Dias de balanço
Era dia de balanço no armazém e o meu avô só chegava à hora do jantar. Nesse dia, 31, o inventário dos stocks tinha de ser feito, para se poder abrir um novo livro de contabilidade no ano seguinte.
Fazer o balanço era a principal tarefa, fosse no armazém ou nas nossas vidas, sobretudo durante a missa de Tedeum, que se rezava na capela de Santa Bárbara, atualmente integrada no Museu Carlos Machado.
Envoltos no cheiro a incenso e nos cânticos de Natal, sentia-se um misto de alegria e tristeza, de angústia e curiosidade.
Afinal, sempre que chegamos a esse dia que, sendo igual aos outros, encerra um ano, somos levados a pensar em tudo o que de mais significativo aconteceu, o que ganhamos e perdemos, o que fizemos ou deixamos por fazer.
Pensar no novo ano traz um gosto agridoce à boca! Que bom, poder renovar os votos, reposicionar os objetivos! Mas, será que é desta que se irão concretizar? Estaremos todos cá para os ver acontecer?
A oração da serenidade, de Reinhold Niebuhr é um bom lema para enfrentar a angustia do novo ano: "Concedei-nos Senhor, serenidade necessária, para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguirmos umas das outras."
Se todos nós, em particular os dirigentes políticos, seguíssemos esta máxima, muitos conflitos e impasses seriam evitados.
Mas, falta serenidade, discernimento e, sobretudo, sabedoria.
Uma sabedoria que não vem nos livros, nem nos tratados, que não se confunde com "esperteza" ou "velhacaria", mas que é capaz de distinguir o que se pode mudar do que se deve respeitar, o que deve ser um objetivo imediato, daquele que exige tempo e distanciamento para se concretizar.
Dias de balanço, é tempo para pormos em cima da mesa o existente, o que ficou deste ano que termina, e o saldo que transportamos para o próximo.
Talvez seja melhor dar baixa do que está estragado e que não vale a pena aproveitar, limpar o lixo e deitar fora o supérfluo. Afinal, o que é mais importante? Que projetos vale a pena retomar ou começar?
Lembro uma história, que me contavam em criança, de uma jovem que estava sempre a começar novos trabalhos de mãos. Uma toalha bordada a ponto matiz foi posta de lado, para iniciar um naperon de renda, que também a aborreceu; logo depois iniciou um quadro a ponto de cruz, que teve a mesma sorte. Sempre que perdia o entusiasmo por um trabalho iniciado, abandonava-o. Aproximava-se o dia do casamento e amontoava-se um enxoval inacabado, que a mãe foi entregar a outros para que o terminassem.
Por vezes levamos a vida assim, num pega e larga, entre paixões e desilusões, entusiasmos e desinteresses.
Fazer o balanço é reconhecer o caminho trilhado e identificar os becos, que nos obrigaram a recuar e fizeram perder tempo. É retomar projetos válidos, que ficaram "na cesta" por falta de esforço e capacidade de sofrer. Nada se conclui, se apenas investimos quando nos dá prazer ou achamos a tarefa fácil. Os resultados vem, quando, passando essa fase de enamoramento, ultrapassamos dificuldades, barreiras e acreditamos no sentido que queremos dar à vida.
Dias de Balanço é também tempo para avaliar o que fomos capazes de fazer da pessoa que somos e de nada serve regozijarmo-nos por termos deixado tantos talentos enterrados à espera de melhores dias: "hoje não, amanhã? Talvez!!"
Hoje é o primeiro dia do resto das nossas vidas!
Quando erguermos o copo à meia-noite do dia 31, vale a pena desejar Serenidade, Coragem e Sabedoria para 2018!
(texto publicao no jornal Açoriano Oriental de 27 dezembro 2017)