Acolher
O Papa Francisco na sua recente visita a um campo de refugiados na Grécia voltou a desinstalar os governos e os cidadãos do mundo inteiro, crentes ou não na força do Espírito. Num gesto simbólico, ofereceu acolhimento no Vaticano a três famílias de refugiados. Alguns dirão, o que são doze pessoas? Uma gota no oceano de desespero que marca a vida de milhares de refugiados. Mas, simbolicamente, o Papa demonstrou que a resolução desta situação começa na vontade genuína em acolher.
Acolher significa juntar, reunir. E, cada vez é mais notório que, depois de tantas mortes em pleno mediterrâneo e de milhares de pessoas resgatadas, a Europa continua com dificuldade em demonstrar, na prática, que aceita recebe-las e não receia que façam parte das suas comunidades. Entre notícias e discursos, no fundo os responsáveis europeus temem contacto com estes refugiados, que associam ao terrorismo e aos atos violentos que ocorreram recentemente.
Encurralados em campos, vivendo entre um presente de horror e um futuro incerto, o mundo acaba por esquecer o quão urgente é cuidar, alimentar e proteger estas famílias, com dignidade.
O que faríamos se vivêssemos numa situação semelhante, no meio de bombas e extremismos, perante radicalismos religiosos ou políticos, receando pela vida dos filhos, sem esperança no futuro?
A humanidade é o que nos torna iguais a todos os outros, onde quer que vivam, seja qual for a língua que falam ou o credo que professam. O Papa não exigiu que escolhessem doze católicos, mas pediu ao governo de Atenas que selecionasse aleatoriamente doze pessoas de entre os refugiados.
Acolher não é apenas receber, mas ligar-se ao outro e com ele partilhar recursos. E essa é, por ventura, a principal dificuldade de todos os países que se dizem desenvolvidos. Olham e tratam os refugiados como estrangeiros, estranhos que não conhecem e defendem-se, como sempre, com a burocracia. Regulamentos e formulários, autorizações e carimbos tornam complexas e atrasam decisões, adiando o acolhimento e por vezes a própria sobrevivência, neste caso de famílias inteiras de refugiados.
O acolhimento não se faz com palavras mas com atos. "Mostra-me os teus atos e direi em que acreditas!"
Vivemos dias de luto pelos atentados, somos sensíveis ao terrorismo e tememos pela segurança dos nossos. Mas o que fazemos perante a morte de milhares de pessoas em pleno mediterrâneo? Divulgamos nas redes sociais as imagens do terror, como a daquele menino de três anos, morto, numa praia de areia branca, que chegou a ser utilizada numa campanha para prevenção da vigilância de menores em praias!
Também aí o Papa Francisco teve um gesto simbólico, juntamente com outros líderes religiosos, assinalou com flores o lugar onde tantos perderam a vida, em busca de paz e de segurança.
Na defesa da dignidade humana não há lugar a credos, ideologias ou burocracias, mas à gestão das necessidades de quem foge do terror. Algo que também já afligiu a Europa que agora se recusa a acolher.
Quantos europeus no século XX não precisaram fugir aos horrores da guerra, fossem os campos de concentração ou os conflitos religiosos!
A memória é curta e injusta! Já fomos vítimas do medo e da insegurança e agora encurralamos outras vítimas às portas da Europa.
Falta descobrir o sentido do acolhimento. Para tal são importantes gestos, atos, mesmo que simbólicos. Se cada governo ou cidadão europeu reagisse ao horror desta crise dos refugiados, de forma concreta e eficaz, até o terrorismo perderia força.
(artigo publicado no Açoriano Oriental de 19 de Abril 2016)