“Amo-te” em dia de São Valentim
O comércio foi invadido por uma onda de corações, por conta do dia de São Valentim. Pobre do santo! É roupa interior, bonecos de peluche, canecas e outros objectos decorados com corações, alguns com diabinhos e mensagens, supostamente atrevidas, que convidam ao encontro, exageram nas palavras e servem de suporte para dizer: gosto de ti, amo-te, I love you!
Poderá não ser necessário um dia dedicado ao namoro, à paixão e aos apaixonados, mas é evidente que os casais precisam de encontros, intimidade e partilha. Apanhados nas vagas de uma sociedade que absorve o tempo necessário para construir o “nós”, há quem desista da relação a dois, por achar que esta destrói o seu “eu”. Em 2009 foram 789 os divórcios nos Açores, num ano em que se realizaram 1207 casamentos e a taxa de divórcio atingiu 3,2‰, a mais elevada do país.
Talvez não haja uma correlação directa entre falta de comunicação no namoro e risco acrescido de divórcio, mas este quase sempre resulta de um afastamento progressivo no casal. Alguns até namoraram durante muito tempo, anos, mas dão por si a viver como dois estranhos.
Namorar é dar tempo para conhecer e descobrir alguém, com quem é possível antecipar cenários, partilhar dificuldades e pensar nos desafios que se colocam, quando se vive a dois. Namorar, é mais do que manifestações de carinho, nem sempre verdadeiras e superficiais, mas implica revelar fragilidades e aprender a reconhecer o que torna uma pessoa amorável, diferente. Namorar é deixar-se cativar por essa diferença.
Oferecer almofadinhas de peluche ou flores embrulhadas em celofane com corações, são gestos simpáticos, mas que podem mascarar o essencial que constrói um casal. Quem insistir nesse registo cor-de-rosa, muito provavelmente está a perder muitas oportunidades para conhecer a pessoa com quem namora. O mais certo é que será incapaz de permanecer nessa relação, quando confrontado com uma doença, faltas de dinheiro, desentendimentos ou outras dificuldades.
O namoro também é um tempo para se aprender a amar o lado sombra do outro, conhecer e compreender os defeitos da pessoa com quem se namora.
Namorar é aprender a ceder do eu, para construir um par; é descobrir-se como pessoa através da relação a dois; sentir-se feliz por partilhar erros e sucessos do quotidiano com alguém e ser capaz de sonhar um projecto de vida comum. Quando a relação a dois não integra estes ingredientes, o mais certo é falhar e romper, perante uma dificuldade maior. Não será por acaso que um terço dos divórcios acontece nos primeiros cinco anos de casamento e que quase metade acontece antes dos nove anos de vida conjugal.
Se falhar a comunicação sincera e verdadeira no namoro, de que vale dizer “amo-te”, numa almofadinha vermelha ou num peluche sorridente, em dia de São Valentim?
(publicado no Açoriano Oriental, 14 Fevereiro 2011)