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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

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Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

À luz da vela

O rosto do meu menino Jesus brilha à luz de uma vela, entre as imagens de Nossa Senhora e São José. Aconchegado numa cama de palhinhas, que todos os anos refaço para o deitar, parece contente debaixo do teto feito de galhos que o vento arrancou às árvores.

Este é o momento que dá sentido ao meu Natal, sempre igual nas imagens, guardadas em papel de jornal, mas sempre diferente na história que me conta sobre o ano que passou e me faz recordar, agradecer, bons e os maus momentos.

Por muito que alguns teimem em reduzir este tempo ao consumo e exagero, seja alimentar ou decorativo, o presépio continua a ser o único espaço que permanece fiel à mensagem de simplicidade e renovação que representa o Natal.

Natal, palavra mágica, que muitos nem lhe conhecem a origem, mas que torna as pessoas diferentes, mais generosas e alegres.

Levanto os olhos para esse menino luz, que reflete o calor da vela, que brilha no meio da ervilhaca e do trigo, e recordo em mim a criança que fui e que sou no fundo de mim mesma. Afinal, todos nós somos, agora e hoje, parte do que já fomos. E, nada melhor do que este tempo para renovar em nós essa infância simples, generosa e imaginativa.

Mesmo aqueles que dizem não acreditar no Deus menino, esperam que este tempo faça milagres de amor.

São inúmeras as iniciativas de angariação de géneros alimentares para pessoas carenciadas; os jornais falam de famílias separadas e fragilizadas, que sonham viver o Natal à volta de uma mesa. Os peditórios alertam para a realidade da pobreza infantil, das crianças que nunca tiveram a visita do velhinho de barbas, que parece assustar alguns meninos, quando os pais insistem numa fotografia tirada ao colo desse avô dos presentes.

Natal! Há no ar um sentimento misto de felicidade e angústia. Se por momentos parecem felizes com toda essa azáfama, há quem fique angustiado sem conseguir gerir, ao mesmo tempo, o excesso do consumo e o apelo de tantas campanhas para ajudar.

Parece que fazemos questão de guardar tudo para este tempo. Numa única semana por ano, fazem-se limpezas, enfeitam-se as casas com brilho e luzes, junta-se a família e lembram-se os amigos, com prendas e refeições de festa. Nesta semana somos mais amigos de ajudar quem não conhecemos, ao mesmo tempo que somos mais facilmente tentados pelo exagero do supérfluo, solidários com uma mão, gastamos com a outra. Não admira que fiquemos cansados, alguns até exaustos, quando terminam as festas e a vida volta à normal rotina de todo o ano, sem brilho nem fartura, de novo diante dos papéis de jornal que irão proteger as imagens do presépio.

Paro um pouco diante do presépio e volto a olhar esse rosto que acorda com o piscar da vela que brilha.

Ali, quieto, o menino Deus ocupa o centro da gruta, recorda o essencial, que não muda, apesar do brilho das árvores e do movimento nas lojas cheias de clientes.

Afinal tudo se resume a esta mensagem de simplicidade: o amor nasce sempre num lugar simples, no coração mais humilde, onde não haja luxos ou exageros, mas onde se sinta o calor do acolhimento.

Fecho os olhos e continuo a ver aquele rosto brilhar à luz da vela.

Afinal o Natal está dentro de cada pessoa, quando muitos o procuram comprar.

Nesse lugar a que chamamos coração, onde guardamos o melhor de nós mesmos, é aí que melhor se sente o significado deste tempo.

A todos, desejo um santo Natal.

Boas Festas!

 

(texto publicado no Açoriano Oriental de 15 Dezembro 2015).

Ambivalências

Há sentimentos ambivalentes que nos transformam por dentro para o bem e para o mal. O orgulho é um desses. Se por um lado representa o atingir de objetivos, a satisfação pessoal por ver nos outros a concretização de metas, sobretudo quando achamos que contribuímos para esse projeto, por outro, o orgulho pode ser um obstáculo, um travão.

Acontece quando nem todos concordam com a forma como realizamos ou orientamos um projeto ou alguém nos faz reparos ao que julgávamos perfeito, aí o orgulho emerge como um sentimento estranho de posse, de forma egocêntrica, como se o mundo girasse em torno da nossa própria vida.

É o "orgulho besta", que nos torna incapazes de ouvir os outros e de reconhecer que mais não somos do que um membro de uma grande comunidade. O nosso contributo vale, mas é sempre relativo, quando é posto em comum.

Ter orgulho ou ser orgulhoso, são sem dúvida duas atitudes ambivalentes.

E, como esta maneira de ter ou ser, muitas outras marcam a nossa existência. A grande diferença está no verbo que associamos a essas atitudes, ser ou ter.

Sempre que incorporamos uma característica, seja o orgulho ou então o poder, a sabedoria ou outra qualquer, tudo muda se for algo que temos ou que somos. Experimentem conjugar o verbo ter com cada um destes termos: ter orgulho ou ser orgulhoso; ter poder ou ser poderoso; ter sabedoria ou ser sábio, e sintam como muda a posição que ocupamos ao afirmá-lo.

O que consideramos virtude pode transformar-se em defeito.

Se nuns casos nos engrandece e faz amadurecer, noutros torna-nos menos humanos e incapazes de entender os outros.

Há quem confunda estas duas dimensões e, por sentir orgulho, torna-se orgulhoso, ou por ter poder, julga-se poderoso.

Na realidade, o que fazemos das nossas capacidades, conhecimentos ou emoções faz toda a diferença no modo como vivemos em sociedade. E todos os dias aprendemos e a toda a hora há quem nos recorde essa diferença. Acendem-se as luzes do egoísmo, da ofensa, o sentimento de menor reconhecimento, porque afinal mais não somos do que uma parcela da construção coletiva. O universo não depende da nossa ação, mas sem ela ficaria mais pobre. Os outros não deixam de viver as suas vidas, só porque entretanto, conseguimos atingir o topo de uma montanha. Os demais irão continuar a tentar o mesmo e não vale a pena dizer, "eu já fiz isso", "eu já sei o que isso é....". O mundo precisa da participação de todos e a minha experiência é apenas uma entre muitas, que deve contribuir para o bem comum.

Viver e sentir essas ambivalências constantes é fundamental, quando se trata de fazer escolhas ou de se por na fila da frente para ser visto. Diz uma frase batida, que os últimos serão os primeiros, e talvez isso seja verdade, não porque alguém perdeu o comboio da vida, mas porque a viveu sem preocupação em ficar com o nome gravado numa placa, desde que os outros pudessem beneficiar da sua existência e se sentissem mais felizes com a sua colaboração.

Entre ter e ser, quanta ambivalência, contradição, dúvida. A tentação de se apropriar e de ficar melhor posicionado na fotografia, enquanto outros, mais calados e por ventura, mais importantes, ficam na sombra.

Ambivalências, contradições, entre ser orgulhoso ou ter orgulho, entre ter conhecimentos ou ser sábio.

Quando me falavam de meditação, julgava eu que seria uma experiência difícil, transcendental. Afinal, apenas requere silêncio, fazer um parêntesis no turbilhão da vida e refletir coisas tão simples como esta: que verbo associo às palavras orgulho, saber ou poder?

(publicado no Açoriano Oriental, a 17 Novembro 2015)

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