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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

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Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Amanhado

Este é um termo açoriano que usamos e abusamos no quotidiano.

Amanhar serve para falar de toda a forma de arranjar, seja o amanho da terra, o amanho da casa, do peixe ou da roupa.

Amanhar é ser capaz de resolver as dificuldades da vida mas é também sinónimo de aceitação. Amanha-te, não tens outro remédio. Aquele indivíduo é amanhado, vive com o que tem. Noutros contextos culturais, falar-se-ia de alguém remediado.

Amanhado é por isso alguém que se acomoda, que cuida do que é seu o melhor que pode e que aceita o que a vida lhe vai dando, um pouco sem se revoltar.

Se, por um lado, este verbo aplica-se bem à necessidade de adaptação que o ser humano tem de desenvolver na medida em que vive em sociedade e luta contra o imponderável, em particular, da natureza, por outro, amanhar pode configurar uma atitude de passividade, de aceitação tácita da vida e dos acontecimentos.

Por vezes os açorianos são um povo amanhado. Não se revoltam, não reagem, toleram até as maiores injustiças ou as fraudes mais descaradas.

Ser amanhado pode, em algumas situações, ser uma característica prejudicial, porque retira o sentido da denúncia, da revolta interior, da consciência do que é certo e do que é errado, aumentando a passividade e reduzindo o espírito de luta.

Há horas que não podemos, nem devemos ser amanhados.

Quando se trata de lutar por direitos sociais, por justiça, por valores de liberdade e de dignidade humana; quando se trata de investir e desenvolver uma terra, uma empresa ou um ofício. Não podemos ser amanhados, porque seremos coniventes com a falsidade, o abuso de poder, a exploração dos mais fracos, a corrupção e o subdesenvolvimento.

O amanho adormece a vontade, retira a “pica” como dizem os mais novos e torna-nos manipuláveis.

É preciso retirar desta atitude, que durante séculos ajudou os insulares a viverem perante as adversidades do tempo, amanhando a terra e as casas, o que ela tem de positivo e de força; mas contrapor-lhe um lado mais lutador, uma reacção de quem tem consciência do que são os seus direitos. Não se trata de fazer uma revolução a toda a hora e em todo o lugar, mas de acordar de uma certa letargia e do comodismo que isso representa; hoje em dia, a confiança não basta, o destino não resolve tudo, é preciso estar atento e não deixar que outros tirem partido da nossa passividade.

Ser amanhado pode ser sinónimo de fraqueza. E, dos fracos não reza a história.

Mas, se é uma virtude saber se amanhar com pouco, nada nos deve inibir de lutar por muito, de reivindicar o que é justo e certo, de ser proactivo, porque os tempos que passam assim o exigem.

Quantas vezes desejamos ao outro a passividade: amanha-te!

Talvez fosse hora de dizer, “Força, não desistas, vai em frente, hás-de conseguir!”

 (publicado no Açoriano Oriental)

No mundo da política

A questão das cotas femininas nas listas de candidatos mais do que apontar para uma questão de igualdade de género, sugere um debate sobre o mérito que justifica a escolha dos candidatos.

Razões de vária ordem estão subjacentes à composição de uma lista eleitoral e se inovação as mulheres trouxeram à política foi a de lembrarem que a diversidade de sensibilidades pode ser uma mais valia. O mundo também se constrói no feminino e em política, não ter em conta esse lado é muitas vezes fazer opções distorcidas e distantes da realidade.

A acção política nunca é neutra, ou seja, os seus protagonistas condicionam de alguma forma o estilo com que governam ou tomam decisões, enformam os seus discursos e os debates, em função das suas experiências e da sua formação académica e profissional.

Por esse facto, envolver homens e mulheres, jovens e menos jovens, e pessoas de várias áreas profissionais na actividade política é uma exigência da política actual que se quer promotora da igualdade de direitos. 

Longe vão os tempos em que apenas os juristas e economistas, com carreiras estáveis, pareciam talhados para o mundo da política. Na realidade é necessário ter outros olhares que humanizem as leis, os decretos ou simplesmente que contribuam para fundamentar opções de intervenção e mudança.

PL

 

A felicidade é um treino da mente

Segundo palavras de um Dalai Lama, “a felicidade é um treino da mente e, para obter a verdadeira felicidade temos de sacrificar aquelas coisas que nos produzem um prazer momentâneo, para conseguir outras que nos proporcionem um estado de felicidade mais duradoiro” (cit. in Uma professora em Katmandu, de Vichy Sherpa).

É um treino da mente porque implica aprender a discernir, entre aquilo que apenas nos satisfaz num momento do que constrói um caminho para uma felicidade futura e saber escolher, entre um prazer imediato que se vê e se pode experimentar e um estado de felicidade que se alcança no futuro.

O prazer momentâneo é hoje uma bandeira publicitária que vende, entre muitos outros produtos, alimentos, programas de férias, sessões de massagens e tratamentos de beleza; a rapidez com que se obtêm resultados é a chave para se escolher um tratamento de redução de rugas ou de emagrecimento. O ideal é conseguir em quinze dias perder as marcas da idade que avança ou os quilos que se acumularam ao longo de meses de descontrolo alimentar.

Numa sociedade que vende a felicidade liofilizada, o princípio budista parece desajustado, apesar de conter uma verdade absoluta; não é possível construir a felicidade no futuro, se apenas se escolhem soluções de curta duração e a vida for um eterno efémero.

Para alguns, apostar no prazer imediato é ser moderno. No entanto, quando se opta pelo que é duradoiro não significa que se é conservador ou se quer manter a vida segundo um modelo quase inalterado, antes corresponde a uma busca do que estrutura a felicidade, das razões que mantêm as relações estáveis e dos princípios que enraízam os projectos em fundamentos sólidos. Tudo isso não invalida nem compromete as mudanças, entendidas como aperfeiçoamentos permanentes de um edifício sólido, estruturado e resistente. Dificilmente se pode mudar aquilo que é frágil e mal construído. Um edifício onde, durante a sua construção, se roubou no ferro e se reduziu ao mínimo a espessura do betão, acaba por ter de ser demolido quando se pretende reabilitá-lo. Só é possível reestruturar e renovar uma estrutura sólida e bem construída.

No mundo em que vivemos, tomado pela pressa de fazer e de consumir, tudo parece ter prazo de validade, desde os produtos do supermercado às relações pessoais. O “usa e deita fora” não se aplica apenas ao pano que agarra o pó, mas parece aplicar-se às relações humanas; diminuindo a capacidade de aceitar a perda de frescura, o efeito do tempo sobre a vida, a dificuldade de adaptação e os períodos de iniciação. O prazer imediato, a imagem por um dia, as aparências e o faz de conta, tornam-se mais importantes do que a felicidade duradoira, o envelhecimento, a autenticidade e a essência dos factos.

Numa sociedade onde se vende o imediato como uma novidade comercial é difícil acreditar que, prescindir de alguns prazeres momentâneos possa significar ou garantir um estado de felicidade duradoiro! Mas será que as pessoas querem ser felizes! O que significa, para cada um de nós, ser feliz?

(publicado no Açoriano Oriental)

Na Fajã dos Vimes

Um lugar que, quando se visita, se torna memória, aroma, imagem e, sobretudo, experiência cultural.

Na Fajã dos Vimes, em São Jorge, ouve-se o barulho do pente batendo os fios no tear e do mar rolando sobre os calhaus da beira-mar; sente-se o cheiro a café que cresce na escarpa e se torra no local. Os pássaros parecem brincar com os turistas, poisando na estrada de acesso, em frente aos carros para de seguida fugirem num voo rasante.

O silêncio envolve as pessoas que permanecem nos quintais trabalhando a terra de costas curvadas. Tudo ressoa neste lugar, o som do tear, o rádio de pilhas e a voz do locutor que anuncia o próximo pedido.

No fim do mundo, não! A fajã é um lugar único, onde alguns persistem em viver, apesar de a escola estar fechada por falta de meninos e os jovens, que ainda lá vivem, terem de se deslocar alguns quilómetros para poderem estudar.

Isolados, apesar do acesso pela estrada que serpenteia ao longo da encosta, os habitantes da Fajã dos Vimes mantêm viva a solidariedade entre vizinhos; se falta açúcar ou um quilo de farinha, pede-se emprestado e, passados alguns dias será a vez de devolver o favor.

Na Fajã dos Vimes, há tempo para pescar, cuidar da vinha, das plantas tropicais, dos animais e da horta. Pouco fica para comprar na mercearia ou no supermercado, porque este pequeno recanto do mundo dá de tudo um pouco, até aquele café aromático que é depois torrado na sertã, como faziam os nossos antepassados.

Lugares como a Fajã dos Vimes são únicos, pequenos tesouros de saberes e de património natural, onde podemos conversar com calma, descobrindo a arte da tecelagem, que a memória permite criar sem recurso a desenhos. São esquemas reproduzidos tantas vezes que as duas tecedeiras, depois de combinarem qual o desenho, articulam entre si a construção de uma colcha, de uma manta ou de um simples pano de mesa. Como duas pianistas tocando no mesmo teclado, as tecedeiras constroem um padrão harmonioso ao sabor do tempo e da pancada seca do pente.

Para alguns, lugares como a Fajã dos Vimes estão aquém da modernidade, afastados da vida urbana que anima as cidades, onde as pessoas se gastam em vão, stressadas com o ritmo do quotidiano, enervadas porque a fila de carros não lhes permite chegar a tempo a um compromisso.

Para outros, nesta e em outras fajãs é possível viver momentos de paz interior, reencontrar o valor do silêncio e do reencontro com a natureza, deixar-se levar pelo som do mar que rola nas pedras, sentindo a brisa que sopra, descobrindo aromas, longe do ruído, dos corantes e conservantes que pintam o quotidiano da cidade.

Na Fajã dos Vimes, onde se chega e se parte pela mesma estrada, a insularidade ganha sentido. 

Uma insularidade que não é sinónimo de solidão mas de luta pela sobrevivência, feita de intenso trabalho quotidiano, tenacidade e experiência sábia que só o tempo e a partilha quotidiana com os outros permitem acumular.

Na Fajã dos Vimes reencontramos a história deste povo, que um dia encontrou nas ilhas uma terra fértil, pejada de nascentes, rodeada por mar e iluminada pelo sol enevoado.

A fibra dos que aqui se instalaram há quase seiscentos anos não se verga com o vento nem cede perante as ondas do mar, porque ser insular não é um defeito de nascença ou mesmo um azar; é uma forma de viver e encarar a luta pela sobrevivência. Ser insular é ter o privilégio de sentir o mundo, de olhos fechados, deitado sobre o calhau, numa fajã junto ao mar.

(publicado no Açoriano Oriental)

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