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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Em defesa do património

Muitos de nós, conscientes e apaixonados pela cidade de Ponta Delgada, interrogamo-nos sobre o que fizeram, ou estão fazendo, do antigo mercado? Que alterações estão a ser realizadas no centro histórico, em particular na praça do município? Porque foi retirada uma estátua e colocada outra no adro do santuário da Esperança? Como pode um particular alterar a fachada de azulejos de um edifício centenário? Como tudo isto acontece, sem se ouvir as pessoas?

O adro de uma igreja, a praça do município, a fachada de um edifício com história, não são pertença apenas dos seus proprietários, porque nos contam a história da comunidade e integram o seu património.

Património é uma palavra cheia de história e memória, um vocábulo com raiz na palavra “pais” que nos remete para a herança que recebemos das gerações anteriores.

Por isso, todas as vezes que esse património é destruído, adulterado ou preservado, a geração que o faz mostra o valor que lhe atribui.

Falar de património, não passa apenas por estruturas edificadas, monumentos, castelos ou palácios. Basta ver o que a Unesco classifica como património, para concluir da importância do valor subjetivo e simbólico, imaterial, que lhe está associado, como acontece com o reconhecimento de rituais, danças, formas de ser e fazer ou cantares, como é o caso do Fado em Portugal.

A manutenção do património é, sem dúvida, um dever comunitário e um compromisso implícito para quem assume responsabilidades políticas, na defesa do bem comum. Nada do que nos deixaram nos pertence, apenas somos guardiães desses bens, da cultura material ou imaterial, que nos distingue dos outros.

Defender e preservar o nosso património não significa recuar ou parar no tempo, mas reconhecer a estrutura identitária que nos molda como povo, ou seja, a cultura, a história e as pessoas que nos antecederam.

Sempre que, por razões de funcionalidade ou melhor adaptação às exigências do presente, é necessário intervir no património edificado, seja uma casa rural ou um edifício classificado, quem o faz tem de o estudar, conhecer e participar essa intenção à comunidade, porque o bem em causa não lhe pertence, mas faz parte da herança que todos recebemos.

Alguns apenas consideram necessário o estudo do património, quando se trata de objetos arqueológicos ou com muitos séculos de vida. Não, o património é todo o lugar, espaço, saber ou equipamento que nos permite melhor conhecer quem somos e porque estamos aqui, porquê a nossa cidade tem esta forma ou esta ocupação urbana. Ler o património é como reconhecer numa carta, a vontade de quem a escreveu. Assim acontece com a herança recebida.

Pode acontecer que a intervenção seja, “supostamente”, para melhorar o quotidiano das pessoas, mas mesmo nessas ocasiões nenhum responsável político pode achar que tem o direito de por e dispor, construir ou destruir, avançar num projeto ou alterá-lo a meio do processo. Todas as intervenções que “mexam” com o património têm de ser objeto de concurso, discussão pública, o mesmo é dizer, respeitar a história, envolver os cidadãos e ouvir a sua sensibilidade.

O património não é uma cláusula de legislação nem uma questão que alguns insistem em trazer à discussão pública, representa defender quem fomos e somos e o que queremos deixar a quem receber, de nós, esse património.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental, de 4 de julho 2023)

Os outros, como justificação

Quando a crise despoletou em 2009, as atenções voltaram-se para o governo da república e não faltaram vozes acusando-o de má gestão e gastos excessivos. Ainda há dias, a presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada justificou os cortes nas verbas atribuídas pela autarquia às associações desportivas e culturais do concelho, com falta de recursos devido ao “desgoverno e esbanjamento de dinheiros públicos durante muitos anos”. Justificou-se com os erros dos outros, para não ter de assumir os que comete na autarquia de Ponta Delgada.

Como se explica que não haja dinheiro para apoiar aqueles que promovem, com espírito de voluntariado em muitos casos, a actividade cultural e desportiva nas freguesias, e ao mesmo tempo o município gasta mais de 600.000 euros só no projecto do museu de arte contemporânea, para não falar das deslocações ao Brasil e às Astúrias, supostamente para fazer entrar esse Museu numa rede internacional. A justificação era simples, referia a presidente da câmara numa sessão da Assembleia Municipal, era preciso aproveitar verbas provenientes de fundos europeus, que afinal ficaram adiadas porque os 15% que compete à autarquia pagar, sobre a previsão de uma obra que vai custar sete milhões, é muito dinheiro.

Mas para quê gastar, desta forma, 600.000 do orçamento municipal destinado às actividades culturais?
Não terá sido inconsequente esta despesa, que daria para manter ou até aumentar o apoio às associações sedeadas no concelho?  

Afinal, o município de Ponta Delgada também geriu mal as suas despesas, quando revela ser incapaz de manter o apoio que é devido às juntas de freguesia, às associações locais, e abdica de promover um desenvolvimento descentralizado do concelho, em troca de projectos desajustados e irrealistas, de duvidosa sustentabilidade no futuro.

É preciso falar verdade, mas isso não significa apontar o dedo aos outros para se justificar.
Falar verdade é assumir erros e rever estratégias, para concretizar objectivos que se pregam, mas que nem sempre se cumprem.

Utilizar os outros como justificação é um argumento gasto.

Que verdade é essa que substancia a afirmação da presidente da maior autarquia dos Açores, quando afirma que “só iremos ultrapassar a situação com a criação de emprego e de riqueza que possa ser distribuída com justiça social para todos” (cit.) e, no mesmo dia, é publicada uma notícia informando que o Coliseu Micaelense, empresa de capital municipal, em vez de contratar o fornecimento de produtos da Melo Abreu, patrocinadora de outros eventos da autarquia, opta por produtos fora da região, agravando a situação de uma marca, que necessita de sustentabilidade e, sobretudo, que precisa da promoção que devemos dar à produção regional.

De nada serve justificar os erros com a responsabilidade, ou a falta dela, imputada aos outros.

Todos temos de contribuir, de repensar a nossa acção e de rever prioridades, sabendo avaliar e antecipar o impacto que as nossas decisões podem ter na vida desses outros.

(publicado no Açoriano Oriental a 1 Agosto 2011)

Cidade saudável

É sempre um risco, adjectivar uma realidade. Quase sempre, os rótulos tentam sintetizar o que na realidade não existe. Uma cidade saudável é o quê?  Porventura será um espaço urbano limpo, iluminado, seguro, florido. Um lugar construído para as pessoas e que não privilegie os veículos motorizados; que favorece o encontro e não se esvazia ao fim da tarde. Uma cidade saudável não pode ser um território dividido entre novos e velhos, que abandona os edifícios no seu centro histórico, ao mesmo tempo que facilita a construção de uma periferia sem identidade.

Dizer que uma cidade é saudável, é atribuir a um aglomerado construído, uma condição humana. Mas o que se entende por saúde, nos tempos que correm? Porque a cidade já foi de muitas outras gerações e no passado, para se ter saúde na cidade, talvez tenha sido fundamental a presença do hospital, a vinda dos médicos e dos enfermeiros, a criação de farmácias e o aparecimento de muitos outros recursos terapêuticos.

Hoje, falar de saúde vai muito para além dos recursos clínicos. Exige uma atitude responsável de todos os cidadãos, uma atitude preventiva, a procura de estilos de vida mais equilibrados. Menos sedentarismo, uma alimentação menos calórica, o contacto mais directo com a natureza, a prática de exercício e a gestão do stress, são fundamentais na manutenção de uma vida saudável.

Dizer que uma cidade é saudável significa dar resposta às necessidades de saúde dos seus habitantes, e isso não significa apenas promover actividades de rua, onde seja possível medir a tensão ou avaliar a diabetes numa tenda montada para o efeito.

Uma cidade saudável tem de cuidar dos espaços para a prática de exercício físico, jogar à bola ou brincar; tem de promover actividades e favorecer uma relação próxima e despoluída com a natureza e o espaço público.

O parque urbano em Ponta Delgada é uma área verde que pode e deve representar um espaço de abertura e equilíbrio, numa cidade que cresce de forma desordenada e esquece o seu centro histórico. Pena é que a história natural destas ilhas não possa ser aprendida neste lugar, com recurso a um viveiro de plantas endémicas que ensinasse aos mais novos o valor da natureza insular. Ao invés, quem por lá anda vê, com pena, o ar triste de algumas plantas que, fustigadas pelo vento, vão tentando sobreviver.

Esqueçamos as plantas ou as pedras vindas de fora da ilha que decoram as alamedas, e reconheçamos que, apesar de tudo, este é um lugar onde os habitantes da cidade podem fazer algo pela sua saúde: caminhar, correr ou andar de bicicleta. Não têm nenhum circuito de manutenção definido, nem a ajuda de nenhum monitor, mas ao menos andam a pé, o que segundo os médicos é fundamental para a saúde, quando feito durante trinta minutos diários. Mas será possível continuar a fazê-lo?

Abriu um espaço de treino e aprendizagem de golfe, em pleno centro do parque urbano, numa área limitada por uma rede com dois ou três metros de altura. Pergunta-se, onde vão parar as bolas batidas, por amadores ou profissionais, entre as nove e dezanove horas, todos os dias? Será que alguém se lembrou que, nesse período, há quem caminhe pelo parque, tranquilamente, procurando ter um estilo de vida saudável?

Uma cidade saudável, ou à procura de o ser, faz-se com a participação das pessoas que, aos poucos, vão descobrindo que não é o espaço que dá saúde, mas o modo como o utilizamos.

(publicado no Açoriano Oriental a 25 Julho 2011)

Branquear

Branquear não é um acto de clarificação, mas de negação dos erros, decisões ou acções passadas. Não esclarece, antes esconde. Não melhora nada, porque não assume a realidade, antes cobre os defeitos com maquilhagem. Ilude e desvaloriza o que não está certo. Não assume os erros cometidos e tenta fazer crer que estes nunca existiram.

Recentemente, foram tornados públicos actos de má gestão da empresa municipal Acção PDL. Como em todos os relatórios do Tribunal de Contas, os visados nas críticas puderam reagir em “contraditório” e justificar ou explicar as dúvidas levantadas. Mas isso não impediu, como se pode ler no texto do relatório, que o TC concluísse da existência de erros injustificados. (consultar http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2010/audit2010.shtm#srtca)

Nas conclusões pode ler-se que o município de Ponta Delgada, através de duas empresas municipais, endividou-se, empregou técnicos que não eram necessários e encomendou projectos que depois alterou (parque urbano) ou até abandonou (terminal rodoviário).

O relatório foi arquivado e apenas recomenda medidas de carácter administrativo, diz a presidente do município, assumindo apenas as orientações pedagógicas do relatório branqueando o rol de falhas identificadas, incluindo o desrespeito pela Assembleia Municipal.

A Presidente do maior município dos Açores até pode afirmar existir “rigor e transparência”, mas como explica a contratação de técnicos superiores, licenciados em estudos europeus, economia internacional, engenharia zootécnica, agrária e agro-florestal, “para acompanhar de forma habilitada” o funcionamento do Parque de estacionamento da Avenida e do Parque Urbano, na altura ainda não concluído, quando, à data do relatório, estes técnicos não estavam a trabalhar na referida empresa, mas antes exerciam funções no Município, pagos é claro pela Acção PDL, constituindo aliás a principal rubrica da sua estrutura de custos?

Não se entende porque motivo o município responde ao reparo do TC sobre a falta de publicitação dos documentos de prestação de contas, alegando “ter um custo demasiado elevado”, se o mesmo município assegura páginas inteiras de publicidade/propaganda em jornais diários sob o título “Dito e feito”?

Nos últimos tempos, a líder do PSD, responsável máxima pelas empresas municipais de Ponta Delgada, tem criticado o governo regional sobre gastos que classifica de desnecessários. Como pode agora considerar irrelevante o facto de o TC ter concluído que há 20 milhões de dívida contraída pelo município, através das duas empresas auditadas, que não foram devidamente justificados ou que a verba final gasta no Parque urbano não foi executada na construção dos equipamentos que, supostamente constavam do caderno de encargos inicial?

“Era mais económico” construir um Driving Range e um Club-House, afirma a Sra. Presidente. Então porque razão custou os mesmos 15 milhões? Mas será que os munícipes de Ponta Delgada necessitam deste investimento, que porventura nem sabem qual a finalidade, quando faltam mais um pavilhão desportivo e piscinas na cidade, para garantir o acesso de todos à prática desportiva?

Apesar de a Acção PDL e a Cidade em Acção serem hoje uma única empresa, tal não anula o compromisso financeiro assumido com o parque de estacionamento e o parque urbano, de 44,7 milhões de euros até 2038!

Branquear é esconder. Não torna nada mais claro. E, quando se tem telhados de vidro, o melhor é não atirar pedras aos outros.

(publicado no Açoriano Oriental de 15 de Novembro 2010)

Uma central que deixou de o ser

É importante que os cidadãos de Ponta Delgada saibam os reais motivos porque a presidente da câmara anunciou que a Central de Camionagem, na Rua de Lisboa, deixou de ser uma prioridade para a autarquia.

A câmara não desistiu do projecto, aparentemente adiou porque os tempos são de crise e a autarquia quer privilegiar outros investimentos, onde possa beneficiar de fundos comunitários. Estranho! Adia-se um investimento, por razões financeiras, não obstante publicamente nunca ter sido quantificado.

Deixou de ser uma prioridade construir a central, mas será que desistiram deste projecto na Rua de Lisboa?

É importante reafirmar que os cidadãos que se manifestaram, inclusive através do exercício de petição, consideraram importante a existência de uma estrutura de coordenação para o transporte colectivo de passageiros, num caso a favor, noutro contra a localização proposta, que faria da avenida Roberto Ivens, um corredor para autocarros. Recorde-se que, em tempos, foi pensada uma expansão desta artéria para norte, no terreno que agora se pretende ocupar.

“É uma decisão política”, afirma a presidente da Câmara, para calar as vozes de protesto contra um projecto que, até hoje, nunca foi suportado em estudos técnicos.

Mas para que conste, recorde-se que foi a câmara que sugeriu ao promotor privado integrar uma central de camionagem no rés-do-chão de um edifício de habitação e comércio, o que implicou a alteração do projecto de arquitectura. Teve azar o empresário, porque o empreendimento ganhou mais pisos e deixou de respeitar os critérios que as leis de protecção do património exigem, para uma zona que fique a menos de cinquenta metros de um edifício classificado, como é o Coliseu Micaelense.

Entretanto, passados vários meses, a autarquia afirma que já não lhe interessa esse espaço, porque, como referiu a presidente da câmara, “o governo da República deve dinheiro á câmara”, reutilizando a mesma justificação que serviu para explicar porque não foram feitas as transferências para as juntas e que irá servir, certamente, para justificar outros projectos que não venham a ser concretizados!

Se a câmara considerou a construção da central de camionagem na Rua de Lisboa, uma oportunidade para dinamizar uma zona onde faltam incentivos aos comerciantes e que tem perdido moradores, o que vai fazer agora que desistiu do empreendimento? Desiste também das pessoas que moram naquela zona? Será que não há criatividade suficiente para dinamizar o comércio tradicional e fixar mais habitantes no centro histórico, sem ter de gastar milhões numa qualquer construção de betão?

Criatividade até existe, foram feitas propostas pela oposição, liminarmente rejeitadas pelo executivo camarário. Não são de cimento ou alcatrão, nem podem ser inauguradas com placas. Exigem que se ouça as pessoas que, realmente, vivem com dificuldades e estão prestes a desistir de morar ou de fazer negócio no centro da cidade, onde se sentem inseguras e abandonadas. Pessoas que, neste tempo de Natal, esperam da autarquia, mais do que passadeiras vermelhas nos passeios e enfeites de ráfia e luzes nas árvores.

(publicado no Açoriano Oriental de 18 Outubro 2010)

Aberração

Não encontro adjectivo melhor para descrever a abusiva ocupação da praça Gonçalo Velho com uma iniciativa, supostamente de promoção desportiva, da câmara municipal de Ponta Delgada.

É uma aberração, porque a mensagem que fica é contrária ao que supostamente se pretende, promover o desporto, em particular o futebol, em tempos do mundial que decorre na África do Sul.

Não faz qualquer sentido ocupar um espaço público e esconder um monumento emblemático da cidade.

Como se pode circundar uma praça com rede, até ao limite dos passeios, impedir os peões de aceder a um espaço que lhes está reservado e, até, por em risco a segurança de quem vigia o que acontece dentro dessa enorme gaiola montada, obrigando a fazê-lo na via pública?

Se o que se pretende é promover o futebol infantil, para quê uma barraca a vender cervejas junto a esse pretenso campo de jogos?

E se não bastasse, monta-se um écran, do outro lado da praça, para uma plateia sem espaço!

Enfim, é uma verdadeira aberração.

Iniciativas como esta não contribuem para promover o desporto junto dos mais novos, porque não descentralizam e querem fazer crer que jogar num campo sem condições, por exemplo sem balneários, num espaço sujeito à poluição e ao ruído das viaturas automóveis, é uma forma de promoção de um estilo de vida saudável!

Se, por um lado, concordamos com a importância que se deve dar à actividade física, em particular aos jogos colectivos, não podemos deixar de afirmar que estes devem acontecer em espaços adequados, preferencialmente de forma descentralizada, incentivando os jovens das comunidades mais afastadas da cidade. É importante promover o futebol e outros desportos, nos campos de jogos das escolas, das casas do povo ou das juntas de freguesia, quantos deles à espera de uma vedação.

Mas, para que o desporto possa ser uma fonte de aprendizagem da cidadania, os eventos desportivos têm de respeitar o espaço público, o património construído e a natureza.

Há na cidade um campo de futebol municipal, que pode e deve ser utilizado para eventos desta natureza. Recentemente foi inaugurado o Parque Urbano, ignorado pela maioria dos habitantes da cidade, onde fazem falta eventos que promovam a actividade física dos mais ou menos jovens.

Abarracar o espaço público não promove a cidadania, mas antes passa uma mensagem de facilitismo e desrespeito.

Com um campo de futebol, montado em plena praça Gonçalo Velho, diante das Portas da Cidade, que lição de civismo se dá? Para não falar da má imagem que se oferece a quem nos visita. Alguém se lembraria de montar um campo de futebol junto à torre de Belém?

O património é de todos, seja construído ou natural.

Nesse contexto, qualquer actividade, desportiva, cultural ou outra, tem de respeitar o espaço em que se insere e desenvolve, potenciando a sua riqueza. Por isso, uma estrutura que se construa ou se monte, seja um campo desportivo, um palco de espectáculos ou um parque de campismo, não deve nem pode ser fonte de destruição, apropriação indevida ou poluição do património.

(publicado no Açoriano Oriental de 21 Junho de 2010)

Obrigatório, dizer a verdade

A verdade não tem duas leituras, é baseada em factos e, na sua essência, é objectiva.

E se a verdade devia ser obrigatória, quando se expressam afectos ou se educam os filhos, quando se apresentam contas ou se dá um troco numa loja, muito mais, devia ser, para quem governa ou pretende convencer que tem razão.

Utopia, dirão alguns. Nunca teremos políticos ou governantes verdadeiros.

Infelizmente, ainda há quem considere a política, a arte da mentira. Habituado a ouvir os políticos como pregadores de promessas, sem nunca lhes pedir provas, continua a acreditar nas pessoas, talvez, porque o valor da honra e da confiança fundamentam as suas relações.

Por sua vez, algumas dessas figuras políticas, marcadas por aquilo que se designa de carisma, procuram convencer mais pelas palavras bonitas ou pela aparência, do que pelos factos. Um estilo inspirado no tempo em que os governantes decidiam e falavam, sem esperar contestação.

Contestar não significa conflituar, mas afirmar uma cidadania activa, que procura a verdade e não se fica por rumores, que participa e se manifesta perante projectos de interesse público.

O tempo da política que se faz de palavras sem conteúdo ou de afirmações sem fundamento tem os dias contados. É cada vez mais difícil esconder a verdade. Não se pode evitar que outros consultem documentos na internet, registem declarações gravadas no passado e confrontem os políticos, de falar fácil, com documentos que contradizem as suas afirmações.

O povo, feito de pessoas com rosto, observa e está atento, conhece os factos e a realidade em que vive. Por isso, é cada vez menos tolerante perante quem não fala verdade.

Infelizmente, a sessão extraordinária da Assembleia Municipal, sobre a localização da Central de camionagem, que decorreu no dia 9 de Março, em Ponta Delgada, foi um bom exemplo de como uma Câmara toma decisões sem as fundamentar e pretende convencer os outros de que fala verdade, sem o saber demonstrar.

A autarquia gastou centenas de milhar de euros para avaliar, pelo menos, três localizações para esta infra-estrutura e acabou por decidir, sem qualquer estudo técnico, aproveitar um empreendimento privado, destinado a habitação e escritórios e aí instalar a central, no rés-do-chão.

O que Ponta Delgada precisa é de uma estrutura, periférica, que coordene o transporte colectivo interurbano com os mini bus e outras formas de mobilidade. O que Ponta Delgada precisa é de reduzir o número de viaturas individuais e o transporte pesado, que atravessam a cidade, dando condições às pessoas para que possam andar a pé ou de bicicleta.

O futuro exige um esforço de todos, se queremos melhorar a qualidade do ambiente em que vivemos. As gerações que nos sucederão merecem uma cidade menos poluída, mais amiga das pessoas.

A decisão da autarquia, em relação à central de camionagem na Rua de Lisboa, é uma opção não fundamentada que, como dizia um munícipe, parece mais um capricho enganador do que um projecto de verdade. 

Porque, se estivéssemos perante uma escolha, baseada em pressupostos verdadeiros, continuaríamos a não concordar, mas não teríamos motivos para duvidar.

 

(publicado no Açoriano Oriental a 15 Março 2010)

A tradição já não é o que era

Esta é uma daquelas expressões que merece reflexão.

Se a tradição significa transmissão, quando se conclui que esta já não é o que era, falhou a passagem de testemunho ou os conteúdos culturais foram sendo adulterados, alterados ou até destruídos.
A tradição enraíza, conta a história de um povo, situa-nos numa cultura e, quando partilhada, identifica-nos como membros de um comunidade.
O Carnaval é, no contexto do calendário tradicional, um tempo de transição importante que, à semelhança do mês das almas, liga o mundo dos vivos ao dos mortos, e significa fertilidade, renovação. Tradicionalmente, este é um tempo de inversão e de excessos.
Nos Açores, faz-se a crítica social de forma teatralizada, nos bailinhos na Terceira; exagera-se o consumo dos fritos, com malassadas ou rosas do Egipto de S.Miguel; e, de alguma forma, desrespeitam-se regras e afastam-se males de forma simbólica, atirando bombinhas e estalidos, agredindo com água na “batalha das limas” ou “assaltando” a casa dos amigos, mascarados com outras identidades.
Na terça-feira de Carnaval, a avenida marginal em Ponta Delgada transforma-se num campo de batalha. Uma tradição que, outrora, já foi uma guerra de flores e que em outras comunidades se faz com farinha ou até com tomates.
Para melhor proteger esta festa, o trânsito deveria ser fechado nesta artéria da cidade durante as horas em que os “guerreiros da água” procuram alvos nos passeios ou em cima dos camiões. Permitir que alguns automobilistas circulem para observar as lutas gera confusão, aumenta o risco de acidentes e pode levar a que a batalha de brincadeira provoque danos em viaturas.
Nos últimos anos, a autarquia de Ponta Delgada tem subsidiado os grupos que batalham em camiões. Um apoio que ajuda a manter o espectáculo das lutas, mas que devia ser regulamentado, para que não se perca o espírito de brincadeira e faz-de-conta que caracteriza o Carnaval.
As tradições são cultura oral, por isso, aprendem-se com os mais velhos. Mas, quando o poder político tem de apoiar uma tradição* para que esta não se perca, esse apoio deve garantir a preservação da herança cultural, sob pena de essa tradição deixar de ser o que é, um traço da identidade de um povo.
(publicado no Açoriano Oriental de 1 de Fevereiro 2010) 
* Ao que parece, a Câmara de Ponta Delgada impôs a não utilização de limas por parte dos camiões que "subsidia", ao que parece, para evitar danos sobre viaturas! Porque não se fecha o trânsito e se limita o estacionamento durante a "batalha" e se deixa que a tradição aconteça? O custo da parafina é elevado e quem sabe a autarquia podia apoiar para que os jovens pudessem manter esta tradição, que até pode ser um cartaz turístico. Se assim não for, não tardará muito teremos de deixar a designação "batalha das limas" e passar a designar "batalha dos sacos".
 

Comprometer o futuro

 

As decisões que envolvem o bem comum têm de ser perspectivadas, pensadas, em termos da sua sustentabilidade, o mesmo é dizer, devem considerar as gerações futuras que delas irão beneficiar e que as terão de manter.
A autarquia de Ponta Delgada, responsável pela gestão dos recursos deste concelho, há muito que prometeu construir uma infra-estrutura para gerir o tráfego de autocarros que, diariamente, fazem chegar à cidade milhares de pessoas, para trabalhar, estudar, fazer compras ou aceder a serviços públicos.
Por dia, e cito um estudo produzido pela Universidade dos Açores em 2008, entram mais de 200 autocarros na cidade de Ponta Delgada, vindos das freguesias mais distantes do concelho e de outros concelhos limítrofes.
Gerir este tráfego é importante e necessário. No entanto o estudo sobre “Mobilidade sustentável em Ponta Delgada”, refere que “apenas 6% dos inquiridos considerou importante a criação de uma estação central de camionagem como factor fundamental para a melhoria dos serviços prestados pelos autocarros interurbanos” (cit.). Ao invés, uma larga maioria criticou o serviço prestado pelos mini-bus, concluindo o estudo da necessidade de melhoria neste tipo de transporte colectivo, em número de viaturas, zonas de serviço e condições de acessibilidade, nomeadamente a portadores de deficiência.
Apesar disso, a autarquia decidiu construir uma estação, que há dois anos localizava no subsolo do Campo de São Francisco, agora integrada num edifício de sete andares, no antigo ringue do União Sportiva. Um edifício a rentabilizar com a venda de apartamentos, escritórios e outros espaços; com três pisos em subsolo; próximo do Coliseu Micaelense, edifício classificado; não muito longe do algar do Carvão.
Uma estação de camionagem onde, supostamente, se conta fazer entrar e sair dezenas de autocarros através da Av. Roberto Ivens, passando pelo Santuário da Esperança, a Igreja de São José e a Unidade de cuidados continuados, sedeada no antigo Hospital.
Não haverá melhor localização para uma central de camionagem? Que opinião têm os moradores da zona escolhida e todos os que amam esta cidade?
Somos responsáveis pelo futuro que construímos hoje.
(publicado no Açoriano Oriental de 25 de Janeiro 2010)

Planear, decidir e agir

 

Em política, até pode haver alguma improvisação em face das circunstâncias, mas o que estrutura a acção dos governos, resulta de planos, projectos, pensados em função de um modelo de desenvolvimento que se pretende concretizar. Um modelo que se fundamenta em valores, responde às necessidades dos cidadãos, fundamenta decisões, orienta os planos e justifica as acções.
Planear em política não significa elencar desejos, promessas eleitorais ou ideias avulsas, mas pensar um conjunto de acções num determinado contexto, tendo por base um projecto de sociedade. É evidente que os contextos se alteram e os planos podem ser alterados. Mas até isso se pode antecipar, construindo-se diferentes cenários em função de possíveis impactos das decisões a tomar.
Recentemente, tomamos conhecimento da concretização de mais uma fase do plano de parqueamento delineado pela equipa executiva da Câmara Municipal de Ponta Delgada, desde que a Dra. Berta Cabral tomou posse em 2001 e que, desde então, tem sido objecto de sucessivos contratos de concessão. Um plano que considera como área de parqueamento quase todas as ruas entre a Av. D.João III, passando por São Gonçalo e terminando na Av. Príncipe de Mónaco incluindo zonas comerciais e residenciais numa periferia que quase confronta o limite das três freguesias urbanas. Apetece perguntar, o que pretende esta autarquia?
Começa por querer limitar o acesso dos automóveis particulares com a criação dos mini-bus, e depois constrói dois grandes parques subterrâneos na baixa citadina e abre a rua dos Mercadores ao trânsito depois de a calcetar em joga de passeio!
Anuncia que o centro histórico pode ser atractivo para morar e cria um programa (Reviva) para incentivar a recuperação ou a construção de edifícios dentro de um certo limite e, ao mesmo tempo, taxa o estacionamento dentro desta zona.
Recentemente, concessiona mais estacionamento, cumprindo supostamente o plano inicial, alargando a zonas residenciais e instala parquímetros num parque utilizado, sobretudo, por quem, não vivendo na cidade, nela trabalha. No dia seguinte, perante a contestação, anuncia que em relação a esse parque serão os moradores a decidir quando será pago.
Será isto planear, decidir e agir em função das pessoas?
(publicado no Açoriano Oriental a 18 de Janeiro 2010)

 

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