A insegurança que se combate e se cria
Parece uma contradição, mas a insegurança que se combate, seja punindo, prevenindo ou evitando com defesas de vária ordem, na realidade é um fenómeno que não tem geração espontânea, não é uma fatalidade, mas uma consequência, um resultado.
Se por um lado queremos todos viver com algum bem estar material, ter acesso ao consumo e defender a liberdade de expressão, comportamento e decisão, o certo é que a sociedade que daí resulta, sobretudo, quando deixa de poder controlar a mobilidade dos seus membros, contém aspectos positivos, mas também os seus lados mais perversos.
Franjas da população vão ficando fora do sistema educativo ou pelo menos não apreendem do mesmo modo os modelos normativos que este transmite; outros, por não terem acesso ao mercado de trabalho e por viverem em contextos pessoais e familiares desestruturados, buscam uma identidade pela negativa. Não que sejam pessoas desequilibradas do ponto de vista psicológico, o certo é que a sociedade moderna que afirma como referência, a qualificação, a produtividade, a excelência, o conforto e o respeito pelas regras de civismo, não é capaz de integrar todos os seus membros.
Particularmente fragilizados, os que perdem emprego, vivem relações familiares conflituosas e são vítimas de violência ou abandono; os que são mal-amados ou perderam o amor-próprio e a dignidade, os cidadãos que não têm laços que os identifiquem e enquadrem, em particular, do ponto de vista dos afectos, vivem num terreno marginal onde tudo parece ser permitido: partir, destruir, roubar, importunar e violentar; agredir, maltratar, são formas de estar em relação, mesmo que esta se faça pela negativa.
São vários os factores que concorrem para a produção deste tipo de indivíduos, causadores de insegurança, receio e até alguma fobia. Desde as alterações ao espaço urbano, perdendo-se o espírito de aldeia onde todos se conhecem e se cumprimentam, onde a solidariedade é espontânea; passando pela desigualdade de capitais culturais, meios económicos e até origens étnicas, acabando na falência das relações afectivas e sociais que identificam positivamente, como é o caso da família e do emprego, tudo pode, conjugado, contribuir para a produção de comportamentos desviantes, delinquentes e criminosos.
Culpabilizar apenas os actores desses comportamentos, punir com penas de cadeia e limpá-los das redondezas e sobretudo da vista dos outros, é uma estratégia que não pode ser utilizada para situações menores, face à necessidade de isolar aqueles que revelam ser um perigo para a paz pública. Mas porque produzimos cada vez mais delinquentes, pessoas perturbadas, jovens toxicodependentes ou potenciais alcoólicos?
Essa é sem dúvida uma questão que nos deve preocupar e para a qual, não há dúvida, é necessário rever as relações que estabelecemos com todos esses indivíduos, seja ao nível da família, da escola, da saúde, dos poderes locais, do emprego ou outras. A injustiça, a desigualdade de acesso, a estigmatização, são mecanismos de defesa com retorno. Mais tarde ou mais cedo traz de volta os injustiçados, os discriminados, marginalizados ou excluídos, agindo com agressividade, violência, desrespeitando os limites e as regras, mergulhados em consumos excessivos e alienados do mundo dito “civilizado” do qual desistiram de pertencer.
E não se julgue que este retorno vem apenas dos mais desfavorecidos, mas antes é o resultado das relações sociais marcadas pelo esquecimento, a educação sem regras, a libertinagem descontrolada, a ausência de firmeza e o “deixa andar”.
A insegurança pode-se combater com grades, alarmes, polícia, penas e multas, encarceramentos e detenções transitórias, mas irá manter-se enquanto as vítimas não forem só os que carecem de protecção, mas forem também os que gerando e provocando a insegurança são eles próprios vítimas de uma sociedade que os constrói, para depois combater as suas práticas.
(publicado no Açoriano Oriental a 21 de Janeiro de 2008)