Tempo imprevisível
A imprevisibilidade marca, cada vez mais, o clima. E isso tem repercussões na vida diária, em particular na agricultura, podendo beneficiar umas culturas e prejudicar outras, atrasando ou adiantando a maturação dos frutos.
Nos Açores, consultar diariamente a meteorologia faz parte das rotinas do insular. Em algumas ilhas, há mesmo quem consiga adivinhar se o avião irá aterrar ou levantar, lendo a previsão do tempo na forma das nuvens ou na intensidade dos ventos.
Mas os tempos parecem estar a mudar! Neste último mês de agosto foi difícil prever o tempo que iria fazer no dia seguinte. Não raras vezes, chovia num lado da ilha enquanto no outro fazia sol, e chegou a chover copiosamente numa rua e na rua seguinte o chão estar seco.
Nada parece ser como dantes, quando dizíamos que nos Açores podíamos ter as quatro estações num só dia. Agosto de 2019 foi tudo menos isso! Choveu durante mais de uma semana e os nevoeiros pareciam colados às terras altas.
Dizem os especialistas que esta instabilidade do tempo é uma consequência das alterações climáticas, um efeito perverso, por termos, durante décadas, desvalorizado o impacto do desenvolvimento desenfreado, das emissões de dióxido de carbono ou do efeito estufa.
Nestes dias de chuva e nevoeiro, sentimos pena de quem está de visita ou de férias. Falta o sol na praia, apesar da temperatura do mar continuar a convidar ao banho. Mas, banhos sem sol não fazem parte dos planos! O bronze continua sendo um sinal de férias para se mostrar aos colegas, quando se regressa ao emprego. Aliás, há mesmo quem o faça de forma artificial só para impressionar.
Férias e sol são duas palavras que combinam. Mas os Açores nunca foram uma terra de sol e praia. O que fazer então? Há outras alternativas que podem e devem ser exploradas, nomeadamente as visitas temáticas, devidamente orientadas por quem conhece o património religioso, arquitectónico ou artístico que abunda nas ilhas. As visitas a fábricas e a produções locais, ligando a história à economia local, são outras tantas alternativas que, em outros locais do mundo, onde também o sol não abunda, ocupam boa parte do tempo de um visitante.
Faltam também espaços de restauração, bares, onde a música possa ser dançada, incluindo as danças tradicionais, que não tem de ficar limitadas aos grupos folclóricos, mas podem ser partilhadas com quem apenas pretende conviver, aprender e descobrir a cultura local. Veja-se o que acontece com a chamarrita no Pico e no Faial, que junta pessoas de várias idades.
A chuva, o vento e o nevoeiro não impedem uma boa conversa, a leitura de um bom livro ou a descoberta do património cultural deste povo, que aprendeu a lidar com o clima e se habituou a ver nuvens no céu e a atravessar as neblinas na serra.
De Santa Maria ao Corvo, a meteorologia faz parte da vida do insular. Em tempos, houve quem quisesse justificar o lado mais lento, pardacento, da vida insular, com a permanência do nevoeiro e da humidade. Mas essa circunstância não nos deveria deprimir, mas antes fazer redescobrir e mostrar o outro lado do viver nas ilhas, rico em história e cultura, a alma que nos forja e identifica.
Como diz o poema de Manuel Ferreira, "se no falar trago a dolência das ondas,... trago no coração a ardência das caldeiras".
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 3 setembro 2019)