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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Saudade

A palavra saudade é um luto, uma aflição, é um cortinado roxo que cobre o coração. Assim reza a canção que marca a identidade açoriana, cantada em quase todas as ilhas.

Estamos ligados pela saudade e irmanados nesse sentimento num país que fala português. Até na canção se pergunta, "quem seria que a inventou" essa palavra saudade?

Saudade é muito mais do que uma emoção, do que um sentimento, é sobretudo uma memória, uma recordação e uma atitude.

Os portugueses alimentam a saudade, cuidam dela como se fora herança de família, património nacional.

Cantam o fado e recordam a história das descobertas, que contam aos jovens como prova do que fomos, do que fizemos, do que demos ao mundo.

Memória de um tempo longínquo, a saudade é também memória de um presente.

Temos saudades de nós mesmos, desse português heroico que hoje raramente se afirma ou bate o pé, por ser estruturalmente obediente, cumpridor, bom trabalhador, diligente, disponível.

Vivemos com saudades de nós mesmos, desse português de sucesso, e festejamos os feitos de jogadores, que ganham milhões em clubes estrangeiros, ou de treinadores que dão conferencias de imprensa em línguas estrangeiras, escondendo no sotaque as suas origens.

Temos saudades de nós mesmos, por isso, os nossos governantes na república ficam ofendidos porque a Grécia conseguiu negociar sem perder a sua identidade, perante a imposição de países mais fortes, mais ricos e poderosos. Afinal, era possível reagir e reivindicar e não se agachar diante da austeridade imposta. Bastou que um dos países fundadores deste continente europeu fizesse braço de ferro, para que Portugal reagisse, qual menino bem comportado que vê o reguila obter favores da professora.

Temos saudades, quase em permanência, do passado, de sermos um povo de brandos costumes, que chora e canta a desgraça. Não nos libertamos do que fomos e isso impede-nos de afirmar o que queremos ser.

Aos empreendedores temos dificuldade em dizer, "fiquem, mudem este país, façam diferente". Aos jovens, criamos problemas, desconfiamos da sua competência, das suas ideias, e dizemos-lhes com a superioridade típica de velhos do Restelo, "hás de lá chegar um dia, mas primeiro vais receber o salário mínimo, num emprego provisório, pouco importa se és licenciado ou mestre, se tens o doutoramento ou uma especialização, tens de saber o que custa a vida".

Inchados de orgulho, nem reagimos a tantos que partem com um nó na garganta. Hoje dez, amanhã vinte, vão procurar outros lugares onde não se sofra deste mal, onde se olhe mais o futuro do que o passado.

A saudade é traiçoeira. Enquanto nos aquece a memória e reconforta no passado, atrofia a energia e reduz a vontade para transformar o presente e lutar por um futuro diferente.

Vira e volta a saudade, vira e volta a saudade, é como uma onda que nos toma e envolve o coração, enquanto aquece as memórias, vai congelando as atitudes e bloqueando o país, a região.

Ser português é sofrer desse mal, de ter saudades de si. Saudades do que fomos, do que tivemos ou fizemos, resistindo ou esquecendo o presente que nos desafia e, sobretudo, deixando morrer o futuro que devíamos estar a construir.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 24 Fevereiro 2015)

Disfarce

Associamos o disfarce às fantasias de Carnaval. Pendurados nas lojas, as crianças escolhem os seus heróis, entre chapéus de cowboy e coroas de princesa.

Mas, disfarçar não é um exclusivo do Carnaval. Há quem viva iludido o ano inteiro, escondendo emoções, fugindo ao olhar dos outros, evitando o confronto, o incómodo, enganando-se a si mesmo, num faz-de-conta que confunde quem quer perceber onde está a verdade, o que é verdadeiro no seu discurso.

Há mesmo quem seja um perito no disfarce, que não abandona nem a dormir. São atores que encarnam personagens, mal se levantam, escolhendo a roupa certa, treinando o sorriso quando se olham ao espelho para apertar a gravata ou retocar a maquilhagem. Prontos para mais um dia de teatro, assumem de tal forma o disfarce, que poucos são aqueles que os conhecem, sem máscara.

Há mesmo pessoas que não admitem mostrar-se de outra forma. Nunca saem à rua sem estarem retocadas, nunca mostram o seu lado mais genuíno. Receiam que alguém as aborde, sem que tenham tempo de retocar ou recuperar o disfarce habitual.

Com o tempo, o disfarce, que permite incarnar um personagem na família, no emprego, particularmente na política, mais do que uma proteção e uma capa, acaba por esconder ou destruir a autenticidade. E esse personagem, que se constrói com fatos e maquilhagem e que, todos os dias, se estuda ao espelho, acaba colado à pele, confundindo-se com a própria pessoa.

O mais difícil de disfarçar é o rosto, são as olheiras que denunciam cansaço e aquela palidez da falta de sono. Por isso, ainda hoje, os italianos guardam a tradição das máscaras, que encobrem parte do rosto e que, segundo a história, permitiam aos membros de famílias brasonadas, poderem se misturar com o povo e viver o carnaval sem serem julgados pelo estatuto social.

Disfarce, disfarces, em boa verdade são difíceis de evitar. Todos nós construímos personagens com a indumentária com que nos vestimos, do frade ao médico, do sem-abrigo ao empresário. Construímos imagens em função da agenda, dos outros ou dos eventos, esperando que nos reconheçam nessas vestes e nos apreciem.

No Carnaval o disfarce é outro. Para alguns, uma oportunidade para se revelarem na brincadeira e na folia, para outros, uma imposição, já que sentem dificuldade em se divertir só porque assim dita o calendário.

Seja como for, precisamos de ser verdadeiros nas emoções, é fundamental para a qualidade das relações, sejam elas íntimas ou profissionais. A verdade não combina com disfarces.

Falar verdade, ir direto ao assunto e denunciar a falsidade, são fundamentais para a saúde das relações, necessários à qualidade de vida em sociedade, alicerces na construção de uma comunidade.

Precisamos de autenticidade. Todos sabemos que, por melhor que sejam, os disfarces um dia caem e a violência do embate é muito maior. Não vale a pena, fazer-de-conta que está tudo bem enquanto se escondem problemas reais.

Disfarce, mas não ignore!

(artigo publicado no Açoriano Oriental de 10 Fevereiro 2015)

É carnaval, vai uma malassada?

Quando a agricultura ditava o calendário, a terra definia os tempos, as festas e até as comidas.

Havia um tempo de escassez, o inverno, e um tempo de fartura, que coincidia com as colheitas.

Mas, as populações sempre se prepararam para as agruras do inverno, fazendo conservas, salgando alimentos, matando o porco e guardando carnes e enchidos na banha. Nas toldas de milho, as maçarocas acondicionadas em forma de telhado, amarradas em mancho eram a certeza de pão, enquanto nos celeiros se acondicionava o trigo.

A terra ditava o tempo, as tarefas, e as vidas organizavam-se para tirar dela o sustento. Um quotidiano, que se rompia com as festas.

Ainda hoje, apesar de longe do ciclo natural, as comunidades vivem a festa como uma paragem na rotina, a alteração dos hábitos quotidianos.

Na festa, espera-se fartura e nada melhor do que a gordura e os fritos.

Assinalando a véspera de um período de abstinência que a igreja associou à Páscoa, o Carnaval é um tempo de fartura, de folguedo e de excessos.

Nos Açores, muito antes da terça-feira, as malassadas, os sonhos, os coscorões ou as rosas do Egito lembram o tempo das partidas, da brincadeira e da exteriorização ruidosa, que irá ter o seu momento forte na terça-feira gorda.

O carnaval enquadra-se nesse calendário, que herdamos dos nossos antepassados. Um calendário onde a escassez do inverno, o rigor do trabalho agrícola, faziam deste tempo, um período de incerteza, que aguarda a fartura das colheitas.

Mas se hoje, a grande maioria de nós já não vive ao ritmo da natureza, não há dúvidas que o carnaval continua a funcionar como um tempo diferente, que rompe com a rotina, as normas e a postura séria dos outros dias.

Este é o tempo de brincar, de se mascarar e divertir em grupo.

É o tempo da folia, do folguedo, das danças de carnaval, dos estalinhos e das partidas.

Infringir as regras satisfaz o gosto de poder “pisar o risco”, limite do permitido. Uma infração que, neste tempo, é aceite, “ninguém leva a mal”.

O ser humano precisa de se olhar de fora, como quem se vê fora dos padrões, das regras e dos comportamentos esperados. Esta anarquia e alienação, podem funcionar como descompressão. E, nesse sentido, o carnaval pode ser um escape para alguns. Esse é o sentido tradicional para as comunidades, um tempo que rompe com o instituído, o estabelecido. Um tempo delimitado, curto, intenso que contrasta com a rotina, e sobretudo, que contrasta com a abstinência e o silêncio da meditação que os cristãos associam à quaresma que se inicia logo a seguir, na quarta-feira de cinzas.

Precisamos todos de nos libertar das tensões e nada melhor do que a brincadeira, algum excesso e o convívio em grupo para nos fazer rir. Rir é o melhor remédio para combater o sentimento de frustração ou de insatisfação com o quotidiano. Rir é olhar com outros olhos a vida dura que levamos, não para a desvalorizar, mas para nos fazer ter uma atitude menos obcecada, menos dramática. Soltando essas emoções negativas, conseguimos nos distanciar dos problemas e adotar a melhor atitude para os enfrentar.

O carnaval pode ser um tempo para olhar com outros olhos a vida, recuperando a energia necessária para enfrentar as dificuldades, desvalorizando esse lado sério que faz alguns esquecer de sorrir, que nem bom dia dão aos colegas de trabalho, ignorando quem passa na rua, como se carregassem todos os sofrimentos do mundo.

Se ninguém leva a mal, então que haja diversão no carnaval. E já agora, vai uma malassada?

Bom carnaval.

(texto lido no programa de Graça Moniz, "Entre Palavras", de 1 Fevereiro 2015).

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