Diferença ou desigualdade
A diferença não significa desigualdade. A diferença faz descobrir o outro, enriquece, aumenta o potencial de partilha e favorece a complementaridade. A desigualdade afasta, empobrece as pessoas e os povos, dificulta a solidariedade e é pretexto para o abuso de poder e a exploração.
A diferença de género não pode justificar as desigualdades sociais, económicas e até políticas que ainda hoje marcam a relação entre homens e mulheres.
Há quem procure na biologia, no instinto ou num quadro mais ou menos fixo de funções psicoafetivas, uma explicação para justificar a condição social de género. Levantam-se vozes para culpabilizar as mulheres pela baixa de natalidade, pela diminuição da taxa de fecundidade, pelo envelhecimento do país. E, chega-se ao ponto de propor que voltem para casa, que tenham filhos e se dediquem a eles deixando a vida económica e a participação política aos homens, que esses não têm tais responsabilidades; a eles não lhes cabe mudar fraldas ou ensinar as gerações futuras a respeitar valores de igualdade e tolerância.
Reduzem as vidas das mulheres à sua capacidade procriativa, como se esta fosse uma responsabilidade feminina e não um desígnio do ser humano. Apesar da taxa de fecundidade calcular os nascimentos em função do número de mulheres em idade reprodutiva (15 a 49 anos), a decisão de ter um filho devia ser uma escolha consciente. Porque, a relação que daí resulta, é mais do que a maternidade ou a paternidade, consubstancia o que hoje se designa por parentalidade, ou seja, a relação de duas pessoas, que podem ser pais biológicos ou não, com os filhos.
Os filhos não nascem por causa das mulheres, nem pela vontade única destas. São a realização dos seres humanos que assim passam testemunho, dão continuidade à própria vida em sociedade e transmitem uma herança social, mais do que genética, garantindo a sobrevivência da espécie e dos povos.
A diferença gera complementaridade. Homens e mulheres complementam-se na criação, nas funções familiares, nas tarefas, no pensar e no transformar o mundo que os rodeia.
E a complementaridade é sinónima de partilha de responsabilidades. E, partilhar responsabilidades é assumir a construção da sociedade e os seus problemas.
Por isso, não há problemas das mulheres que também não sejam problemas de homens.
Na violência doméstica há 80% de mulheres vítimas, mas há 80% de homens agressores; na prostituição, por ventura 80% são mulheres, mas um grande número destas vive na dependência de homens que as exploram ou controlam as suas vidas. Na gravidez precoce, jovens mães acabam por ser vítimas da irresponsabilidade dos parceiros, quase sempre mais velhos, que as seduzem para uma relação sexual não protegida. Na monoparentalidade, um número elevado de mulheres fica legalmente com o encargo de sustentar os filhos, após um divórcio, uma viuvez ou simplesmente uma relação conjugal que não se concretizou.
Todos os problemas das mulheres são problemas dos homens. Mas, enquanto a diferença de género for pretexto para desigualdades sociais, desrespeito por direitos humanos, exploração e abusos de poder, estaremos longe de uma cidadania plena.
A diferença de género devia multiplicar e não dividir, enriquecer a partilha e nunca excluir ou discriminar.
(publicado no Açoriano Oriental de 12 Março 2012).