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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Um círio do meu tamanho

De negro vestida, uma mulher caminha de rosto fechado, numa mão o terço e na outra um círio do seu tamanho.

Logo atrás, um homem, ainda jovem, descalço, carrega ao ombro uma série de pequenos círios envoltos em papel pardo; são o peso do filho mais novo, por quem pediu ao Senhor Santo Cristo, quando esteve doente.
A vela, o círio (do latim de cera) simboliza o ser humano, que é corpo, cera, e espírito, alma ou chama que arde. Acender uma vela e deixar que o fogo consuma lentamente a cera de que é feita, simboliza viver, guiado pelo espírito, animado pela força da mente.
A simbologia da vela ou do círio está fortemente associada ao sacrifício, à entrega ou à dádiva do ser humano, que desta forma reconhece que a sua vida não se limita a um corpo, mas existe na medida em que se dá e renasce na medida em que se deixa conduzir, ou consumir, pelo Espírito.
Durante as festas do Senhor Santo Cristo, não apenas porque é tradição, as “promessas” fazem prova de como, por ali, passa a vida dos peregrinos e dos crentes, recordando momentos difíceis que atravessam ou que ultrapassaram. Os círios que se carregam e se oferecem durante as cerimónias são símbolo desse sofrimento ou dessa alegria, que é equivalente ao tamanho ou ao peso da própria vida.
Cada círio que se oferece é uma história que se conta de forma silenciosa. Um momento de sofrimento, uma aflição que se carrega como dor ou a prova de uma situação difícil que se ultrapassou e se agradece como bênção.  
O ser humano precisa de símbolos para com e neles sintetizar o mistério da sua relação com o mundo dos homens e, sobretudo, com o divino. Como em muitas outras religiões, a vela ou a luz que se acende é símbolo de ligação entre o homem e o sobrenatural, entre a dimensão limitada do quotidiano e a plenitude do intangível.
 
Perante o comportamento emocionado dos peregrinos, não está em causa a prática religiosa, o sentido mais ou menos cristão com que muitos se dirigem à imagem do Senhor Santo Cristo, porque diante da dor e do sofrimento, é a essência do ser humano que se manifesta. Diante da felicidade com que muitos agradecem a cura de uma doença, a alegria de um reencontro, a emoção é forte, intensa e extravasa a formalidade dos rituais, a tradição e os costumes. Afinal, somos todos tão frágeis diante da dor e da dificuldade. Somos todos sensíveis diante da cura, do reencontro e da felicidade efémera que toca a vida das pessoas.
Nas festas do Senhor Santo Cristo, alheia ao barulho dos vendedores e indiferente à luz que emana das decorações, uma mulher chora, em silêncio, diante da imagem, fixa o olhar no rosto que se humaniza do Ecce Homo. “Obrigada Senhor. Há tantos anos que aqui venho, pedir-te sempre a mesma coisa, esperando que a minha vida melhore, não fosses tu o Senhor dos Milagres! Este ano percebi, olhando o teu rosto martirizado, que afinal o milagre maior é a força que me dás durante todo o ano e que me faz aqui voltar!”
(publicado no Açoriano Oriental de 18 Maio 2009)
 

É sempre com emoção…

Que se vivem as festas do Senhor Santo Cristo.

Emoção de quem há um ano não vê a imagem ou de quem há muitos anos, longe da terra natal, regressa pelas festas, alguns porque fizeram uma promessa que não querem deixar de cumprir.

Diante da imagem de um Cristo humilhado, que carrega nos ombros o desprezo, a violência de uma sociedade que não reconheceu nele o Rei, e o crucificou, como “o Homem” que se atreveu pregar o Amor e a Salvação pelo Perdão.

Diante deste rosto que não envelhece, criado por mãos humanas em busca do sentir divino, muitas lágrimas são derramadas, porque também sobre os ombros de quem olha, com emoção, o Senhor Santo Cristo, quantas vidas pesadas, quantas agressões sofridas e quantos problemas e dificuldades, doenças e limitações sem cura, sem solução à vista.

O ser humano precisa de esperança para acreditar em si, precisa de sentir que é possível, que as suas dificuldades podem ser ultrapassadas, vencidas, se tiver a força que vem do espírito. Talvez por isso, muitos não crentes se sentem tocados pela força desta imagem, e ficam impressionados com o culto ao Senhor Santo Cristo, que arrasta milhares de pessoas, num acto de fé.

Diante deste Cristo, muitos joelhos se vergam; sob o peso dos círios, homens e mulheres caminham pelas ruas da cidade, revelando ao mundo o peso da sua dor e da sua gratidão.

É difícil explicar porque este culto congrega tantos açorianos. Mas o certo é que há mais de três séculos, esta imagem, fabricada como outras por um artista, humaniza sob o olhar dos crentes, interpela e transforma-se, para muitos açorianos, num retrato vivo de alguém em quem acreditam. Não importa como, não importa porquê, o certo é muitos vêem no Senhor Santo Cristo, a expressão da dor vencida, a esperança que não morre, o milagre que é possível.

É a religiosidade de um povo que cresceu, apesar dos vulcões, dos sismos e da pirataria. Um povo que desbravou matas para fazer terras de pão e transformou os arados que não venciam a terra vulcânica, fez novos barcos para enfrentar o Altântico e adaptou a arquitectura das casas aos recursos de pedra das ilhas.

O Senhor Santo Cristo, as Festas do Espírito Santo e tantas outras expressões religiosas que marcam o calendário das comunidades destas ilhas, são o rosto de um povo de migrantes que do continente português veio e logo de início procurou em terras do Brasil, e depois na América do Norte e Canadá, melhor vida e melhor sorte.

Longe ou perto, é o coração que vibra,

Ao som do hino é a alma que se anima, diante desta imagem sofrida.

Longe ou perto, é com emoção que se reza

Palavras aprendidas ou dificuldades sentidas…

Oh Senhor, não te esqueças de mim, diante de ti rendido.

No teu sofrimento, carrega também o meu,

Tu que és esperança, atende ao meu pedido.

Longe ou perto, é o passado que se renova,

Nos pés descalços de mulheres e homens

Que carregam a cruz da vida, nos círios como prova.

Oh Senhor, não te esqueças de mim,

Longe ou perto te imploro,

Cuida das minhas feridas,

Porque as tuas quisera eu limpar,

Com as minhas lágrimas lavar.

(publicado no Açoriano Oriental a 28 de Abril 2008)

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