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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Desistir? Não.

Se queremos enfrentar o ano que se avizinha, temos de ter coragem, força de vontade, capacidade de sacrifício, discernimento para fazer as melhores escolhas e, entre outras mudanças, aprender a poupar. Tudo isto pode estar certo, mas se queremos vencer os desafios que o próximo ano nos anuncia, é fundamental não desistir de lutar.

Se conseguirmos não desistir perante o desemprego, as tarefas mais difíceis, as dúvidas ou os problemas aparentemente sem solução, então iremos vencer. A força e a resistência de um ser humano podem ser avaliadas pela capacidade que este demonstra em não desistir. Hoje em dia fala-se muito de resiliência, uma competência que implica ser capaz de não desistir, lidando com dificuldades e, apesar disso ou por causa desses obstáculos, crescer, lutando e vencendo etapas.

Desistir é o contrário de existir, é baixar os braços à vida e abandonar os objectivos por que se lutava. Podem até ser coisas menores, vistas pelos outros, mas que quando conquistadas, fazem toda a diferença. Hoje, fui capaz de não fumar, consegui elevar o braço na fisioterapia, terminei um exercício de matemática com sucesso, consegui por mais uma peça no puzzle e, sobretudo, em nenhuma dessas ocasiões cedi à tentação de desistir de levar essa acção até ao fim.

Quando nos confrontamos com as grandes ou pequenas adversidades da vida, não raras vezes sofremos, porque é doloroso ultrapassar-se, vencer o medo, a dúvida. Mas, como refere Louis Amstrong, “o sofrimento é passageiro, a desistência é para sempre”.

Não podemos desistir quando acreditamos e temos consciência de que lutamos por algo que é justo, bom, positivo. Desistir seria ceder nesses valores prioritários, numa batalha, que mesmo que faça sofrer, vale a pena.

Quase sempre, acabamos por reconhecer o quanto é importante alimentar a coragem, o empenho e aceitar o sofrimento, depois de termos ultrapassado a dificuldade, quando a tempestade passou e navegamos com tranquilidade. Quem desiste nunca sente este gosto da vitória. Desistindo de sofrer e de lutar, desiste de crescer e não amadurece, adia um momento que, o mais certo, não se repetirá.

Deixar a meio uma batalha que se vinha agudizando, até pode ser cómodo, fácil, mas é quase sempre um sinal de fraqueza ou até de cobardia. Será que te faltou pedir ajuda? Será que bastava ter repensado o modo como agias ou organizavas a tua vida? Desistir pode ser um acto de orgulho, para não dar parte de fraco.

Diz o provérbio que “dos fracos não reza a história”, porque na realidade desistiram de nela participar. Quem desiste, acaba por se tornar numa massa amorfa e incolor, que toma a forma ou a cor do ambiente que a rodeia.

Desistir é não ter firmeza e ser presa fácil num mundo competitivo, onde se acenam as bandeiras da inveja, da vergonha, do medo, para afastar os que lutam por propósitos.

Quem desiste, gostaria de ter mais coragem, mas não suporta sofrer, perder e evita ter de reconhecer que, desta vez, não conseguiu. Porque a vida, mesmo sem desistências, nunca é um somar de vitórias, mas um resultado que se obtém com o mais ou o menos que define cada momento.

No próximo ano, talvez devêssemos todos fazer um desejo, entre os muitos que nos irão ocorrer no momento de comer as passas! Não deixar de lutar. Por mais que custe, aceitar viver cada desafio. Porque eu existo, não desisto!

 (publicado no Açoriano Oriental, 27 Dezembro 2010)

À procura do espírito de Natal

Percorro as ruas à procura do espírito de Natal e todos me dizem que é fácil encontrá-lo. Basta que preste atenção às canções que se ouvem nos altifalantes. Falam de pinheiros e de prendas, contam histórias de neve e de Pais natal que viajam em trenós de renas.

Mas, apesar dessa toada musical, pontuada pelo som dos sinos, não consigo sentir o espírito de Natal.

Há mais, dizem-me as vozes da rua, não desistas de encontrar. Procura as casas que brilham na noite, com luzes no telhado, nas paredes e nos jardins. Repara como, nesta altura, as pessoas andam numa azáfama; compram de tudo, carregam pacotes enfeitados. Umas mais do que outras aproveitam para vestir a família, decorar a casa e alegrar os mais novos.

Até parece que esse é o espírito de Natal, porque a dádiva e a troca são práticas de solidariedade que rompem com o espírito comercial, invertem os interesses que, na maioria dos casos, estão por detrás das transacções económicas. O Natal é um caso à parte. Compramos para dar, queremos mimar alguém com prendas, que julgamos irem agradar, porque foram compradas a pensar nessa pessoa. 

Não será que o espírito de Natal está aí presente nessas dádivas generosas? Mas, reparo que, no meio dessas compras todas, que deveriam ser gestos de amizade e de amor, há quem gaste pequenas fortunas, não porque o outro merece, mas para não ficar atrás, para parecer maior e se sobrepor ou ser comparável às prendas dos outros.

A boneca foi a maior, que é para a afilhada ficar com boa imagem da madrinha.

O equipamento de jogos foi o mais caro do mercado, para que o filho possa dizer na escola que tem o último modelo.

A televisão foi trocada, por uma com tantas funções que só de manual nas mãos.

Afinal, será que é esse o espírito de Natal, será que deve ser esse o significado das prendas?

Abandono as ruas, fecho as janelas às luzes e ao som dos altifalantes e procuro no sótão as caixas com os bonecos de presépio, embrulhados em papel de jornal, que me esperam há um ano, para que lhes dê vida.

Preparo o lugar do presépio, com musgão, pedras, ramos de cedro e paus que recolhi no campo. Recomeço o ritual de montagem deste espaço fora do espaço, onde se conta a história do nascimento de Jesus e se congregam os que o veneram, desde os pastores com as suas ovelhas, às mulheres que transportam cargas à cabeça até outras figuras, mais recentes, representando cenas tradicionais.

Acendo uma vela, coloco os pratos de ervilhaca e de trigo e deixo que a luz ilumine estas figuras de barro, que me contam histórias de outros natais e me fazem sentir criança.

Afinal, o espírito de Natal existe. Está presente ali, no silêncio daquelas imagens que transformam o recanto da minha sala num lugar de oração e renovam o mistério do nascimento de um Jesus, feito menino, que incarna os problemas mais graves da humanidade: a rejeição do homem da estalagem, que lhe oferece um estábulo para nascer; o frio de um lugar sem condições; a contradição de uma vida simples, de um reino de amor diante de um povo que esperava um Rei com armas e poder material.

Afinal o espírito de Natal existe, mas só se descobre na paz e no silêncio, no coração das pessoas e nos gestos de amor.

(publicado no Açoriano Oriental, 20 Dezembro 2010)

Solidariedade açoriana

Os açorianos sempre foram solidários. Nem poderia ser de outro modo. Dificilmente teríamos sobrevivido em ilhas ou em comunidades limitadas no território e com apenas algumas centenas de habitantes, sem entreajuda.

Mas quem ouça alguns comentadores e políticos falar da compensação salarial para os funcionários públicos, cujos salários brutos não ultrapassem 2000 euros e que por via das restrições para 2011 teriam um corte de 5%, confronta-se com acusações de falta de solidariedade, ingratidão e até desrespeito.

Tudo isto começou com uma infeliz resposta do Presidente da República que levanta dúvidas sobre esta medida. Logo se desencadeou uma onda de vozes críticas; porque “não podem existir excepções” “como podem os açorianos se auto-considerarem dotados de uma especificidade? Como se atrevem, com esta medida, a fazer tábua rasa dos sacrifícios que estão a ser pedidos a todos os portugueses!?”

Se o Governo Regional mantivesse a despesa de 4 milhões de euros numa obra qualquer, à semelhança dos milhões que a Madeira vai gastar num estádio, não levantaria dúvidas, nem esse gasto seria avaliado. Mas, porque a opção foi aplicar uma parte dos recursos da Região no reforço dos salários de uma classe de funcionários que possui um rendimento médio/baixo e dessa forma evitar que baixem ainda mais os seus níveis de consumo, chamam a isto falta de solidariedade?

As vozes críticas do continente, particularmente vindas do PSD, recorrem com frequência à classe média, para afirmar que, não são apenas os pobres quem sofre com a crise. Então porque criticam uma medida que visa minimizar o empobrecimento de algumas dessas famílias? Será que também não concordam com a suspensão que foi decidida pelo governo regional, ao não aplicar a nova tabela de comparticipação das famílias no custo das creches, jardins-de-infância e ATL’s públicos, que atingiria sobretudo o rendimento da classe média?

Infelizmente, os mesmos que apontam o dedo ao número de beneficiários do RSI, num discurso catastrófico sobre o empobrecimento, criticam agora a compensação salarial e fazem coro com quem julga a medida de ilegítima. Mas será que também vão por em causa outras iniciativas regionais, como o complemento à reforma ou ao abono de família, à compra de medicamentos ou até o salário mínimo regional, que visam minimizar as dificuldades por que passam os idosos e as famílias de mais baixos recursos na região?

Não tenhamos dúvidas. No continente ou nos Açores, vai ser ainda mais difícil viver no próximo ano. Estas medidas regionais não anulam o impacto da contenção de despesa que o país impôs a si mesmo. Todos temos de aprender a fazer opções e a definir prioridades nos gastos e nos investimentos.

Mas, dificilmente chegaremos a bom porto se, em vez de nos preocuparmos com o que cada um tem de fazer, na família, empresa ou num órgão executivo, nos preocuparmos em gastar tempo e energias a denegrir e a derrubar o que os outros estão fazendo.

Temos todos de levantar a cabeça, arregaçar as mangas e lutar para sair da tempestade. A justiça e a solidariedade não significam exigir ou dar o mesmo a todos, mas defender os direitos de todos e fazer com que cada um receba ou contribua, na medida das suas necessidades ou capacidades.

(publicado no Açoriano Oriental de 13 Dezembro 2010).

Chove, não me apetece sair!

A chuva cai forte contra as janelas. Os pingos escorrem como lágrimas nos vidros e a rua mais parece uma pequena ribeira.

Chove muito. Sabe bem, estar em casa, diante da lareira, no aconchego dos cobertores. Não apetece sair.

O noticiário anuncia inundações, sem-abrigo que morrem ao frio, ribeiras que transbordam das margens e destroem estradas. Mas continuo embrulhado na cama, sem vontade para me levantar, pensando que a chuva, música que me adormece, tem um lado frio, tremendo.

Abandono estes pensamentos tristes e refugio-me no valor da chuva, necessária para tornar verdes os pastos, fazer crescer as árvores e regar os canteiros de flores.

Mas o jornalista continua a lembrar-me que o mau tempo já fez mais uma derrocada e foram instaurados alertas laranjas em várias regiões do país.

Concentro-me no som da chuva a cair.

O mundo é sempre bem melhor, ou parece ser, quando não vemos as desgraças, não ouvimos falar dos que sofrem ou recusamos noticiais que não são agradáveis. É muito mais fácil viver no faz de conta, adormecendo ao som da chuva que bate nos vidros e deixando-se tomar pelo calor dos cobertores que tapam as orelhas e inebriam o espírito.

A chuva cai forte. As ruas parecem agora rios. Está na hora de levantar, preparar-se para sair, levar os filhos à escola, enfrentar o mundo do trabalho, as dificuldades, os desafios.

Ouvem-se as vozes dos mais novos que reclamam, “Mãe, não me apetece, eu podia faltar hoje, só hoje”. “Coitadinhos”, pensa a mãe, “eles até têm razão, podiam ficar em casa, com esta chuva!”

É nestas horas que se marca a diferença. Entre viver sob o lema do “apetece” ou do “enfrenta a vida”; entre preferir o conforto ou assumir que cada um de nós faz falta. É urgente educar a vontade e combater o comodismo, os espíritos instalados, as vidas enlatadas.

Porque a chuva não mata, diz-nos o carteiro todos os dias, quando deixa o jornal na caixa do correio, mesmo ouvindo a senhora reclamar que o papel ficou molhado.

A chuva não impede o trabalhador rural de ordenhar as vacas, nem o padeiro de sair de casa a meio da noite.

O que mata é o comodismo e essa vontade inebriante de se deixar ficar, preso ao meu bem-estar, debaixo dos cobertores; porque não me apetece, hoje vou faltar. Assim como assim eu não faço falta. O mais certo é nem se aperceberem que não estou.

A chuva continua a cair e o mundo não pára, mesmo para quem não quer participar e se julga dispensável. A realidade exige de todos um contributo, na escola ou no emprego, no campo ou na cidade, não podemos parar, muito menos por causa da chuva. Este não é o tempo para desistir, nem para desculpas cómodas e posturas fáceis.

Hoje não fui trabalhar e o meu filho não foi à escola, porque chovia muito.

A chuva bate nos vidros e a água escorre como lágrimas; o mundo triste, empobrece porque alguém desistiu. Não lhe apetecia.

(publicado no Açoriano Oriental de 6 Dezembro 2010)

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