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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

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Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Açorianidade

A naturalidade e a residência seriam apenas lugares, dados de identificação que se inscrevem no cartão de cidadão, não fora as raízes culturais, os sentimentos e os laços que se criam com uma terra e com as pessoas que nela vivem.

Ser açoriano não é um acaso de nascimento, nem é uma ligação distante com um lugar perdido no oceano. É uma condição identitária que, transforma a sonoridade com que se fala a língua portuguesa, tempera com pimenta a carne e os enchidos, saboreia o sal dos produtos da terra e bebe o mar nas conchas do marisco.

Ser açoriano não é uma condição limitada pela natureza das ilhas, mas um horizonte que se abre na imensidão do mar, atravessa o mundo e é fonte de orgulho onde quer que haja uma comunidade, oriunda desta região. Uma condição que se afirma com nuances na voz, tantas quantas as ilhas que formam o arquipélago.

Se, por um lado, podemos afirmar que não existe um ser açoriano, mas várias formas de viver nos Açores, por outro, os insulares que escolheram viver nestas ilhas são todos portadores da açorianidade, traço identitário que distingue aqueles que amam esta terra.

A açorianidade é mais do que a soma das várias formas de ser insular, mas delas depende e todas sintetiza, sem desconsiderar a diversidade de sabores, de paisagens ou de riquezas patrimoniais. É um traço único com conteúdo plural.

Afirmamos os Açores como Região, mas somos, em primeiro lugar, insulares que nos orgulhamos da ilha que nos viu nascer, de Santa Maria ao Corvo. Contamos a mesma história das descobertas e do povoamento aos nossos filhos, mas assumimos o sotaque da ilha onde moramos e as tradições dos nossos avós, como nuances de um património comum.

Não é por acaso que as Festas do Espírito Santo são uma afirmação da açorianidade. Diversas no sabor que cada ilha imprime às suas sopas, unem os açorianos em torno do culto ao Divino, manifestação cultural que afirma a importância que o transcendente sempre teve para este povo.

Confrontados com as intempéries e catástrofes naturais, marcados por momentos dramáticos causados pelos sismos e vulcões, enfrentando as ondas do Atlântico ou desbravando uma terra, outrora coberta de pedras, os açorianos souberam lutar pela sua sobrevivência, plantando cereais, exportando laranjas, criando animais ou pescando em águas profundas. Desafiaram o mundo na emigração, mas sempre partiram com os olhos postos na terra natal, da qual nunca desistiram, mesmo quando não podiam voltar. Ainda hoje, passado o tempo da emigração, a açorianidade continua viva nas muitas comunidades criadas no continente português e nas Américas.

Onde quer que haja um açoriano ou uma açoriana, reencontramos o marulhar do mar nos seus olhos, o sabor a sal e o cheiro a erva cortada nas suas palavras. A saudade ecoa quando avivam memórias e misturam a solidariedade nas horas de aflição com a alegria do convívio em dia de tourada, vindima ou coroação.

A açorianidade não é um traço de nascença mas uma herança que se recebe ao nascer ou é legada quando se adopta os Açores para viver. Um traço que faz amar as ilhas como “nossas” e partilhar um feriado que exalta a Autonomia do povo açoriano.

(publicado no Açoriano Oriental a 24 Maio 2010 - Dia da Região)

Atributos

O grande mérito não está em afirmar que se conseguiu, mas em ser reconhecido pelo feito, não está em dizer que se é, mas em ser conhecido por ser.

Mas há quem necessite de falar de si, muito antes dos outros terem vislumbrado qualquer conteúdo nas qualidades que se afirmam, quais etiquetas que se colam num produto para fazer vender. Poderão cativar o comprador mais precipitado, que gosta de experimentar e não se importa de comprar as novidades. Depois, descobre que afinal os rótulos o enganaram, foi levado pela publicidade, mas nada do que constava na etiqueta e na imagem correspondia à verdade.

Hoje fala-se muito de marketing, da necessidade de promover os produtos num mercado repleto de alternativas, para combater a concorrência e ganhar consumidores. Mas o marketing, mesmo quando é muito bem feito, só funciona quando os produtos têm qualidade. Faz vender e, sobretudo, fideliza o comprador, porque quando anuncia qualidade, esta é comprovada, e a composição que vem escrita no rótulo é real quando se experimenta.

Atributos, qualidades ou adjectivos, também se aplicam a organizações, autarquias, governos, regimes políticos ou até empresas.

O importante é não ter pressa de se auto definir, com base nesses atributos. O importante é não etiquetar gavetas, que nunca tiveram conteúdo ou que ainda aguardam o dia em que o vão ter.

Não vale a pena começar por aí, ter uma sede para a associação, mas não ter sócios; ter o equipamento de jogo, mas não saber jogar; ter a fama mas não possuir experiência consolidada.

Hoje fala-se muito de sustentabilidade. Uma palavra nova, que no fundo significa a importância da autenticidade de um crescimento, suportado em recursos, em capacidade de manter uma produção ou uma relação, pensado a longo prazo, que não é um fogacho de faz-de-conta.

Sustentável é todo o desenvolvimento que não começa pelo atributo, pelo título de projecto ou pelo rótulo, mas que corresponde a experiência continuada, enraizada e estruturante.

Quando alguém ou alguma instituição se apressa a etiquetar o que ainda não fez ou não é, cria para si e sobretudo para os outros, a ilusão de uma realidade que está presa por alfinetes, descosida e pouco resistente.

Se quisermos saber o que valemos, o melhor é reparar no modo como somos reconhecidos. E nesse exercício de auto-análise, também é importante assumir que os outros também são bons a identificar os nossos defeitos e denunciar as acções menos conseguidas. Reconhecer esses insucessos também faz parte do crescimento sustentável. De outro modo, corre-se o risco de acabar vivendo detrás de um verniz de aparências, que disfarça o que não se é. Qual pintura que se dá na fachada de um prédio em risco de ruir, tapando as fendas e disfarçando o reboco que ameaça cair, compromete-se uma intervenção profunda, estrutural, que fortaleça o edifício.

As aparências iludem, sobretudo, quem as utiliza como disfarce, porque apenas adiam o cair da máscara, que sempre acaba por acontecer. Só quando os atributos são o resultado de experiências acumuladas, se tornam em fonte de reconhecimento.

(publicado no Açoriano Oriental, a 17 de Maio 2010)

Santidade

No espírito da fé cristã, somos todos vocacionados a ser santos.

Santos não são apenas os que a tradição nos habituou a ver nos altares.

A santidade é um desafio de outrora e de hoje, que se coloca a todo o ser humano. Sinónimo da procura permanente da perfeição, a santidade dignifica o ser humano e é um espelho do que há de melhor em cada pessoa.

Mas onde estão esses santos, quem são? Porque não fazemos estátuas das suas figuras ou não se editam livros sobre as suas histórias de vida?

Na maioria dos casos, as marcas destes santos ficaram no anonimato das suas existências. Morreram em campos de concentração, foram vítimas da prepotência de regimes autocráticos, condenados a uma cadeira eléctrica sem conseguirem provar a sua inocência, escravizados em roças ou explorações agrícolas, condenados a trabalhos pesados ou explorados em redes de tráfico humano. Esses homens e mulheres são santos sem nome, que santificaram o mundo por onde andaram, sem nunca cederem, no seu interior, à força de quem os maltratava ou perante as dificuldades que tiveram de enfrentar.

Na visão mais tradicional, os santos são mediadores de pedidos ou de graças, entidades protectoras com benefícios específicos. E os outros!? Exemplos de dedicação, que ninguém ouve reclamarem, perante os cuidados diários que prestam a um doente acamado ou a um deficiente profundo. Pessoas que trabalham, sem desistir, nos bastidores da vida de outros.

Como classificar aqueles que partilham os seus rendimentos com os mais pobres ou patrocinam os estudos de jovens carenciados?

São, certamente, os santos dos nossos dias. Aqueles que lutam por ideais de justiça. Talvez não estejam nos altares, mas são santos, aqueles que ainda hoje morrem nas prisões por não cederem nos seus princípios éticos ou são perseguidos por defenderem direitos humanos ou lutarem por regimes democráticos. E tantos outros, onde quer que estejam, que lutam por um mundo melhor.

A santidade transparece na vida exemplar de quem nunca foi corrupto e sempre condenou procedimentos ilegais, mesmo que isso tenha custado o emprego, ser afastado ou marginalizado.      

Santos são referências humanas, com histórias de vida exemplares, onde transpira coragem e luta interior, para quem a doença ou adversidade não são barreiras, mas trampolins; gente capaz de ajudar no meio da guerra ou perante catástrofes naturais. Sinais de esperança e optimismo que se erguem no meio dos desesperados; braço forte que levanta quem está caído.

Buscar a santidade não é utopia, mas a procura permanente da perfeição que transforma o ser humano e concretiza o projecto de uma vida. Afinal, cada um de nós tem uma missão, um contributo que é um rasto da sua presença. Um traço de luz que alguns reconhecem, mas que muitos ignoram.

Quantos santos e santas são anónimos na multidão, cujo exemplo continua a tocar a vida de muitos outros, com traços de santidade.

(publicado no Açoriano Oriental a 10 Maio 2010)

A verdade dos números

É recorrente os políticos utilizarem números para suportarem afirmações. Uma percentagem que aumenta ou um indicador que diminui podem ser a confirmação de uma boa política ou, pelo contrário, a demonstração da sua ineficácia.

Mas, por vezes, ouvimos referências a números que são uma mera manipulação, ao serviço de um discurso mal construído e até, de alguma forma, pouco honesto. Recentemente, a presidente do PSD referiu-se às verbas que a Região recebeu nos últimos anos da União Europeia, que considerou uma dádiva anual de 5000 euros por açoriano, tentando dessa forma provocar um sentimento de injustiça e desconfiança perante o modo como esses fundos foram utilizados.

Esta não é certamente a forma mais correcta de medir o impacto de um apoio financeiro que se destinou ao investimento em infra-estruturas e se transformou, por exemplo, em ampliação dos portos de diferentes ilhas, na construção de novas escolas ou na melhoria das estradas, que todos os dias beneficiam a vida de milhares de pessoas.

Não faz sentido tentar por em causa o modo como a Região utilizou estes fundos europeus e não assumir a importância do Fundo Social Europeu, que assegura o funcionamento da maioria das escolas de ensino profissional, sem as quais, dificilmente, muitos jovens açorianos teriam acesso a empregos qualificados.

Os números servem para elucidar, confirmar e medir um fenómeno, mas também deviam servir para nos fazer pensar. Quando são mal utilizados, servem para justificar críticas infundadas, particularmente como as que se fazem à segurança social, quando se comenta a forma como se ajudam, monetariamente, famílias carenciadas, pessoas com dificuldades de inserção no mercado de trabalho ou idosos que nunca descontaram para a reforma.

Influenciados pelos tempos difíceis que o país e a região atravessam, marcados pelo desemprego e a baixa do poder de compra, com muita frequência se ouvem comentários negativos aos números do rendimento social de inserção. Porque se conhece uma família que recebe o equivalente a um salário mínimo, mesmo que se trate de uma mãe com cinco filhos, fala-se desta prestação social como um apoio imerecido, que fomenta a preguiça. Não esqueçamos que o montante de referência para a definição deste apoio é de 180 euros mês por pessoa e, em muitos casos, são sobretudo as crianças quem mais beneficia desta ajuda.

Mas, se queremos usar os números, não podemos generalizar as situações que conhecemos, nem repetir cem vezes o que ouvimos dizer sobre a vizinha do lado que beneficia deste ou de outros apoios.

Se queremos números, então fixemos estas médias: o RSI representa, na Região Açores, nove euros por dia por família ajudada ou dois euros e meio por dia por beneficiário. Por outro lado, o montante que o nosso país despende com esta prestação equivale a uma contribuição de quatro euros por mês, de cada um de nós.

Os números só falam verdade quando os utilizamos de forma verdadeira.

(publicado no Açoriano Oriental a 2 Maio 2010)

As palavras libertam

A palavra é um instrumento com força de libertação, que confere cidadania e transforma um indivíduo em pessoa. Livre, a palavra incomoda os ditadores e todos aqueles que se acham donos do poder que os lugares lhes conferem. Quando não conseguem calar as vozes inconvenientes, recorrem à censura, mais ou menos declarada, feita com lápis azul ou regras que silenciam palavras incómodas.

A palavra tem força, porque carrega dentro de si um significado literal e a realidade que nomeia. É um revelador dos estados de alma, que veicula a intensidade das emoções e dos afectos, e pode ser utilizada como instrumento de pressão e persuasão, unindo ou separando as pessoas.

A palavra tem tal força que, retirar esse direito a alguém constitui uma forma de condenação ou penalização.

A palavra, dita ou escrita, liberta. Por isso, se há diferença que marca os tempos do antes e do depois de Abril de 1974 é o ganho em liberdade de expressão. Uma liberdade visível no modo como hoje se aborda a diversidade de pensamentos, se consideram as minorias sociais, se encara a multiculturalidade e se promove o direito à escola para todos.

Porque a palavra liberta, falar de cidadania é assumir, entre outros, o direito de criticar, denunciar, reivindicar e reclamar. Ninguém tem o dever de calar a injustiça ou a violência de que é vítima. Os tempos em que se engoliam as palavras e se apaziguavam conflitos abafando as vozes contrárias, têm de ser enterrados.

A palavra liberta. Liberta o homem e a mulher dos seus receios, equívocos e preconceitos, quantas vezes enraizados em falta de informação ou incapacidade de questionar e pedir esclarecimentos. Uma palavra não dita é uma dúvida que se avoluma.

Nos tempos que correm, apesar de vivermos com liberdade de expressão e de não precisarmos de esconder sentidos nas entrelinhas para passar uma mensagem, corremos outros riscos, particularmente o de esquecermos a força das palavras. Quando deixamos que os meios tecnológicos ocupem o tempo que deveríamos reservar à conversa, à tertúlia ou a um serão em família; quando mutilamos a língua escrita, para a fazermos encaixar em curtas mensagens electrónicas e sms de telemóvel, é a palavra que está em risco.

As palavras fazem parte do património cultural, que descobrimos desde o nascimento e que nos torna membros de um povo. Através delas mergulhamos no conhecimento. Com elas, descodificamos o mundo, assumimos uma identidade e um sotaque.

As palavras são sínteses de sentido, espelhos da alma onde o ser humano se revê. Janelas de conhecimento que se abrem, por exemplo, em relato de viagem, resultado de investigação, notícia ou texto de opinião.

Escrever palavras é um exercício de liberdade e os jornais são uma das suas expressões mais significativas. Por isso, registo e congratulo-me com a passagem dos 175 anos, recentemente festejados, do Açoriano Oriental. Um jornal que atravessou três séculos de história, divulgando palavras que libertam.

(publicado no Açoriano Oriental de 26 de Abril 2010)

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