Amanhado
Este é um termo açoriano que usamos e abusamos no quotidiano.
Amanhar serve para falar de toda a forma de arranjar, seja o amanho da terra, o amanho da casa, do peixe ou da roupa.
Amanhar é ser capaz de resolver as dificuldades da vida mas é também sinónimo de aceitação. Amanha-te, não tens outro remédio. Aquele indivíduo é amanhado, vive com o que tem. Noutros contextos culturais, falar-se-ia de alguém remediado.
Amanhado é por isso alguém que se acomoda, que cuida do que é seu o melhor que pode e que aceita o que a vida lhe vai dando, um pouco sem se revoltar.
Se, por um lado, este verbo aplica-se bem à necessidade de adaptação que o ser humano tem de desenvolver na medida em que vive em sociedade e luta contra o imponderável, em particular, da natureza, por outro, amanhar pode configurar uma atitude de passividade, de aceitação tácita da vida e dos acontecimentos.
Por vezes os açorianos são um povo amanhado. Não se revoltam, não reagem, toleram até as maiores injustiças ou as fraudes mais descaradas.
Ser amanhado pode, em algumas situações, ser uma característica prejudicial, porque retira o sentido da denúncia, da revolta interior, da consciência do que é certo e do que é errado, aumentando a passividade e reduzindo o espírito de luta.
Há horas que não podemos, nem devemos ser amanhados.
Quando se trata de lutar por direitos sociais, por justiça, por valores de liberdade e de dignidade humana; quando se trata de investir e desenvolver uma terra, uma empresa ou um ofício. Não podemos ser amanhados, porque seremos coniventes com a falsidade, o abuso de poder, a exploração dos mais fracos, a corrupção e o subdesenvolvimento.
O amanho adormece a vontade, retira a “pica” como dizem os mais novos e torna-nos manipuláveis.
É preciso retirar desta atitude, que durante séculos ajudou os insulares a viverem perante as adversidades do tempo, amanhando a terra e as casas, o que ela tem de positivo e de força; mas contrapor-lhe um lado mais lutador, uma reacção de quem tem consciência do que são os seus direitos. Não se trata de fazer uma revolução a toda a hora e em todo o lugar, mas de acordar de uma certa letargia e do comodismo que isso representa; hoje em dia, a confiança não basta, o destino não resolve tudo, é preciso estar atento e não deixar que outros tirem partido da nossa passividade.
Ser amanhado pode ser sinónimo de fraqueza. E, dos fracos não reza a história.
Mas, se é uma virtude saber se amanhar com pouco, nada nos deve inibir de lutar por muito, de reivindicar o que é justo e certo, de ser proactivo, porque os tempos que passam assim o exigem.
Quantas vezes desejamos ao outro a passividade: amanha-te!
Talvez fosse hora de dizer, “Força, não desistas, vai em frente, hás-de conseguir!”