Da compaixão à solidariedade
Para percebermos o que se entende por compaixão e solidariedade, temos, antes de mais, de visitar a nossa área mais privada, o nosso interior, como pessoas.
A compaixão não se aprende, descobre-se, quando procuramos a essência do que é ser humano, ser uma pessoa “decente”; o que é a dignidade humana.
Falar de compaixão é falar da própria essência do amor humano.
A compaixão aprofunda a capacidade do ser humano de se colocar no lugar do outro; leva-nos a “sentir pelo outro”, a partilhar o seu sofrimento e compadecer-se da sua situação. Ser compassivo é entender a dor de outra pessoa e desejar diminuir/aliviar esse sofrimento.
A compaixão é por isso a capacidade para sentir o outro, por isso, humaniza o olhar quando toca as necessidades humanas mais urgentes e imediatas.
A compaixão cria unidade com o outro – por isso é uma pré-condição para a humanidade.
Mas se somos capazes de sentir compaixão por quem sofre, o que dizer de nós mesmos, será que somos compreensivos connosco próprios, em momentos de sofrimento, falha ou dificuldade, ou pelo contrário, somos extremamente autocríticos, não aceitamos as nossas imperfeições, como parte da nossa própria condição humana?
Será que somos capazes de olhar a nossa própria fragilidade com a mesma abertura com que olhamos a fragilidade do outro?
A compaixão gera vontade de agir e faz-nos colocar ao dispor do outro, de coração aberto. Mas é fundamental que coloquemos algum distanciamento, se queremos que a nossa ação seja transformadora.
Se agirmos no calor da compaixão, podemos correr o risco de ser precipitados na reação ao sofrimento do outro, demasiado envolvidos emocionalmente, sem capacidade para medir consequências.
A compaixão tem de se transformar em solidariedade, para que a ação seja eficaz.
Os gestos solidários não são motivados pelo imediatismo da compaixão que pode tolher o discernimento; exigem diagnóstico, avaliação de recursos e planeamento das ações, com objetivos definidos.
O que se pretende com os gestos de solidariedade é mudar, transformar, na concretização do bem comum e, sobretudo, reafirmando o reconhecimento e o valor da humanidade.
São esses os valores que motivam os atos solidários.
A solidariedade implica respeitar a individualidade de quem se defende ou ajuda, particularmente aqueles que sofrem.
Por isso, a solidariedade, sendo filha da compaixão, exige diálogo, respeito pela posição do outro e pelas suas decisões; agir nas carências e dar as ferramentas que faltam para que as pessoas ajudadas possam, em cooperação, resolver os seus problemas.
A solidariedade visa sempre a inclusão, trazer aqueles que estão afastados, marginalizados, sem voz para a praça pública, para o exercício pleno dos seus direitos.
Por ser uma prática coletiva, a solidariedade é mais eficaz quando é praticada em grupo, sejam comunidades locais, grupos de vizinhança, paróquias ou associações.
A solidariedade gratifica, não porque envolva um retorno financeiro, mas porque alimenta a conexão com os outros. Para além disso, aumenta o sentimento de autossatisfação e torna os cidadãos melhores pessoas.
Se fomos ou somos solidários, é porque sentimos compaixão pela condição difícil de outros. E, essa palavra certa, esse gesto de apoio eficaz, pensado, foi o suficiente para que alguém passasse a encarar de forma diferente a sua dificuldade.
A compaixão e a solidariedade são as únicas armas que podem combater o individualismo e o isolamento.
Se queremos ser felizes, sejamos pessoas de compaixão capazes de gestos solidários!
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 31 de outubro 2025).