À luz da vela
O rosto do meu menino Jesus brilha à luz de uma vela, entre as imagens de Nossa Senhora e São José. Aconchegado numa cama de palhinhas, que todos os anos refaço para o deitar, parece contente debaixo do teto feito de galhos que o vento arrancou às árvores.
Este é o momento que dá sentido ao meu Natal, sempre igual nas imagens, guardadas em papel de jornal, mas sempre diferente na história que me conta sobre o ano que passou e me faz recordar, agradecer, bons e os maus momentos.
Por muito que alguns teimem em reduzir este tempo ao consumo e exagero, seja alimentar ou decorativo, o presépio continua a ser o único espaço que permanece fiel à mensagem de simplicidade e renovação que representa o Natal.
Natal, palavra mágica, que muitos nem lhe conhecem a origem, mas que torna as pessoas diferentes, mais generosas e alegres.
Levanto os olhos para esse menino luz, que reflete o calor da vela, que brilha no meio da ervilhaca e do trigo, e recordo em mim a criança que fui e que sou no fundo de mim mesma. Afinal, todos nós somos, agora e hoje, parte do que já fomos. E, nada melhor do que este tempo para renovar em nós essa infância simples, generosa e imaginativa.
Mesmo aqueles que dizem não acreditar no Deus menino, esperam que este tempo faça milagres de amor.
São inúmeras as iniciativas de angariação de géneros alimentares para pessoas carenciadas; os jornais falam de famílias separadas e fragilizadas, que sonham viver o Natal à volta de uma mesa. Os peditórios alertam para a realidade da pobreza infantil, das crianças que nunca tiveram a visita do velhinho de barbas, que parece assustar alguns meninos, quando os pais insistem numa fotografia tirada ao colo desse avô dos presentes.
Natal! Há no ar um sentimento misto de felicidade e angústia. Se por momentos parecem felizes com toda essa azáfama, há quem fique angustiado sem conseguir gerir, ao mesmo tempo, o excesso do consumo e o apelo de tantas campanhas para ajudar.
Parece que fazemos questão de guardar tudo para este tempo. Numa única semana por ano, fazem-se limpezas, enfeitam-se as casas com brilho e luzes, junta-se a família e lembram-se os amigos, com prendas e refeições de festa. Nesta semana somos mais amigos de ajudar quem não conhecemos, ao mesmo tempo que somos mais facilmente tentados pelo exagero do supérfluo, solidários com uma mão, gastamos com a outra. Não admira que fiquemos cansados, alguns até exaustos, quando terminam as festas e a vida volta à normal rotina de todo o ano, sem brilho nem fartura, de novo diante dos papéis de jornal que irão proteger as imagens do presépio.
Paro um pouco diante do presépio e volto a olhar esse rosto que acorda com o piscar da vela que brilha.
Ali, quieto, o menino Deus ocupa o centro da gruta, recorda o essencial, que não muda, apesar do brilho das árvores e do movimento nas lojas cheias de clientes.
Afinal tudo se resume a esta mensagem de simplicidade: o amor nasce sempre num lugar simples, no coração mais humilde, onde não haja luxos ou exageros, mas onde se sinta o calor do acolhimento.
Fecho os olhos e continuo a ver aquele rosto brilhar à luz da vela.
Afinal o Natal está dentro de cada pessoa, quando muitos o procuram comprar.
Nesse lugar a que chamamos coração, onde guardamos o melhor de nós mesmos, é aí que melhor se sente o significado deste tempo.
A todos, desejo um santo Natal.
Boas Festas!
(texto publicado no Açoriano Oriental de 15 Dezembro 2015).