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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Silêncio desconcertante

Fixo os olhos no presépio, naquelas figuras que, todos os anos, desembrulho das folhas de jornal para as colocar nos lugares de sempre, iluminadas delicadamente pela chama de uma vela. E sinto, sinto o silêncio desse lugar, onde a história do nascimento de Jesus reatualiza a mensagem da simplicidade, do despojamento e da ligação à natureza e aos mais simples, os pastores, de joelhos ofertando cordeiros.

Este silêncio é desconcertante! Porque desmancha barreiras, desfaz muros de vergonha, solta rios de emoção contida e desperta sentimentos de solidariedade e atenção aos outros, todos os outros, os que nos rodeiam ou já partiram, os que conhecemos e aqueles que gostaríamos de conhecer.

Mas, para sentir este silêncio que desconcerta e perturba, não podemos fugir, nem procurar preencher esses momentos com ruídos e luzes.

O silêncio liberta vozes interiores! Por isso, pode ser revolucionário, quando esse diálogo interior aumenta a consciência das injustiças e reforça a dignidade.

O silêncio desconcerta mas, nem sempre ouvimos essas vozes quando é maior a vergonha, o medo e a falta de apoio e segurança. Particularmente a voz das mulheres que foram ou são vítimas de crimes sexuais, num mundo que desculpabiliza os agressores, machos ativos, dominadores impulsivos, para quem o corpo da mulher é um mero objeto de satisfação.

Uma voz ergueu-se para quebrar esse silêncio de vergonha, a de Nadia Murad, uma jovem iraquiana, de 25 anos, da minoria muçulmana Yazid, torturada e violada, juntamente com outras 3000 mulheres, algumas ainda adolescentes, usadas como escravas sexuais por grupos armados do autointitulado "Estado Islâmico".

Pela coragem de denunciar, Nadia recebeu o Nobel da Paz 2018, juntamente com Denis Mugweve, médico ginecologista congolês, que já cuidou de mais de 50 mil mulheres vítimas de violação.

Nadia não quis calar os horrores de que foi vítima, não por ela, mas por todas as mulheres que são usadas e abusadas, como estratégia de guerra. Destruídas, estas mulheres não podem mais ser mães, refugiando-se no silêncio da vergonha. Mas, como disse Mugweve, este não é um problema de mulheres, mas da Humanidade. Somos todos responsáveis por não ouvir o silêncio destas vítimas!

O silêncio desconcerta, desfaz as barreiras interiores! Mas, se uns fogem das emoções que isso provoca, procurando alienar-se no consumo e nos ruídos, outros fecham-se na vergonha e no medo, incapazes de denunciar e mostrar o quanto as injustiças e a violência destruíram a sua dignidade.

Neste terminar de ano, regressemos ao silêncio e deixemo-nos levar pela força que quebra cadeias, desmonta defesas e faz soltar a emoção, contida no interior e, tantas vezes, disfarçada em faz de conta: "está tudo bem", "não é nada", "não te preocupes comigo!!!!".

Este é o tempo da verdade, dos sentimentos mais genuínos, da partilha de emoções.

Afinal, não é todos os dias que,

num recanto da casa, construímos um lugar diferente,

onde podemos parar e olhar a luz da vela;

Sentir o cheiro do cedro e dar espaço ao silêncio!

Sem vergonha ou receio, chorar!

Sentindo o sabor a sal das lágrimas,

Libertar o mar de receios ou angustias,

Dúvidas e inseguranças, e sorrir!

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental a 25 dezembro 2018)

Violência sem rosto

Os últimos eventos nas ruas de Paris mostraram a força bruta, irracional, que se infiltrou e apropriou de manifestações de protesto, movidas pelo descontentamento e o mal-estar de muitos milhares de cidadãos, esmagados pelo aumento do custo de vida. Perante a falta de realismo no discurso dos políticos, em quem tinham depositado a esperança de melhores dias, que falam do combate às emissões de carbono, de novas tecnologias ou de startup's, muitos franceses saíram à rua ostentando um colete amarelo, para chamar a atenção. Diariamente, lutam com dificuldades, nas periferias da cidade, sem poderem deixar de utilizar o carro para ir trabalhar e sem acesso aos apoios, supostamente, pagos com os seus impostos.

A estes descontentes, colaram-se outros, extremistas, profissionais do protesto violento, que não se detêm diante do sofrimento que infringem nos outros, nem perante o rastro de destruição.

Se, por um lado, somos compreensivos com os problemas vividos pelos cidadãos, vítimas da desigualdade ou da injustiça, dificilmente se aceita a violência como chamada de atenção ou solução. Apesar de, por vezes, os governantes só ouvirem a voz dos injustiçados quando estes intensificam os protestos, como aconteceu em França que fez "marcha atrás" no imposto sobre combustíveis, nada justifica a violência.

Neste momento, falta discernimento para que haja diálogo e capacidade para refletir sobre soluções políticas.

O protesto envolto em violência gera medo e angustia e, no barulho ou na confusão, ninguém se ouve a si próprio, nem ouve o outro que está ao seu lado.

É preciso parar a revolta, para reencontrar os fios que tecem a democracia, "a pior forma de governo, à exceção de todos os outros já experimentados ao longo da história" (Churchill, 1947), e aproximar os cidadãos dos eleitos na busca de soluções.

Sem que se vislumbrem tréguas, o povo apavorado, angustiado, vê os seus negócios a perigar (só na restauração parisiense a quebra é superior a 50%) e perde confiança naqueles em quem depositou as suas aspirações. E, um povo desgastado, pode acabar por desistir do diálogo e da reflexão, entregando-se a soluções radicais, sem conseguir reconhecer a demagogia do discurso e o extremismo das propostas, iludido pelos falsos slogans da unidade nacional e da segurança. A história recente tem mostrado como se chega ao poder com um discurso bipolarizado entre esse "nós", que se sente ameaçado, e "eles", os indesejados, que não merecem os mesmos direitos, sejam estrangeiros ou minorias, mulheres em luta por direitos ou famílias carenciadas.

Os movimentos populistas são lobos disfarçados que falam a voz das ovelhas, para depois as dominar, manipular e controlar.

Acordemos para a realidade, o presente pede reflexão e, sobretudo, diálogo.

E o diálogo exige que, livremente, se possa criticar, reivindicar e, sobretudo, escutar o outro, nas suas dificuldades. Há sempre uma saída quando juntamos esforços, potenciamos recursos e acreditamos na força interior que transforma as dificuldades em oportunidades, os desafios em inovação, as carências em solidariedade.

A paz tem rosto humano, tem nome, constrói. A violência, não! É anónima e sem rosto, visa apenas destruir a liberdade, essência do ser humano.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 11 dezembro 2018)

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