Afetos
A palavra afetos passou a ser adjetivo, que se cola à política, à educação ou até à economia, no que esta tem de comercial e de transação.
Os afetos são sinónimo de proximidade e de personalização, são o ingrediente que humaniza, a linguagem que as pessoas entendem. Por isso, quando se ouve este termo aplicado a tantas áreas da vida pública, é porque todos reconhecem que não se atraem pessoas ou clientes sem lhes tocar, sem que pela comunicação se reconheça e dignifique o outro.
Os afetos são condutores de energia, por eles passam significados, e só nesse contexto é possível fazer-se entender.
Sem tornar a vida numa telenovela, nem lhe retirar o sentido profundo e objetivo das dificuldades e dos problemas que todos vivemos, é pela linguagem dos afetos que compreendemos as circunstâncias do outro, seja ele aluno, cliente, cidadão, eleitor ou empregado.
Não basta estar do lado da razão, ter os argumentos certos ou o poder, se não se souber partilhar ou usar esses trunfos no jogo da relação.
Razão, argumentos ou poder só fazem sentido quando reconhecidos.
A linguagem dos afetos não é para ser anunciada, usada como marketing, qual legenda de um filme estrangeiro.
É fundamental que o agente que a utiliza seja genuíno, acredite no que diz ou faz e, sobretudo, acredite no outro e o reconheça na sua integridade, sem o instrumentalizar. Agora convém dar um abraço, pegar na criança ao colo, fazer de conta que se é simpático. Logo se verá, quando a máscara cair e o teatro acabar!
Essa não é a linguagem dos afetos que humaniza, é antes uma encenação a que se recorre quando se quer fazer boa figura, seja nas relações empresariais, na sala de aula ou no discurso político.
Quem assiste a essa cena, por vezes acredita num primeiro momento, mas fica dececionado quando se apercebe que foi engodo, fogo de vista, um isco para agarrar e fazer crer.
A linguagem dos afetos, realmente, humaniza, aproxima, dignifica a relação, se for genuína, verdadeira e corresponder a uma comunicação com conteúdo, capaz de reconhecer as circunstâncias do outro, inclusive quando é necessário transformar um momento menos positivo, numa experiência de renovação e recomeço.
É bom que recordemos que nos afetos tanto cabem a simpatia como a repreensão, o elogio como a crítica. O reconhecimento do outro, quando verbalizado, não tem forçosamente de ser agradável, pode mesmo ser doloroso e até sofrido. O importante nesta linguagem é ser verdadeira e promover, de forma positiva, a construção de relações saudáveis, positivas e renovadas.
Se não tivermos presentes estes dois lados dos afetos, os que nos afagam o ego e os que nos chamam à razão e nos desafiam a corrigir e reorientar, estaremos longe do essencial. Por ventura, será uma fantasia, o tal faz-de-conta da ilusão que vende revistas e embrulha histórias, qual sorriso amarelo de vendedor desmotivado ou verniz que disfarça madeira podre.
Os afetos não são adjetivo, são conteúdo, sujeito da frase.
Se queremos reaprender a falar essa linguagem, há que ser verdadeiro e reconhecer, primeiro em si, e depois nos outros, as virtudes a potenciar e os defeitos a corrigir.
Todos sabemos falar a linguagem dos afetos, ou não seríamos pessoas, humanos! Basta não ter medo da verdade, olhar nos olhos, abrir o coração e sentir.
(texto publicado no Açoriano Oriental, 26 Janeiro 2016)