Violência sem rosto
Os últimos eventos nas ruas de Paris mostraram a força bruta, irracional, que se infiltrou e apropriou de manifestações de protesto, movidas pelo descontentamento e o mal-estar de muitos milhares de cidadãos, esmagados pelo aumento do custo de vida. Perante a falta de realismo no discurso dos políticos, em quem tinham depositado a esperança de melhores dias, que falam do combate às emissões de carbono, de novas tecnologias ou de startup's, muitos franceses saíram à rua ostentando um colete amarelo, para chamar a atenção. Diariamente, lutam com dificuldades, nas periferias da cidade, sem poderem deixar de utilizar o carro para ir trabalhar e sem acesso aos apoios, supostamente, pagos com os seus impostos.
A estes descontentes, colaram-se outros, extremistas, profissionais do protesto violento, que não se detêm diante do sofrimento que infringem nos outros, nem perante o rastro de destruição.
Se, por um lado, somos compreensivos com os problemas vividos pelos cidadãos, vítimas da desigualdade ou da injustiça, dificilmente se aceita a violência como chamada de atenção ou solução. Apesar de, por vezes, os governantes só ouvirem a voz dos injustiçados quando estes intensificam os protestos, como aconteceu em França que fez "marcha atrás" no imposto sobre combustíveis, nada justifica a violência.
Neste momento, falta discernimento para que haja diálogo e capacidade para refletir sobre soluções políticas.
O protesto envolto em violência gera medo e angustia e, no barulho ou na confusão, ninguém se ouve a si próprio, nem ouve o outro que está ao seu lado.
É preciso parar a revolta, para reencontrar os fios que tecem a democracia, "a pior forma de governo, à exceção de todos os outros já experimentados ao longo da história" (Churchill, 1947), e aproximar os cidadãos dos eleitos na busca de soluções.
Sem que se vislumbrem tréguas, o povo apavorado, angustiado, vê os seus negócios a perigar (só na restauração parisiense a quebra é superior a 50%) e perde confiança naqueles em quem depositou as suas aspirações. E, um povo desgastado, pode acabar por desistir do diálogo e da reflexão, entregando-se a soluções radicais, sem conseguir reconhecer a demagogia do discurso e o extremismo das propostas, iludido pelos falsos slogans da unidade nacional e da segurança. A história recente tem mostrado como se chega ao poder com um discurso bipolarizado entre esse "nós", que se sente ameaçado, e "eles", os indesejados, que não merecem os mesmos direitos, sejam estrangeiros ou minorias, mulheres em luta por direitos ou famílias carenciadas.
Os movimentos populistas são lobos disfarçados que falam a voz das ovelhas, para depois as dominar, manipular e controlar.
Acordemos para a realidade, o presente pede reflexão e, sobretudo, diálogo.
E o diálogo exige que, livremente, se possa criticar, reivindicar e, sobretudo, escutar o outro, nas suas dificuldades. Há sempre uma saída quando juntamos esforços, potenciamos recursos e acreditamos na força interior que transforma as dificuldades em oportunidades, os desafios em inovação, as carências em solidariedade.
A paz tem rosto humano, tem nome, constrói. A violência, não! É anónima e sem rosto, visa apenas destruir a liberdade, essência do ser humano.
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 11 dezembro 2018)