Mar, pescadores e futuro
No mar não há limites de propriedade.
Não fora a regulamentação internacional a definir zonas económicas exclusivas, limitar o uso das artes de pesca e proteger áreas e espécies marinhas, o mar seria de todos os que nele mergulham ou navegam, levados pelo prazer ou pela necessidade de o atravessar.
Muito antes da gestão política do mar, já os mestres pescadores identificavam lugares de pescaria, "bancos" onde a pesca podia ser mais rentável.
A pesca tradicional assenta nesse saber ancestral, aliado a formas de organização profissional onde a solidariedade se sobrepõe à visão economicista do mérito. Numa companha entram filhos e sobrinhos, tios e cunhados e, no final, retirado o quinhão do mestre, todos repartem o rendimento, sem olhar ao contributo de cada um, mas de forma igual. É injusto!? Talvez! Mas essa é a forma como sempre dividiram o que o mar lhes dá, devolvendo uma parte para a festa do patrono, por quem têm uma enorme devoção.
Todas ou quase todas as embarcações de pesca, das mais pequenas, de boca aberta, às traineiras ou "palangreiras", levam uma ou mais imagens sagradas no seu interior.
A pesca tradicional é feita por pessoas, que vivem em comunidades costeiras, ligadas por laços de parentesco, com quem aprendem a arte de pescar e o respeito pelo mar. Mas, o mar dos pescadores nada tem de lúdico. É um espaço de trabalho, de onde retiram o rendimento diário. Por isso, olham com alguma desconfiança para a denominada pesca lúdica.
Como encarar o futuro das comunidades marítimas? Como transformar a pesca assente em anos de sabedoria, rotinizada em gestos mecânicos que se reproduzem na preparação das gamelas ou no lançar do aparelho?
Todos concordaremos que só pela formação e, sobretudo, pela maior escolarização das gentes do mar, se pode facilitar o acesso e a manipulação de equipamentos sofisticados que as novas embarcações possuem. Equipamentos que garantem a segurança e a eficácia, mas que retiram valor à sabedoria dos velhos homens do mar, conhecedores dos lugares de pesca, sem precisarem de sonares ou cartas marítimas.
Mas e depois! Mais escolarizada, a geração mais jovem poderá manter-se na atividade e pensar o futuro. Mas e os outros? Aqueles que possuem barcos com menos de 12 metros e que toda a vida pescaram a poucas milhas da costa?
A proposta de resgate do governo propõe trinta mil euros para deixar a pesca, exigindo a destruição da embarcação. Significa isso "matar" o barco. Porque, para um pescador, uma embarcação tem vida, foi batizada com nome próprio e deveria morrer de velha.
Porquê exigir a morte do barco, se outras atividades podem ser realizadas com estas embarcações, como a pesca-turismo, que pode ser aliada a outros negócios ligados à gastronomia e ao artesanato local?
A aquacultura não é uma "evolução" para esta pesca tradicional, já que representa a "industrialização" do processo de captura de pescado. Irá precisar de "operários da pesca", não de pescadores.
O futuro do mar, cada vez mais dependente de questões ambientais e da inovação tecnológica, não pode ignorar as comunidades que durante gerações nos alimentaram de peixe.
O mar também é deles.
(texto publicado no Açoriano Oriental de 29 Maio 2018)
O futuro do mar, cada vez mais dependente de questões ambientais e da inovação tecnológica, não pode ignorar as comunidades que durante gerações nos alimentaram de peixe.
O mar também é deles.