o presidente do governo, num “tu cá tu lá” que trata os assuntos do país ou da região, com ligeireza, por vezes até brejeirice, sem o respeito devido aos cidadãos sobre quem falam.

A credibilidade da política depende também de homens e mulheres que conduzem a sua atividade política com base num pensamento coerente e um projeto de sociedade, que procuram por em prática, em ações, decisões e afirmações.

Não merecem crédito políticos que desrespeitam os jovens licenciados portugueses, as primeiras gerações qualificadas pós 74, tratados como “jogadores de futebol” ou “produto de exportação”. O ministro Relvas (4 Junho) esquece-se que exportar massa cinzenta, como referiu, não dá lugar ao pagamento de passes e não tem retorno financeiro para o país e, dificilmente, esses jovens voltarão para fazer parte da geração adulta e decisora do futuro de Portugal. É pura e simplesmente, um desperdício, depois de uma década a investir na qualificação superior. Este é um sinal do falhanço deste governo na república que continua a desinvestir nos recursos humanos, quando convida os jovens a abandonar o “barco”, ou então lhes oferece o salário mínimo para ficarem.

Precisamos de credibilidade na política e isso significa que é fundamental um discurso sobre a realidade em que vivemos que não banalize as dificuldades por que passam as populações, e muito menos se congratule com o sofrimento, mesmo que silenciado, de muitas famílias, como referia o primeiro-ministro, elogiando a “paciência” dos portugueses (6 Junho 2012) perante o aumento do custo de vida, da taxa de desemprego ou das dificuldades crescentes.

A política exige ética e isso significa, mover-se num quadro de referências, de valores, que estruturem o pensamento e fundamentem a argumentação, elevando o político a um patamar de excelência, como demonstrou Carlos César na sua entrevista de balanço de dezasseis anos de governação.

O pior na política não é a divergência de opiniões, é ouvir políticos  que navegam à vista sem um rumo, sem um projeto de desenvolvimento. Os governantes que se congratulam por estarem a cumprir para além do memorando da troika, esquecem que tomar comprimidos a mais do que estipula a receita, não acelera a cura e pode ser tóxico.

Em política não vale tudo. O povo exige coerência e consistência no discurso e isso sente-se, quando estamos perante um grande político.

(publicado no Açoriano Oriental a 11 de Junho 2012).

Promessas e política

Não há candidato político, que se preze, que não faça promessas para conquistar os eleitores.

Mas o que esperam as populações ouvir dos candidatos?

Neste tempo, em que se pede poupança, redução de despesas e se assiste a situações de real dificuldade financeira, com casas a serem entregues à banca por falta de cumprimento das prestações e empresas que fecham por não conseguirem modernizar-se, que futuro deve ser antecipado em discursos e programas eleitorais?

Precisamos de projetos políticos consistentes, que estimulem a participação das pessoas e o seu sentido empreendedor e invistam de forma fundamentada e seletiva, na redução das carências infraestruturais.

Precisamos de políticos de fé, com valores, que tenham provas dadas em matéria de sensibilidade social; que prometam potenciar o que de melhor cada um pode dar à sociedade e não alimentem ilusões ou cenários impossíveis.

Os tempos são difíceis, mas não podemos economizar na luta contra as desigualdades sociais. Por isso, é fundamental escolher quem tudo fará para que não se agrave a injustiça social.

Precisamos de políticos que militem em partidos onde as mulheres têm assento e voz e que não façam discursos de circunstância, apelando
à participação das mulheres na política, recorrendo à velha máxima que se tal não acontece é porque faltam creches e ATL’s. A paridade de género constrói-se nos bancos da escola, na gestão das empresas, no número de lugares ocupados nos parlamentos e nas assembleias municipais. E, as creches, sendo importantes, são equipamentos complementares à vida das famílias ativas.  

Precisamos de firmeza na aposta educativa. Temos de ter coragem de assumir a importância da rede “Valorizar” e dos cursos “Reativar”, e dizer que é uma vergonha nacional fechar “oportunidades” a quem não pode ou não teve quem o apoiasse quando jovem, em matéria de qualificações académicas e profissionais.

Queremos ouvir políticos que não defendam escolas públicas para ricos e escolas públicas para pobres ou crianças de famílias maiscarenciadas, mas acreditem que todos devem ter lugar numa escola de qualidade, com meios tecnológicos e oportunidades de formação.

Precisamos de políticos que reforcem medidas sociais de apoio aos transportes como é o “passe social” ou o “Interjovem”, e não recusem financiar o transporte e a ação social escolar, que no continente são dainteira responsabilidade das autarquias. Não é credível afirmar que se defende os idosos e, ao mesmo tempo, apoiar o governo da república quando elimina o critério de idade nas tarifas dos transportes públicos.

São precisos políticos que não precisem de fazer um almoço para falar de políticas sociais e assumam que a rede de equipamentos de apoio à infância ou à velhice deve ser de qualidade, desenvolvida em parceria com a sociedade civil e servida por técnicos devidamente habilitados, o que não é compatível com sistemas paralelos, não acreditados.

Não basta prometer infraestruturas, sobretudo se não têm sustentabilidade.
Precisamos de quem acredite genuinamente na construção de uma sociedade mais justa, esteja atento às necessidades sociais e seja capaz de apoiar quem mais precisa.

Prometer o controlo de indicadores financeiros, a redução do deficit ou da dívida, não basta. As pessoas precisam de governantes que decidam com sentido de responsabilidade social e não matem a esperança e a crença num futuro melhor.

(publicado no Açoriano Oriental a 7 Fevereiro 2012)

Olívia Patroa, Olívia empregada

Quem nunca ouviu falar desta rábula, interpretada por Ivone Silva, onde a costureira Olívia, ora era patroa, e nessa condição mandava, impunha e ameaçava com punições; ora era empregada, e então vestia a condição de quem reivindicava direitos e justificações para não cumprir as orientações.

A presidente da Câmara de Ponta Delgada protagonizou um episódio político, que faz lembrar essa rábula. Como presidente do PSD, assumiu publicamente uma posição contrária à aplicação da “remuneração compensatória”. Considerou a medida injusta e duvidou da sua legalidade, tendo mesmo anunciado que o PSD iria solicitar a fiscalização da sua constitucionalidade. Correndo atrás da sua líder, o grupo parlamentar do PSD/Açores acabou totalmente isolado no Parlamento ao ser o único partido a votar contra esta medida.

Esta foi a posição da “Olívia patroa”. Coerente com a sua opinião contrária, orientou os deputados para que não dessem um voto favorável à proposta de criação de uma “remuneração compensatória”.

É importante lembrar que estamos a falar de 3700 funcionários da Administração Regional, com vencimentos entre 1500 e 2000 euros (ilíquidos) que não verão o seu vencimento reduzido em 3,5%. Não se trata de nenhum aumento de salário, mas apenas a garantia que este não será reduzido por via do corte salarial imposto pelo Orçamento de Estado. Quem ganha menos de 1500 euros não sofreu qualquer corte de vencimento.

O PSD não concorda? Tudo bem, está no seu direito de não entender correcta a medida e até se entende que alegasse, na altura do debate do orçamento regional, a injustiça que se criaria entre as administrações regional e local. Já não se entende que, perante uma proposta de alargamento desta remuneração aos funcionários das autarquias, recomendação feita pela Associação de Municípios, o PSD tenha votado contra no Parlamento. E, menos se percebe ainda que, apesar de não concordarem, vários municípios de gestão social-democrata tenham decidido por em prática tal procedimento.

O caso é ainda mais flagrante, quando se analisa o município de Ponta Delgada. É então que surge a figura da “Olívia empregada”, que justifica a inevitabilidade da remuneração compensatória por se tratar de uma lei e, como tal, ser obrigatória a sua aplicação.

É bom lembrar que o Diploma que prevê o alargamento da remuneração compensatória aos funcionários das autarquias, coloca nos municípios a “decisão de aplicar ou não a medida” e aliás, foi esse facto que, segundo o comunicado do Representante da República, justificou a sua promulgação imediata.

Mas há mais! O mesmo PSD que afirmou não concordar e que votou contra a aplicação da remuneração compensatória aos funcionários das administrações regional e local, manifestou-se favoravelmente perante um voto congratulação pela sua aplicação no município de Ponta Delgada, apresentado pela banca do PS na última sessão da Assembleia Municipal.

Afinal, em que é que ficamos? Contra ou a favor? Contra, perante a opinião pública, fazendo o discurso de que há quem ganhe menos e que merecia um aumento de salário, mas a favor, das portas para dentro, quando toca aos seus?

A coerência é um exercício de exigência e rigor político, por sinal difícil para alguns.

(publicado no Açoriano Oriental, 21 Fevereiro 2011)

 

A verdade dos números

É recorrente os políticos utilizarem números para suportarem afirmações. Uma percentagem que aumenta ou um indicador que diminui podem ser a confirmação de uma boa política ou, pelo contrário, a demonstração da sua ineficácia.

Mas, por vezes, ouvimos referências a números que são uma mera manipulação, ao serviço de um discurso mal construído e até, de alguma forma, pouco honesto. Recentemente, a presidente do PSD referiu-se às verbas que a Região recebeu nos últimos anos da União Europeia, que considerou uma dádiva anual de 5000 euros por açoriano, tentando dessa forma provocar um sentimento de injustiça e desconfiança perante o modo como esses fundos foram utilizados.

Esta não é certamente a forma mais correcta de medir o impacto de um apoio financeiro que se destinou ao investimento em infra-estruturas e se transformou, por exemplo, em ampliação dos portos de diferentes ilhas, na construção de novas escolas ou na melhoria das estradas, que todos os dias beneficiam a vida de milhares de pessoas.

Não faz sentido tentar por em causa o modo como a Região utilizou estes fundos europeus e não assumir a importância do Fundo Social Europeu, que assegura o funcionamento da maioria das escolas de ensino profissional, sem as quais, dificilmente, muitos jovens açorianos teriam acesso a empregos qualificados.

Os números servem para elucidar, confirmar e medir um fenómeno, mas também deviam servir para nos fazer pensar. Quando são mal utilizados, servem para justificar críticas infundadas, particularmente como as que se fazem à segurança social, quando se comenta a forma como se ajudam, monetariamente, famílias carenciadas, pessoas com dificuldades de inserção no mercado de trabalho ou idosos que nunca descontaram para a reforma.

Influenciados pelos tempos difíceis que o país e a região atravessam, marcados pelo desemprego e a baixa do poder de compra, com muita frequência se ouvem comentários negativos aos números do rendimento social de inserção. Porque se conhece uma família que recebe o equivalente a um salário mínimo, mesmo que se trate de uma mãe com cinco filhos, fala-se desta prestação social como um apoio imerecido, que fomenta a preguiça. Não esqueçamos que o montante de referência para a definição deste apoio é de 180 euros mês por pessoa e, em muitos casos, são sobretudo as crianças quem mais beneficia desta ajuda.

Mas, se queremos usar os números, não podemos generalizar as situações que conhecemos, nem repetir cem vezes o que ouvimos dizer sobre a vizinha do lado que beneficia deste ou de outros apoios.

Se queremos números, então fixemos estas médias: o RSI representa, na Região Açores, nove euros por dia por família ajudada ou dois euros e meio por dia por beneficiário. Por outro lado, o montante que o nosso país despende com esta prestação equivale a uma contribuição de quatro euros por mês, de cada um de nós.

Os números só falam verdade quando os utilizamos de forma verdadeira.

(publicado no Açoriano Oriental a 2 Maio 2010)

Planear, decidir e agir

 

Em política, até pode haver alguma improvisação em face das circunstâncias, mas o que estrutura a acção dos governos, resulta de planos, projectos, pensados em função de um modelo de desenvolvimento que se pretende concretizar. Um modelo que se fundamenta em valores, responde às necessidades dos cidadãos, fundamenta decisões, orienta os planos e justifica as acções.
Planear em política não significa elencar desejos, promessas eleitorais ou ideias avulsas, mas pensar um conjunto de acções num determinado contexto, tendo por base um projecto de sociedade. É evidente que os contextos se alteram e os planos podem ser alterados. Mas até isso se pode antecipar, construindo-se diferentes cenários em função de possíveis impactos das decisões a tomar.
Recentemente, tomamos conhecimento da concretização de mais uma fase do plano de parqueamento delineado pela equipa executiva da Câmara Municipal de Ponta Delgada, desde que a Dra. Berta Cabral tomou posse em 2001 e que, desde então, tem sido objecto de sucessivos contratos de concessão. Um plano que considera como área de parqueamento quase todas as ruas entre a Av. D.João III, passando por São Gonçalo e terminando na Av. Príncipe de Mónaco incluindo zonas comerciais e residenciais numa periferia que quase confronta o limite das três freguesias urbanas. Apetece perguntar, o que pretende esta autarquia?
Começa por querer limitar o acesso dos automóveis particulares com a criação dos mini-bus, e depois constrói dois grandes parques subterrâneos na baixa citadina e abre a rua dos Mercadores ao trânsito depois de a calcetar em joga de passeio!
Anuncia que o centro histórico pode ser atractivo para morar e cria um programa (Reviva) para incentivar a recuperação ou a construção de edifícios dentro de um certo limite e, ao mesmo tempo, taxa o estacionamento dentro desta zona.
Recentemente, concessiona mais estacionamento, cumprindo supostamente o plano inicial, alargando a zonas residenciais e instala parquímetros num parque utilizado, sobretudo, por quem, não vivendo na cidade, nela trabalha. No dia seguinte, perante a contestação, anuncia que em relação a esse parque serão os moradores a decidir quando será pago.
Será isto planear, decidir e agir em função das pessoas?
(publicado no Açoriano Oriental a 18 de Janeiro 2010)

 

Politiquices à parte, a verdadeira política

Politiquice é o que fazem aqueles que tudo agitam mas que nada decidem; é o que se diz num murmúrio, no maldizer e nas análises demagógicas, onde tudo se critica só porque foram outros a fazer e nada faz sentido, porque foram outros a planear.

A verdadeira política faz-se de análises objectivas e de reflexões sensatas, pondera todos os factores, tem em conta a história e os actores que a vão construindo. A política que transforma e responde às necessidades dos cidadãos, nunca é estática, mas sendo crítica não destrói o passado, antes sabe analisá-lo para melhor definir estratégias; contextualizando, procura linhas de força e reconhece pontos fracos.

Não basta dizer, “deviam ter feito isso e, se não o fizeram agora é tarde, não é possível remediar”, porque a política do “bota abaixo” é sempre sinónimo de retrocesso. Apregoando fazer melhor, a politiquice faz o discurso da destruição para então renovar, como se a história tivesse de ser reescrita de cada vez que mudam os actores.

As mudanças só são eficazes se reabilitarem e, sem condenar as opções anteriores, forem sinónimo de esperança e renovação. Corrigir trajectórias não é refazer caminhos, mas reanalisar o mapa. Por isso, quando se ouvem os políticos do maldizer “atirar a tudo o que mexe”, raramente se entende o que fariam se tivessem sido eles a decidir. Dizem que está mal, que nada se aproveita, mas não assumem uma solução alternativa.

A politiquice não constrói um pensamento estruturado, não revela valores, princípios estruturantes, só alimenta comentários, conversas de café, um diz que diz que congrega descontentes e, sobretudo, faz coro com as lamentações dos que choram a perda de privilégios injustos.

A politiquice é sempre uma opinião redutora que não esclarece. Funciona rasteira e por isso pode ser baixa, desonesta e até ofensiva. Mas com tudo e por tudo isso, consegue agitar, confundir e baralhar. Não raras vezes, quem faz da sua actuação política uma forma de politiquice apenas quer derrubar um outro ou “eles”, porque não são da mesma cor e não fazem parte do nosso grupo, moram no bairro vizinho ou defendem uma associação rival. Para os politiqueiros, peritos em politiquices, os nossos são sempre os melhores, mesmo quando jogam mal e cometem faltas.

Na política verdadeira o discurso tem outro nível, acolhe todas as opiniões válidas e analisa os contraditórios; alimenta-se de valores e constrói pensamentos estruturantes. Atentos ao mundo, os verdadeiros políticos são capazes de admitir os erros cometidos e as orientações menos ajustadas; vivem permanentemente inquietos, em busca de explicações e de razões, e cultivam a arte da reflexão que fundamenta as escolhas mais acertadas.

A politiquice não constrói futuro, nem abre caminhos novos, antes cria atalhos, becos sem saída, onde tudo parece ficar encurralado. Nada se resolve, mas enquanto as pessoas não se apercebem que o que afirmam não faz sentido, criam a ilusão de um caminho possível, apontando em permanência os defeitos e os desajustes da estrada que pisam.

A verdadeira política tem uma visão prospectiva, sem deixar de ser vigilante do presente, aponta estratégias que dão forma ao futuro.

Politiquices à parte, é preciso discernir a verdadeira política e os políticos de verdade, aqueles que estruturam e consolidam o futuro e não se alimentam das aparências do presente.

(publicado no Açoriano Oriental a 14 de Janeiro 2008)

O lado sombra da política

Vamos entrar num ano de eleições regionais e os comentários fazem-se sobre o lado visível da actividade política, as obras, as inaugurações, os anúncios, os eventos e tudo o que possa fazer aparecer.

Aparecer, assinar por baixo, chegar-se à frente na fotografia e anunciar a todos os ventos, "fiz" ou "vou fazer" são atitudes de quem busca a todo o preço afirmar o que é ou sobretudo o que não sendo pode fazer parecer.

É uma questão de marketing, dirão alguns. Numa sociedade de consumo tudo se compra e tudo se vende. E os políticos não são excepção.

Infelizmente, tal como os produtos que se compra pela aparência, há quem procure políticos consistentes, coerentes, que tenham razões e justifiquem de forma adequada as opções que tomam. Muita publicidade pode não ser a melhor forma de se afirmar, se o que se mostra é uma imagem de vento, insuflada em mania de grandeza. Imagem de fachada, máscara de papelão. Mas como descobrir a ilusão se tudo parece ser tão verdadeiro, tão bem pensado?

Importa conhecer as pessoas fora dos palcos do espectáculo, quando a educação deveria emergir, na relação com os subalternos, no trabalho de equipa, na família ou com os colegas.

Fora do palco, os políticos de fachada mostram a inconsistência das atitudes.

No lado sombra da política, os verdadeiros políticos brilham, os falsos  são figuras apagadas.

Infelizmente há sempre quem se deixe contagiar pela lógica do "usa e deita fora", pouco exigentes com a qualidade, pouco preocupados com razões, ferozes consumidores de imagens e momentos.

P.Lalanda

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