Tão longe e tão perto
Tive o prazer e sobretudo a honra de participar no aniversário da Casa dos Açores da Nova Inglaterra em East Providence.
Estar entre açorianos emigrados foi uma experiência de reencontro com a identidade que partilhamos mas que, tal como a beleza da terra onde vivemos, não vemos, não temos consciência, a não ser quando nos afastamos.
O mundo dos emigrantes açorianos, da primeira ou da segunda geração, passa em grande parte pela partilha da língua e das tradições da terra de onde partiram. Sentem por estas ilhas uma permanente saudade, o que não os impede de viver o quotidiano de trabalho e de luta em terras americanas. Transportam consigo a marca do sotaque, o nome de família, as recordações daqueles que deixaram para trás, em busca de uma vida melhor.
Hoje, dizem alguns, talvez não emigrasse. A vida nas ilhas melhorou muito, não se compara com aqueles tempos. Havia fome, os meus pais não tinham possibilidades de nos por a estudar, a insegurança criada pelo regime de ditadura, nomeadamente a guerra do ultramar onde morreram tantos açorianos, não convidava a permanecer. Face ao futuro incerto, a América surgia como um horizonte de bem-estar, fartura, trabalho e a possibilidade de poupar algum dinheiro que permitisse a compra de uma casa, de um carro e, quem sabe, depois, voltar “para trás”.
Mas para a maioria, nunca mais aconteceu a oportunidade de “voltar para trás”. Os filhos cresceram, nasceram os netos, a vida foi ganhando estabilidade. Apesar de a alma sofrer de desenraizamento, o mundo à volta foi prendendo, impedindo uma decisão de regresso.
Só a açorianidade consegue unir e consolidar a identidade dos emigrantes. Divididos entre o facto de serem portugueses numa terra estranha, foram aos poucos entranhando a condição de americanos, mantendo viva a alma açoriana que os torna diferentes.
Numa terra onde as culturas europeias marcam o comércio, a restauração, o nome das pessoas e das empresas, entre italianos, irlandeses e outras culturas, os açorianos muito têm contribuído para a história recente dos Estados Unidos, particularmente na costa leste onde muitos residem. Fall River é bem o exemplo de uma cidade onde se fala português com sotaque micaelense.
Todo o açoriano que frequenta a Casa dos Açores ou outras associações do género, traz consigo uma história de luta, sofrimento e algumas vitórias. Uma vida inteira, dizia Conceição, para poder construir a casa dos meus sonhos, uma mansão numa zona residencial de prestígio. Uma vida inteira de trabalho árduo.
Passados vinte, trinta anos, muitos só falam português com os companheiros, porque os filhos, esses já só falam inglês e aos poucos vão-se inserindo numa realidade multicultural.
Em casa, os sabores vão-se misturando, a massa sovada dá lugar ao donut e a carne na assadeira de barro alterna com os hamburguers.
A cinco horas de distância, do outro lado do atlântico, a açorianidade une insulares de várias ilhas num sentimento forte de comunidade. Podem não existir pontes de aço que atravessem o oceano, mas a língua portuguesa é sem dúvida uma ponte que liga os emigrantes à terra de onde partiram.
Tão longe e tão perto, a comunidade emigrante transplanta a açorianidade no outro lado do mar, onde a palavra saudade só se diz em português.
(publicado no Açoriano Oriental a 22 Outubro 2007)